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domingo, 4 de fevereiro de 2018

Estaremos diante de uma nova "Idade das Trevas"?!



Muito interessante a postagem A IDADE MÉDIA, A ANTIGUIDADE E O PRIMITIVISMO DE NOSSA PSIQUE ─ FRENTE AOS “NOVOS TEMPOS”, publicada hoje no blogue Ensaios & Prosas do médico paraibano Levi Bronzeado. Em seu texto, o autor elabora uma interessante reflexão sobre o pensamento exposto numas das páginas do livro Memórias, Sonhos, Reflexões do célebre psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875 — 1961), fundador da psicologia analítica.

"O que concluir enfim, senão que somos incapazes de cancelar o conteúdo primitivo de nossa psique. Tentar reprimir esse conteúdo seria um mecanismo de defesa para se evitar o desprazer; sublimá-lo, por sua vez, seria alcançar um nível de satisfação a que, por exemplo, os poetas, em seus versos, estão acostumados a experimentar. As metáforas representativas de seus afetos paradoxais, o artista retira de suas próprias profundezas mentais, tal qual uma bordadeira o faz com a agulha e seu novelo de linha: o intrincado bordado, fruto do exercício de memória, acaba por deixar impresso no tecido toda a expressão de sua divina arte. Do mesmo modo, acontece com o músico que, ao organizar ou criar a partir dos elementos arcaicos ou primitivos de sua psique, presenteia-nos com sua expressiva e divinal sinfonia; sinfonia que ao reverberar nas cordas de nossos corações nos contagia de alegria e beatitude.

Mas o que nos reserva o futuro diante do fulminante progresso tecnológico? Para evitar o que se considera “desperdício de tempo”, em nome de um hipotético futuro, o mercado procura tudo massificar, visando exclusivamente o lucro. “Tempo é Ouro!. Aqui, você tem tudo de bom sem a necessidade de demorados momentos de reflexão e esforço mental” —, diz o lema estampado e oferecido em suas atraentes embalagens." 

Conforme lhe respondi na área de comentários do referido blogue, eis que a humanidade tende a atravessar um período indeterminado de alienação. Isto porque, hoje em dia, com as novas tecnologias da informação bem à disposição de todos, que é uma das "brilhantes descobertas da ciência", citando palavras de Jung em nosso contexto, perde-se longas horas do dia diante de uma virtualidade de sítios de relacionamentos, bem como nos aplicativos multiplataformas de mensagens instantâneas e de chamadas de voz para smartphones, tal como o popular WhatsApp. Logo, poucas oportunidades têm sobrado para o homem moderno pensar e refletir, assim como poder conviver qualitativamente com os seus verdadeiros amigos, parentes e o próprio cônjuge.

Ora, consideremos também que as pessoas andam lendo cada vez menos! Pois, enquanto na década de 60, quando Jung despediu-se desta vida, ainda se adquiria livros numa proporção muito maior do que hoje, se levarmos em conta a população global da época e o número de seres alfabetizados, fico impressionado em ver como uma grande parte dos antigos leitores do século XXI foi capaz de jogar fora algo tão instrutivo para alimentar-se de mensagens curtas nas redes sociais. E, por mais que a acelerada interatividade na internet proporcione um instigante partilhar de ideias, os debates acabam empobrecendo-se quando nos afastamos da fonte do conhecimento, o qual é adquirido no silêncio reflexivo da alma.

Fato é que ainda não soubemos como lidar com as novas tecnologias que surgiram no instável terreno da comunicação. Por exemplo, quando um grande número de pessoas passou a acessar o e-mail e depois os sítios de relacionamento (Orkut, Facebook e Twitter), tais internautas ficaram maravilhados. Uns por contactarem pessoas que há muito tempo não se encontravam presencialmente. E outros pelo simples fato de fazerem novos "amigos", criando uma rede paralela de contatos que, por sua vez, lhes permitia fugir da dura realidade cotidiana. E, antes que os smartphones chegassem ao mercado de consumo, os computadores tornaram-se por cerca de dez anos um meio de entretenimento caseiro em que muitos desejavam a chegada da sexta-feira para se divertirem diante de uma máquina fria.

Nesta década que já vai findando, em que a internet invadiu de vez as nossas vidas, fato é que o smartphone nem sempre traz alegrias para alguns que anseiam por uns minutos de sossego. Por meio do WhatsApp, patrões e clientes perturbam desregradamente o descanso dos trabalhadores que precisam ficar o tempo todo conectados. Só que, ainda assim, a maioria continua mantendo o seu lazer no meio virtual, mesmo se for comprando outro número para bater papo com os amigos, se é que de fato existe amizade profunda nesses relacionamentos.

Hoje em dia, quando olho para as crianças/adolescentes nascidos depois de 2000, dos quais creio que a maior parte poderá viver pelo menos até os anos 80 e muitos chegarão bem velhinhos ao século XXII, lamento por não saber como lhes transmitir ao menos o legado de experiências que estou produzindo e que recebi diretamente das gerações que me antecederam. Aliás, hoje com meus 41 para 42 anos, recordo que cheguei a conhecer gente cujo natal se deu ainda no século XIX, tendo ouvido de meu saudoso avô paterno, Sylvio Ancora da Luz (1917 — 2005), histórias do tempo de Getúlio Vargas, da 2ª Guerra Mundial, das revoluções que o Brasil passou, de sua incomparável infância numa bucólica fazenda em Formoso (localidade rural entre as cidades paulistas de Bananal e de São José do Barreiro) pertencente à sua avó, de sua vida dura por 35 anos e meio no Exército brasileiro, quando ainda se andava a cavalo na fronteira gaúcha com a Argentina, além das memórias sobre o pai dele que não conheci e do seu bisavô que ele também não chegou a conhecer.

Se na Idade Média, tida como uma época de "trevas", poucas pessoas tinham acesso à leitura devido à predominância do analfabetismo, eis que as novas gerações poderão ser privadas também dos benefícios da convivência humana. Aceleradamente está se criando um mundo cada vez mais distante e separado daquele que conhecemos no século XX. E, quando já não restar ninguém lúcido e sábio dentre os que nasceram até vinte anos antes do surgimento do domínio da emburrecedora TV colorida, quem poderá passar adiante algum legado filosófico e cultural senão uma minoria que ainda estuda História?!

Entretanto, como também comentei lá no Ensaios & Prosas, a análise de Jung me trouxe uma pontinha de esperança. Pois, segundo o meu amigo blogueiro concluiu em seu brilhante post, "somos incapazes de cancelar o conteúdo primitivo de nossa psique". E, deste modo, mesmo que a humanidade venha a se "perder" por um tempo na sua alienação, é possível que um lapso de consciência num futuro indeterminado venha a questionar os valores vigentes e, de alguma maneira, tentar mudar essa nova realidade de ignorância que está se formando no mundo.

Se essa oportunidade haverá, não sei. Eu, todavia, talvez por instinto de sobrevivência psíquica, prefiro nunca sepultar as esperanças de um futuro melhor, mesmo que seja no dia depois de amanhã. E, se acredito estar transmitindo algo de útil é porque ainda considero possível passar adiante boas ideias, desejando compor um grupo de remanescentes lúcidos até meados deste século, conforme a expectativa de vida estimada para a minha geração a qual, na atualidade, comanda o planeta.

Bom descanso a todos!

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