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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Apesar do Carnaval, somos ainda um povo muito reprimido...



Quem pouco conhece sobre a realidade brasileira do cotidiano e/ou acerca da sexualidade humana, poderá chegar a equivocadas conclusões de que somos um povo liberado pelo simples fato de uma parcela da população brincar no Carnaval a ponto de sambarem quase nuas. Daí tanto os estrangeiros como os próprios brasileiros podem construir essa falsa impressão. Uns por não saberem como de fato é o Brasil e outros por acharem que liberdade sexual se explique pelo comportamento permissivo que muitos têm no Carnaval.

Mas se você acha que "não existe pecado do lado de baixo do equador", como diz a música feita em 1973 por Chico Buarque e Ruy Guerra, enganou-se. Aliás, diga-se de passagem que a principal frase do frevo, que vez ou outra ainda se ouve no Carnaval dos nossos dias, não foi uma invenção original dos compositores. Pois cuida-se de um antigo ditado europeu surgido ainda na primeira metade do século XVII, como bem explica Natália Pesciotta numa postagem feita no site Atrás da música:

"Chico encontrou o antigo ditado europeu no livro do seu pai, Raízes do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda observa, na obra, que a máxima corria pela Europa e foi registrada pelo cronista Barlaeus em 1641. O holandês explicava: “É como se a linha que divide o mundo em dois hemisférios também separasse a virtude do vício”. Claro. Ocupado por desbravadores com espírito de aventura, este trópico era visto no Velho Mundo como verdadeiro antro de perdição. Já para os estrangeiros exploradores, estas terras sem instituições sociais nem religiosas eram o paraíso da utopia e liberdade, onde nada era proibido." - extraído de http://atrasdamusica.tumblr.com/post/93062884100/não-existe-pecado-do-lado-de-baixo-do-equador

Pode ser que, nos velhos tempos da colonização das Américas, a liberdade sexual ainda fosse maior no lado de cá da linha do Equador. Até porque o nosso índio e o negro cativo, este trazido para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar, ainda não tinham assimilado os valores distorcidos de uma cultura adoecida. E a Europa daqueles tempos, profundamente religiosa, nada tinha a ver com o brilhante continente no qual ela foi se tornando a partir do pós-guerra, onde hoje a ética decorre da racionalidade, não mais da moral eclesiástica.

Fato indiscutível é que a moral dominante por aqui (e em outros países latino-americanos também) encontra-se bem distante do racional. Para muitos, o desejo sexual está relacionado ao "pecado" ou à "safadeza", não como uma expressão natural e positiva do próprio ser humano. É como a psicóloga Regina Navarro Lins acertadamente expôs em seu blogue no UOL ao comentar sobre a empobrecida educação sexual das crianças dentro de casa capaz de causar uma distorção nos valores:

"O sexo é ainda tão reprimido, tão cheio de tabus e preconceitos, que ninguém tem muita clareza do que realmente gosta ou deseja. Desde cedo, as crianças aprendem a associar sexo a algo sujo, perigoso. E dentro das famílias essa ideia ainda ganha um reforço. Por conta de todos os preconceitos, se vive como se não existisse sexo, e ninguém fala com tranquilidade sobre o assunto. Sem ser percebida, a repressão sexual vai se instalando e condiciona o surgimento de valores e regras para controlar o exercício da sexualidade. Tudo isso passa a ser visto como natural, fazendo parte da vida (...) Não é de admirar, portanto, que tanta gente renuncie à sexualidade ou que a atividade sexual que se exerce na nossa cultura seja de tão baixa qualidade. Na maioria das vezes ela é praticada como uma ação mecânica, rotineira, desprovida de emoção, com o único objetivo de atingir o orgasmo o mais rápido possível." - in https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2013/11/23/consequencias-do-sexo-reprimido/

Dentro desse contexto, não é muito difícil compreender o que realmente ocorre nessa época onde o ser humano, que é ambíguo por natureza, pode experimentar algo diferente do que habitualmente faz nos demais dias. Para algumas mulheres, por exemplo, o Carnaval torna-se um momento único, aguardado ansiosamente durante 360 dias do ano, tornando-se uma chance de viajar, fantasiar-se, sentir-se livre, conhecer novas pessoas, beijar na boca… e transar.


Não é por menos que, como escrevi na postagem do último sábado (10/02) em meu blogue (clique AQUI para ler), os governos precisam investir de maneira ampla e sem preconceitos na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, tendo em vista a incidência maior do sexo casual por esses dias de festa. Daí não há como um gestor público, seja qual for seu pensamento quanto à sexualidade, negar o fato social porque as coisas não vão mudar de uma hora para a outra como gostaríamos que fosse.

Todavia, há que se investir na educação sexual dos futuros jovens a fim e que os mesmos não criem tantas expectativas nos curtos dias de folia. Pois as pessoas que se relacionam causalmente nesta data, em regra, não tendem a estabelecer algo proveitoso para as suas vidas de modo que poderiam lidar melhor com o Carnaval caso, durante todo o resto do ano, soubessem ter vivências prazerosas que as equilibrassem melhor em relação ao sexo.

Que nesses dias de festa, possamos encontrar um significado proveitoso no Carnaval, no sentido de agirmos com mais moderação em todas as atitudes (inclusive no consumo do álcool) e extraindo o melhor da cultura sambista. Algo que, aliás, está se perdendo ano após ano diante dos horrorosos funks proibidões e de outros gostos musicais de má qualidade. Mas aí já será assunto para um novo texto...

Feliz Carnaval!

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