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sexta-feira, 24 de junho de 2016

O sexo como entretenimento do casal na Bíblia e na religião




Certa vez, quando ainda morava na cidade serrana de Nova Friburgo (RJ), um religioso conservador veio me falar que considerava errado o uso e a comercialização de determinados tipos de peças íntimas voltadas para a diversão sexual dos casais. Repliquei-lhe dizendo que não havia nada de pecado o homem e sua esposa terem uma vida conjugal picante, realizada com criatividade e exclusividade. Ele então reconsiderou suas posições, concordando que a prática de tais fantasias amorosas funcionaria como uma prevenção para as traições conjugais uma vez que, neste caso, o marido não precisaria procurar "fora de casa" a satisfação que encontraria em seu leito conjugal.

Nova Friburgo, como se sabe, é tida como uma das capitais da moda íntima do país. Lá se vende tanto as peças mais convencionais como aquelas que são usadas para brincadeiras amorosas. Ao andar pelo município, o turista se depara facilmente com cartazes de lindas modelos com seus belos corpos fazendo publicidade das fábricas de lingerie, algo que ajuda a aquecer as camas e a economia da cidade. Porém, embora as confecções de calcinha fossem o ganha pão de muitas famílias friburguenses, eu ouvia os religiosos reclamarem constantemente, tentando ver pecado onde não existe, como se uma roupinha sexy de enfermeira, de policial, de juíza, ou mesmo de sádica, fossem artigos "demoníacos" e "destinados à prostituição".

Penso que, se a maioria dos crentes estudasse profundamente as Escrituras Sagradas, essas pessoas de mente conservadora saberiam que a repressão sexual no casamento não tem o mínimo respaldo bíblico. E o fato do livro de Gênesis dizer "crescei e multiplicai-vos", isto jamais significou que o sexo deva ser praticado apenas com a finalidade reprodutiva. Pois, se fizermos uma análise da própria Bíblia, encontraremos uma interessante passagem em que Abimeleque, rei dos filisteus, viu através de uma janela Isaque acariciando (ou brincando) com Rebeca, sua mulher, segundo se lê em Gênesis, capítulo 26, verso 8:

"Isaque estava em Gerar já fazia muito tempo. Certo dia, Abimeleque, rei dos filisteus, estava olhando do alto de uma janela quando viu Isaque acariciando Rebeca, sua mulher." (NVI)
"E aconteceu que, como ele esteve ali muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhou por uma janela, e viu, e eis que Isaque estava brincando com Rebeca sua mulher." (ACR)

Acontece que o verbo hebraico correspondente à palavra "acariciava", escolhida pelos tradutores, também significa brincar e vem da mesma raiz do nome de Isaque (riso), dando a entender que o patriarca hebreu e a sua esposa estavam fazendo uma brincadeira de conteúdo sexual, sem fins reprodutivos, sendo este um detalhe pouco aprofundado nos estudos bíblicos das igrejas. Aliás, para uma boa parte do público religioso, mesmo hoje em dia, ter um relacionamento picante dentro do casamento ainda é um tabu como se certa orientação do livro de Provérbios nem existisse:

"Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade. Como cerva amorosa, e gazela graciosa, os seus seios te saciem todo o tempo; e pelo seu amor sejas atraído perpetuamente." (Provérbios 5.18-19; ACR)

Para os judeus sempre prevaleceu o ideal matrimonial em que a geração de filhos é vista como uma benção divina, o que também era comum nas diversas religiões da Antiguidade. E, quanto aos muçulmanos, eles têm pensamento idêntico. Uma exceção no judaísmo talvez possam ter sido os monges essênios contemporâneos de Jesus e que viviam em comunidades isoladas dentro de um padrão de vida ascética celibatária. Porém, o que acabou prevalecendo dentro do judaísmo foi a visão dos mestres perushim (fariseus), os quais deram origem ao rabinato.

Não tenho dúvidas de que o cristianismo tomou o seu rumo repressor, com maior honra ao solteirismo do que ao casamento, por causa da influência grega dos primeiros padres (os "Pais da Igreja"). Inclusive porque a origem do celibato não é católica e muito menos judaica, mas, sim, pagã. Diferentemente dos povos do Médio Oriente, os gregos antigos foram monógamos sendo provável que o celibato fosse praticado entre eles, o que aconteceu também em Roma com as vestais, as sacerdotisas virgens que deviam manter o fogo "sagrado" sempre aceso. E, como se sabe através da História, o real motivo da proibição do matrimônio ao clero foi justamente uma questão de poder a fim de preservar a unidade dos bens da Igreja, de modo que a castidade tornou-se um alto padrão de comportamento moral para o cristianismo.

Entendo que é preciso promover uma desconstrução de todos esses valores repressores e contrários à natureza trazidos pelo catolicismo e dos quais os evangélicos ainda não se libertaram. A face humana do prazer deve ser motivo de celebração e não de culpa, de modo que as carícias trocadas entre o homem e a mulher, as técnicas destinadas a promover a excitação sexual, o uso de vestes sensuais, os contraceptivos, o cunnilingus e a obtenção do orgasmo clitoriano não podem jamais ser considerados pecado.

Um ótimo final de semana a todos e aproveitem bastante para namorar!


OBS: Este artigo é uma versão atualizada e revista da publicação feita em 21/09/2011, aqui neste blogue, a qual também estou postando hoje na Confraria Teológica Logos e Mythos. Quanto à gravura acima trata-se da pintura Fazendo Amor do húngaro Mihály Zichy (1827-1906).

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