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terça-feira, 1 de março de 2016

Conversas de casal




João e Maria formavam um casal quase maduro. Ainda não tinham completado a emblemática bodas de prata (faltariam ainda pouco mais de cinco ano para a comemoração), porém tinham já duas filhas que, por razões de estudo na faculdade, foram naquele ano morar em outra cidade da região. Mesmo assim, não padeciam da Síndrome do ninho vazio uma vez que eram pessoas muito ativas nas coisas que realizavam, jamais deixavam de elaborar planos para o futuro, viajavam, participavam de reuniões comunitárias e nunca paravam de namorar. 

Só que o casal tinha um problema que era o constante assédio do marido sobre a esposa. A todo momento, João pressionava Maria para que tivessem relações sexuais. Assim fazia desde as primeiras horas da manhã até à noite. Quando despertava de madrugada, dependendo da necessidade, era capaz de interromper seu sono, levando logo uma patada da mulher. Quer fosse um sábado, um domingo ou um dia comum da semana, ele insistia.

Marido: Bom dia, amor.

Esposa: Bom dia, meu marido. Dormiu bem?

Marido: Vamos transar?!

Esposa: Agora? Mal acordei...

Marido: Eu quero! Estou com  tesão.

Esposa: Mas nós já fizemos amor ontem de noite. Não está satisfeito?

Marido:Você sabe o quanto gosto da coisa, Maria. Se pudesse, ficaria o dia inteiro aí dentro.

Esposa: E me assar toda? Acho que estou com dor de cabeça...

Num tom de brincadeira, embora ao mesmo tempo ameaçador, João prosseguiu fazendo uso de uma metonímia sempre aplicada por ele no seu íntimo convívio conjugal para referir-se às mulheres, tomando a parte pelo todo:

Marido: Gosto tanto de perereca que, se pudesse, teria uma coleção. Mudaria hoje mesmo pro Marrocos, converteria-me ao Islã e lá teria loiras, morenas, ruivas, índias, japonesas, francesas, americanas, árabes, israelenses e até marcianas.

Esposa: Bem que minha irmã falou que você só se casou comigo por causa de sexo.

Marido: Claro que não, minha princesa. É que estou com vontade.

Esposa: De noite nós faremos, meu amor. Agora não.

Marido: Mas eu tô excitado! Olha só pra ele! Você sabe como que eu acordo...

Esposa: Ele vai ter que esperar.

Marido: Quero gozar! Tira a roupa!

Esposa: Ora, se masturbe!

Marido: Eu quero é perereca! Se não me der, vou ligar pra amante. O Face está cheio de mulher e você sabe disso.

Esposa: Vou é telefonar para as nossas filhas e saber como elas estão. Por favor, coloca a água do café no fogo? E me passa o seu aparelho primeiro porque o meu está sem crédito.

Pegando o celular, João mostrou uma imagem bem ousada para a esposa.

Marido: Olha só a foto pelada que tirei de você ontem no banho.

Esposa: Apaga isso, João. Alguém pode ver.

Marido: Tira a roupa! Vamos logo fazer sexo!

Esposa: Já disse que não! Respeita a minha vontade.

Sabendo que umas das fantasias eróticas da mulher era se fingir de prostituta, João tenta instigar o interesse dela:

Marido: Quanto você quer? Tenho aqui quatro notas de cinquenta. Duzentinhos, vai?

Esposa: Não quero nada. Me deixe em paz.

Marido: Olha que posto essa foto de você nua na internet!

Esposa: Você não vai fazer isso!

Marido: Claro que não. Afinal, você é minha propriedade particular, exclusiva, e que outro homem não pode pegar. Nem mesmo olhar!

Mudando um pouco o humor, Maria começa a entrar na brincadeira.

Esposa: Nem o meu ginecologista?

Marido: Daqui para frente, não. Terá que procurar uma médica.

Esposa: Meu bem, o único ginecologista mulher que atende pelo nosso plano é a doutora Luciana e você sabe que ela é sapatão. Não vai ficar com ciúmes dela também, né?

Marido: Aí não tem problema. Se ela quiser participar da nossa festinha será bem vinda.

Esposa: Safado! Mas não vou nessa mulher de jeito nenhum. Além de ser feia, a nossa vizinha Fernanda disse que ela é muito grossa. E também não vou deixar de ir no doutor Ricardo que sempre me atendeu bem.

Marido: Só que ele demora um tempão para chamar as pacientes por causa dos encaixes. Você marca para às três da tarde e só sai de lá às oito chegando em casa às nove. Parece até que é no SUS...

Esposa: Então você vai começar a pagar consultas particulares pra mim? Custa trezentos e oitenta reais na doutora Carla! E como fica a mesada das nossas filhas?

Marido: Amor, estou só brincando com você. Pode continuar indo no doutor Ricardo.

Esposa: Epa! Lembrei de avisá-lo de que sexta será aquela minha colposcopia com biópsia. Teremos que suspender as nossas relações sexuais por um período a partir de amanhã.

Marido: Remarca!

Esposa: De jeito nenhum! Era para eu ter feito esse exame desde o ano passado. Preciso cuidar da minha saúde.

Marido: Claro! Eu estava apenas brincando... E então? Vamos trepar agora?

Esposa: Só de noite como prometi porque logo mais vai querer novamente e hoje não vai ter segundo tempo.

Marido: Enquanto estiver fazendo o preparo do exame, deixa eu transar com outra? Posso?

Esposa: Pode, mas vai levar chifre cruzado depois.

Marido: Você me trocaria por outro cara?!

Esposa: Não disse que iria te deixar. Porém, se for me trair, por que eu também não poderia pular a cerca?

Marido: E você me chifraria com quem? Com o doutor Ricardo?

Esposa: Nunca! Ele é muito baixinho, feio e barrigudo.

Marido: Com o Leonardo DiCaprio que ganhou o Oscar esses dias?

Esposa: Não faz o meu tipo.

Marido: Com o rapaz que cuida do nosso jardim?

Esposa: Muito novinho e quase namorou a nossa filha Bianca.

Marido: O quê?! Não sabia disso? Chegaram a fazer alguma coisa? Ele abusou dela?

Esposa: Que eu saiba, não, embora ela bem quisesse e reclamasse da sua falta de iniciativa. Talvez nem tenham se beijado.

Marido: Acho que eu mesmo vou começar a cortar a grama dessa casa e dispensar o rapaz.

Esposa: Não faz isso. Mas agora me diz com quem você me trairia? Com a Alinne Moraes ou prefere a Paola Oliveira?

Marido: Com nenhuma delas! Você é a mulher da minha vida, minha deusa! Eu te amo! Sem sua companhia, nada mais faria sentido...

A essa altura, o humor de Maria já estava bem elevado. Ambos sentaram-se à mesa, João ligou a TV para assistir o Bom Dia Brasil e o casal foi tomar café. Assim que terminou de comer os dois pães de sal torrados com manteiga no forno, o marido conectou o seu notebook à internet passando a responder suas mensagens no e-mail com a cabeça totalmente focada no trabalho enquanto o telejornal transmitia as novas prisões da operação Lava Jato da Polícia Federal. Tão logo o assunto mudou para o futebol, o diálogo entre o casal foi retomado pela mulher que, surpreendentemente, encontrava-se mais animada:

Esposa: Amor...

Marido: O que é, Maria? Preciso terminar isso aqui e quero saber como ficou o placar da partida de ontem do campeonato que não assisti.

Esposa: Quero que venha até aqui!

Marido: Espera um pouquinho, querida. Estou mandando um orçamento pro cliente. É importante?

Esposa: Não. Eu iria pedir pra você ajudar a soltar meu soutien, mas a gente pode ver isso de noite, se assim preferir e eu estiver disposta. Só não sei se hoje vou ter hora extra na empresa.

Marido: Depois nós resolvemos, amor. Agora fica difícil sair daqui pra fazer outra coisa.

Concentrado, João nem percebeu qual era a intenção da esposa. Permaneceu em frente ao computador e à TV, enquanto Maria foi tomar um longo banho antes de sair para trabalhar. Ela gostava do marido, mesmo sendo ele um sujeito compulsivo, machista e com vários distúrbios de personalidade que careciam ser tratados por um psicólogo. Ainda assim, continuavam juntos e poucos entendiam como era o amor deles. 




2 comentários:

  1. Legal, Rodrigo, bem típico. Tem gente que é assim mesmo...

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    1. Obrigado pela leitura e comentários, Marcos. Se bem refletirmos, a vida privada das pessoas é uma comédia. Às vezes tragicamente engraçada. Só Freud para dar explicações.

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