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quinta-feira, 10 de março de 2016

As causas dos empregados públicos deveriam ser todas na Justiça do Trabalho!




Muitos são os magistrados que entendem não ser a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar processos relativos a pedidos decorrentes de contratos de trabalho temporário a fim de, excepcionalmente, suprirem necessidade de interesse público. A fundamentação adotada é que tais relações seriam de natureza jurídico-administrativa, sendo que idêntico raciocínio costuma ser também aplicado aos cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração.

Tal conflito, embora tenha sido julgado no mesmo sentido pelo STF, ainda não se encontra definitivamente pacificado na Justiça brasileira. Ou seja, o que os nossos excelentíssimos ministros do Supremo decidiram não gera ainda nenhuma vinculação de modo que o empregado público, ao procurar os seus direitos perante a Justiça comum, pode se surpreender com a recusa de algum juiz de Direito em julgar a sua causa, extinguindo o processo ou declinando a competência para a Justiça especializada.

Sinceramente, considero uma tremenda covardia termos uma relevante questão como essa até hoje em aberto. Pois, na prática, o trabalhador acaba perdendo tempo com a morosidade do processo ou se sente desestimulado a cobrar os seus resíduos salariais que muitas das vezes não é pago vindo a ocorrer a prescrição quanto a estes.

No caso dos contratados, temos aí os maiores injustiçados nessa relação trabalhista com o Poder Público. Os prefeitos que, por razões de formação de cabresto eleitoral e/ou de negativa de direitos estatutariamente previstos, não querem abrir concurso. Então, usam e abusam da mão-de-obra contratada sendo que, quando essas pessoas são colocadas na rua, acabam tendo dificuldades de encontrar a proteção da Justiça.

Entretanto, fico a pensar sobre qual foi a vontade do constituinte derivado quando o nosso Congresso aprovou a  EC nº 45, de 30 de dezembro de 2004, dando nova redação ao artigo 114 da Carta Magna?! Pois houve uma significativa ampliação da esfera de competência dos órgãos judiciários trabalhistas. Senão vejamos o que diz a Lei Maior na sua atual versão, sendo meu o destaque:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...)

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...)

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)"

Ora, dispunha anteriormente a CRFB/88 que competia à Justiça do Trabalho a conciliação e o julgamento dos 

"dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas."

Vale lembrar que, antes, o dano moral nas relações trabalhistas era uma matéria bem discutível e havia magistrados que entendiam que a competência para julgar tais ações seria da Justiça comum. Só que isto veio a ser pacificado e, ao que parece, o rol exemplificativo trazido pela Emenda, há quase doze anos atrás, deixou claro no inciso IX ser pretensão do legislador constitucional submeter à Justiça especializada a apreciação de todas as demandas trabalhistas. Inclusive aquelas em que o regime jurídico aplicável à contratação de pessoal não seja o da CLT. Ou seja, com a EC n. 45/2004, criou-se a ideia no mundo jurídico de que a competência dos órgãos jurisdicionais trabalhistas de fato passaria a abranger o julgamento de todos os litígios ligados às relações de trabalho (de maneira bem genérica), independentemente de existir ou não autorização legal.

Só que a tese de que as relações trabalhistas entre o Poder Público e seus agentes passariam a ser igualmente abrangidas pela expansão da competência da Justiça do Trabalho acabou sendo rejeitada pelo STF. Logo em 2005, ao apreciar um requerimento acautelatório na ADI 3395/DF, o então ministro Nelson Jobim concedeu uma liminar (clique AQUI para ler) a fim de evitar que a Justiça do Trabalho julgasse as causas relativas aos servidores estatutários. Para S. Exa., o conceito de relação trabalhista seria algo restrito como houvesse algo de fato diferente na relação jurídico-estatutária, o que ficou mantido quando houve nova apreciação sob a relatoria do Dr. Cézar Peluso.

Em decisões proferidas nesta década, o STF também continuou desfavorável a esse alargamento competencial introduzido pelo constituinte como podemos ler na seguinte emenda cujo relator foi o ministro Dias Toffoli:

"EMENTA Agravo regimental - Reclamação - Administrativo e Processual Civil - Dissidio entre servidor e poder publico - ADI nº 3.395/DF-MC - Incompetência da Justiça do Trabalho. 1. Compete a Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficacia das relações entre servidores e o poder publico, fundadas em vinculo jurídico-administrativo. É irrelevante a argumentação de que o contrato e temporário ou precário, ainda que extrapolado seu prazo inicial, bem assim se o liame decorre de ocupação de cargo comissionado ou função gratificada. 2. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requerer verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito a própria natureza da relação jurídico-administrativa, visto que desvirtuada ou submetida a vícios de origem, como fraude, simulação ou ausência de concurso publico. Nesse ultimo caso, ultrapassa o limite da competência do STF a investigação sobre o conteúdo dessa causa de pedir especifica. 3. O perfil constitucional da reclamação (art. 102, inciso I, alínea "l", CF/1988) e o que confere a ela a função de preservar a competência e garantir a autoridade das decisões deste Tribunal. Em torno desses dois conceitos, a jurisprudência da Corte estabeleceu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 4. A reclamação constitucional não e a via processual adequada para discutir a validade de clausula de eleição de foro em contrato temporário de excepcional interesse publico, a qual deve ser decidida nas instancias ordinárias. 4. Agravo regimental não provido". (Rcl 4626 AgR / ES - ESPIRITO SANTO - AG. REG. NA RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI Julgamento: 24/02/2011 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJe-104 DIVULG. 31-05-2011 PUBLIC. 01-06- 2011).

Lamentavelmente o entendimento que se firmou na referida ADI tem norteado muitas das decisões para esvaziarem a competência da Justiça do Trabalho quanto à apreciação das causas dos servidores vinculados ao Poder Público por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. E para piorar, o ministro Teori Zavascki, relator das reclamações constitucionais 16100/AM e 15759/PI, julgou-as procedentes. Em seu posicionamento, as contratações temporárias para suprir serviços públicos devem se situar no âmbito da relação jurídico-administrativa. Deste modo, acompanhando o precedente provisoriamente assentado na ADI 3395, ficou estabelecido que a competência para julgar as duas ações trabalhistas não seria da Justiça do Trabalho, mas, sim, da Justiça comum, mesmo que, no pedido formulado, os trabalhadores tenham requerido verbas constantes do regime celetista.

Bem, se o STF tem resolvido enfraquecer o inciso I do art. 114 da Carta Magna (sabe-se lá se não há critérios políticos para tais decisões), então que criem logo uma súmula vinculante para que o empregado público não continue sofrendo uma insegurança jurídica ao procurar seus direitos trabalhistas nos órgãos da Justiça comum. Porém, se for este o caminho, penso que a luta dos trabalhadores, em alguns aspectos, se enfraquece e os servidores acabam se sujeitando a tribunais estaduais ou federais que muitas das vezes seguem uma linha talvez mais fazendária e/ou patronal.

Sobre o andamento da ADI, eis que o processo encontra-se concluso ao atual relator, o ministro Teori, desde 24/06/2013. Pelos posicionamentos dados pelo respeitável magistrado, parece que o STF tende a decidir pelo enfraquecimento competencial da Justiça do Trabalho no que se refere à aplicação do dispositivo em questão. Porém, como aprendi na minha época de faculdade, jamais o advogado deve pensar que exista uma causa "ganha" ou "perdida". Há sempre que se lutar pelo Direito que acreditamos.


OBS: A imagem acima refere-se ao prédio do Tribunal Superior do Trabalho (TST), órgão máximo da Justiça do Trabalho.

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