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domingo, 30 de agosto de 2015

É preciso respeitar e acolher o viciado!



"O Espírito do Soberano Senhor está sobre mim porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros" (Isaías 61:1; NVI) 

Está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário (RE) n.º 635.659 referente a uma ação na qual se discute o direito de porte de drogas no país. O caso diz respeito a um ex-presidiário que cumpria pena em Diadema (SP) e foi solto em janeiro deste ano. A polícia havia encontrado 3 gramas de maconha na sua cela e o detento veio a ser condenado como usuário de drogas à prestação de serviços à comunidade. Entretanto, a defesa não se conformou, tendo a Defensoria Pública de São Paulo recorrido com a alegação de que ninguém pode ser punido por ser usuário, argumentando que as coisas praticadas na vida privada não afetam terceiros. 

Como se trata de algo que teve reconhecida a sua repercussão geral, a ação conseguiu subir até o STF e caiu no colo no ministro Gilmar Mendes. Em seu voto do dia 20/08, o relator opinou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), a qual define como crime o porte de drogas para uso pessoal, fixando penas ao infrator, embora não restritivas da liberdade de locomoção:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

Segundo o entendimento adotado pelo ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. Destacou também que se trata de uma punição desproporcional do usuário, ineficaz no combate às drogas, além de infligir o direito constitucional à personalidade. No seu posicionamento, os efeitos não penais das disposições do artigo 28 devem continuar em vigor como medida de transição, enquanto não se estabelecem novas regras para a prevenção e combate ao uso de drogas. Assim, votou o ministro pelo provimento ao recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e absolveu o réu por atipicidade da conduta:

"Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional"

Além disso, o voto propôs que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja acionado para diligenciar, em articulação com Tribunais de Justiça, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde e Conselho Nacional do Ministério Público os encaminhamentos necessários à aplicação dos dispositivos do artigo 28 em procedimento cível. Também cabe ao CNJ, segundo o relator, articular estratégias preventivas e de recuperação de usuários com os serviços de prevenção. E deverá o Conselho, em seis meses, regulamentar a apresentação imediata do preso em flagrante por tráfico ao juiz, e apresentar relatórios semestrais com providências tomadas e resultados obtidos.

Concordo em diversos aspectos com a decisão do ministro Gilmar Mendes. Tanto o Estado quanto a sociedade precisam aprender a respeitar melhor as pessoas que sejam dependentes de drogas. Para tanto, há que se buscar a adoção de medidas mais eficazes a fim de evitarmos que usuários continuem presos indevidamente por tráfico sem provas suficientes, cabendo ao juiz (e não à Polícia) a função de analisar as circunstâncias do ato, avaliando a configuração da hipótese de uso ou de tráfico.

Verdade que o usuário de drogas é um doente que precisa de acolhimento da nossa sociedade, a qual também encontra-se enferma e tem produzido um ambiente propício ao vício. Tratar o dependente químico como bandido, bem como colocá-lo numa situação difícil em que pode ser facilmente enquadrado como traficante (em geral são os pobres que costumam ser condenados por tráfico), em nada ajuda a sua recuperação. Pelo contrário, acabamos criando uma situação perversa capaz de excluir ainda mais ainda as pessoas que fazem uso de substâncias ilícitas a ponto de aumentar a população carcerária do país e piorando o nosso apartheid social.

Entendo que todo ser humano deve ter o direito de tomar as suas próprias decisões, mesmo que erradas, ou do contrário o indivíduo jamais aprende a acertar. Pois para alguém chegar à visão do apóstolo Paulo, no sentido de que nem todas as coisas permitidas são convenientes (1ª Co 6:12), uma dose suficiente de liberdade de escolha precisa ser concedida. Por isso, mesmo sendo averso ao consumo de certas drogas, deve o Estado consentir quanto ao porte e uso privado das substâncias entorpecentes, ou, do contrário, a Polícia estará invadindo a esfera da intimidade do cidadão.

Como cristão, considero que o papel da Igreja é acolher colocando em prática a citação bíblica do Livro de Isaías feita no começo deste artigo. Pois foi o que fez Jesus quando, em seu ministério de três anos e meio pela Terra de Israel, foi em busca das ovelhas perdidas, jamais rejeitando as pessoas excluídas da sociedade. Além de ter pregado nas congregações religiosas (as sinagogas judaicas da Galileia), o Mestre também abraçou publicanos e prostitutas, tendo tocado amorosamente em "impuros" leprosos para os curar. Sua mensagem era de perdão e conciliação, nunca de condenação.

Assim sendo, desejo não somente que o nosso STF dê uma interpretação inclusiva à legislação sobre drogas, conforme o basilar princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (o qual corresponde ao amor de Cristo nos dias atuais), como também que adotemos uma política mais inclusiva no nosso país em relação ao viciados. Apenas descriminalizar a maconha e outras substâncias entorpecentes, por si só, não será suficiente para resolver o problema, da mesma maneira como a melhor distinção entre usuários e traficantes também carecerá de uma complementação. Aí, reconhecendo as limitações das instituições estatais, inclusive dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), considero que a sociedade precisa ser mais ativa.

Trazer alguém de volta à sobriedade não é tarefa fácil sendo necessário que o viciado dê o primeiro passo. Contudo, nós cristãos devemos estar disponíveis para orar/interceder por esses irmãos e abraçá-los com o devido respeito, por serem igualmente destinatários do amor de Cristo, sem fazermos julgamentos de ordem moral. Precisamos também apoiar os seus familiares que muitas das vezes encontram-se desestruturados emocionalmente, acumulados de ressentimentos e até mesmo sem compreenderem a Graça Divina. É nestas horas que a nossa contribuição fraternal ajudará na formação de uma corrente do bem resgatando vidas para o Reino de Deus.

Uma ótima semana e tenham todos um excelente domingo com Jesus!


OBS: Ilustração acima extraída de uma notícia da Agência Brasil conforme consta em http://www.ebc.com.br/noticias/saude/2013/08/municipio-do-rio-ganha-primeiro-centro-24-horas-para-atendimento-a

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