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quarta-feira, 13 de maio de 2015

Abolindo até o fim as consequências da escravidão




"A batalha da abolição, como perceberam alguns abolicionistas, era uma batalha nacional. Esta batalha continua hoje e é tarefa da nação. A luta dos negros, as vítimas mais diretas da escravidão, pela plenitude da cidadania, deve ser vista como parte desta luta maior. Hoje, como no século XIX, não há possibilidade de fugir para fora do sistema. Não há quilombo possível, nem mesmo cultural. A luta é de todos e é dentro do monstro." (José Murilo de Carvalho

Hoje celebramos no país mais um ano da abolição da escravatura desde que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Esta é uma data que não pode ser jamais esquecida para que possamos construir um futuro diferente daquilo que foi o nosso passado de dores.

Incrível como que o Brasil foi o último país a proibir o comércio de escravos no Atlântico! O mundo já tinha conquistado significativos avanços tecnológicos no século XIX como o navio a vapor, o telégrafo, o telefone e a fotografia, porém as nossas lavouras continuavam utilizando a mão-de-obra cativa na produção do café. A bebida que europeus e norte-americanos apreciavam em suas mesas era tingida do sangue de milhões de afrodescendentes que viviam aqui em péssimas condições de existência.

Mais do que a contribuição dada pela princesa Isabel, devemos reconhecer o papel heroico dos abolicionistas que atuaram decisivamente por décadas até que a escravidão viesse a ter um fim definitivo. Tratou-se de uma luta árdua e que nem sempre era compreendida pela sociedade, ou por seus representantes no Parlamento, muitos dos quais foram ricos fazendeiros escravocratas. E teria sido graças a homens guerreiros, como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, fundadores da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, no Rio de Janeiro, que a maneira de pensar das pessoas começou a mudar decisivamente. O jornal O Abolicionista, de Nabuco, e a Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini, serviram de inspiradores modelos a outras publicações antiescravistas que surgiram na época de modo que advogados, artistas, intelectuais, jornalistas e outros políticos engajam-se no movimento.

Apesar de formalmente libertos, muitos afrodescendentes permaneceram socialmente excluídos por quase toda a República. O racismo ainda sobreviveu à abolição e as consequências desse apartheid perdurou devido aos condicionantes econômicos que até hoje dificultam a ascensão dos cidadãos mais humildes. Faltaram políticas públicas nas áreas de educação, geração de trabalho e renda, informação, participação comunitária, direitos humanos, resgate cultural, etc. Os ricos continuaram cada vez tendo mais recursos enquanto os pobres menos no processo de crescimento econômico da nação. E aí a cor da pele coincidiu com essa realidade desigual sendo que a discriminação racial por muito tempo também coexistiu com a gritante falta de oportunidades.

Inegavelmente que a Constituição de 1988 trouxe mais dignidade para todos. Um novo Brasil passou a ser construído e, em anos mais mais recentes, tivemos aqui a política de quotas nas universidades e agora no serviço público. Dentro da própria sociedade surgiram movimentos que passaram a valorizar a negritude, incluindo a beleza do afrodescendente que até então não aparecia nas propagandas de jornais e revistas.

Penso que ainda há muita coisa para ser concretizada afim de que possamos superar definitivamente as consequências ruins dos quase quatro séculos de escravidão no Brasil. Aos poucos vamos reescrevendo a nossa história e tornando a sociedade menos desigual de maneira que o estudo da escravidão negra (e indígena) servirá de importante lição para as futuras gerações. Aplicando-se o Estatuto da Igualdade Racial, por meio de políticas públicas inclusivas capazes de ir além das ações afirmativas, temos hoje uma eficaz ferramenta para que o futuro seja diferente da realidade dos séculos anteriores. Cuida-se de algo que não deve sofrer retrocessos, precisando ser ampliado também nos estados e nos municípios, além da esfera federal, até que, finalmente, sejamos um país de todos.


OBS: A imagem acima refere-se a uma missa campal de Ação de Graças que foi celebrada no Rio de Janeiro, em 17/05/1888, a qual reuniu cerca de vinte mil pessoas para comemorar a Lei Áurea junto com a Princesa Isabel. Extraí a foto do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Abolicionismo_no_Brasil#/media/File:Missa_17_maio_1888.jpg

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