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segunda-feira, 20 de abril de 2015

Valeu, Tiradentes!




Embora ultimamente muitos historiadores tenham empreendido esforços para desmistificar a figura heroica do Tiradentes (um dos principais argumentos seria que a Conjuração Mineira não pretendia livrar o Brasil inteiro da Coroa Portuguesa, mas tão somente uma parte de Minas Gerais e o Rio de Janeiro), para mim a luta do alferes continua sendo de grande motivação para as conquistas do sofrido povo brasileiro.

Durante um século, esse personagem de nossa história não foi devidamente honrado. Até à Proclamação da República, em 15/11/1889, o Império tratou Tiradentes com obscuridade. Afinal, não seria por menos. Pois como o Brasil continuou sendo uma monarquia depois da Independência, cujos reis pertenciam à casa de Bragança, sendo D. Pedro I e D. Pedro II, respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I (contra quem os inconfidentes conspiraram), realmente não interessaria ao governo imperial exaltar a memória do herói. Até mesmo porque Tiradentes era um republicano, valendo lembrar que o artigo 87 do então Código Criminal do Império, sancionado em 16 de dezembro de 1830, também previa penas graves para aquele que conspirasse contra o imperador e contra a realeza.

Assim, foi somente na República, com os seus ideólogos positivistas. que a figura de Tiradentes começou a ser abertamente valorizada através de uma mitificação da sua biografia. Inteligentemente, procuraram identificar o alferes com Jesus de Nazaré, retratando-o de barba e camisolão, à beira do cadafalso.

O fato é que o valor da influência de Tiradentes reside não no que ele realmente fez ou tentou realizar, mas na coragem de suas convicções, na extremada força de seu idealismo. Através da chama que havia em seu interior foi que ele conseguiu manter firme os seus ideais em face dos acontecimentos de sua época, diante da onda de antagonismo levantada em torno de seus atos ou da ideologia que professava.

Na manhã de 21/04/1792, uma forca nova, alta e forte estava posta no Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro. O prisioneiro saiu do cárcere rumo ao local de seu sacrifício onde batalhões em uniforme de gala enchiam a praça com o povo apinhando-se em torno. Por ordem do vice-rei, a cidade havia se enfeitado para ver o martírio, aguardando a chegada serena do condenado. Tiradentes subiu com pés firmes as escadas do patíbulo e ainda teve que ouvir um sermão acerca de seu crime! Em seguida, o carrasco cumpriu com o seu dever e o povo dispersou-se. Executando a sentença, o corpo foi esquartejado, a cabeça exposta, a casa derrubada e salgado o solo onde se erguera a edificação do alferes em Minas Gerais.

Sem dúvida que o sangue vertido do mártir da Inconfidência Mineira fecundou o ideal pelo qual veio a sofrer. Pouco mais de trinta anos, o próprio neto da rainha D. Maria I viu-se pressionado a proclamar a independência do Brasil às margens do rio Ipiranga. Com isso podemos dizer que a magna lembrança de Tiradentes só faz aumentar a auréola de poesia que o circunda.

Um ótimo feriado para todos!




OBS: A primeira ilustração acima refere-se ao Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916), irmão mais jovem do pintor Pedro Américo (1843 — 1905), autor do segundo quadro, o qual retrata o nosso herói esquartejado.

6 comentários:

  1. Rodrigo, não que eu tenha nada contra se buscar a verdade, esse é o papel dos historiadores, e até mesmo de pessoas comuns. Mas existe um ingredientizinho ruim entorno destas questões de historias e historias oficiais.
    Percebo que esta existindo um ambiente, que infelizmente é fortalecido pela internet, onde a principal motivação, não parece ser uma busca por verdades, mas uma desconfiaça, uma esperteza às avessas, porque não vai além da desconfiaça e quando não, preenche as lacunas com equivocos em relação a tudo que se conta. Então os individuos ficam desagregados, "espertos" solitários, que duvidam de tudo com a justificativa de não serem manipulados por forças ocultas. Esse desagramento, pela desconfiança generalizada, acaba por nos tornar, enquanto povo, presa facil dos oportunistas de plantão.
    Como brasileirinhos, bem sabemos disso.
    Então, viva Tiradentes, heroi nacional, viva o povo brasileiro, viva o Brasil, viva a libertade e viva Mangaratiba!

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    1. Bom dia, Gabriel!

      Realmente o amigo colocou bem sobre o ambiente de descredibilidade nacional que atualmente toma conta do país, algo que contribui para o apodrecimento de nossas instituições.

      Até hoje não li nenhum estudo que fosse capaz de manchar decisivamente a honra do nosso herói mineiro e brasileiro. Falar que Tiradentes teria cometido erros ou vivido conforme os padrões de sua época (se teve escravos, p. ex.) de modo algum esvazia a sua luta.

      Há sempre que se distinguir um personagem mitológico de sua versão histórica. São esferas distintas ainda que o mito seja alimentado por uma narrativa que lhe deu origem. E, se o Tiradentes lembrado hoje corresponde a uma figura criada pelos republicanos positivistas do final do século XIX, ótimo. Que alimentemos então esse arquétipo para motivar nossas crianças e jovens na construção de um país melhor.

      Ótimo feriado, amigo!

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  2. sabe que às vezes eu fico pensando se não teria sido melhor se o Brasil continuasse sendo uma monarquia parlamentarista à moda inglesa? Acho que a República não nos fez muito bem. rs

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    1. Caro Edu,

      O fato é que o Brasil nunca foi uma monarquia "à moda inglesa". Se houvesse sido, há muito que o regime teria se reinventado sabendo lidar com as insatisfações das Forças Armadas após a Guerra do Paraguai e buscando apoio interno para promover antecipadamente as mudanças que necessitava, entre elas a abolição da escravatura que só veio a ocorrer um ano antes da proclamação da República.

      De 1984 pra cá, penso que temos evoluído bem em nossa experiência republicana. As coisas podem não estar como desejamos, porém a nossa democracia hoje está alcançando um grau de maturidade como nunca houve.

      Ontem foram lembrados os 30 anos da morte de Tancredo Neves (1910 — 1985), o qual acabou se tornando um segundo mito ao lado de Tiradentes. Sabemos que, como político, cometeu vários erros e acertos, mas sua figura é hoje para nós o símbolo da luta de um povo por democracia, coisa já não tão lembrada pela geração atual que parece não se recordar dos tempos de "cala boca" do regime militar.

      Voltando ao assunto monarquia, o fato é que o Império tropical não passou mesmo de uma miragem, com uma segunda capital com ares europeu na serra para a coorte de D. Pedro II fugir do calor intenso do Rio de Janeiro no verão, sendo que quase toda a população de 14 milhões de habitantes era analfabeta (de cada cem brasileiros, somente quinze sabiam ler e escrever o próprio nome), boa parte dos brasileiros encontravam-se cativos nas fazendas de café e só uma em cada seis crianças frequentava a escola. Aliás, era um país rural e no campo ocorriam as maiores injustiças. Neste contexto, o Rio era só uma vitrine após ter sido calçada com paralelepípedos (1853), recebido iluminação a gás (1854), bondes puxados a burro (1859), rede de esgoto (1862) e abastecimento domiciliar de água (1874). Lá já havia telégrafo e até telefone. Só que oito em cada dez brasileiros viviam na zona rural totalmente distantes dessas maravilhas da época...

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    2. Caro Edu,

      O fato é que o Brasil nunca foi uma monarquia "à moda inglesa". Se houvesse sido, há muito que o regime teria se reinventado sabendo lidar com as insatisfações das Forças Armadas após a Guerra do Paraguai e buscando apoio interno para promover antecipadamente as mudanças que necessitava, entre elas a abolição da escravatura que só veio a ocorrer um ano antes da proclamação da República.

      De 1984 pra cá, penso que temos evoluído bem em nossa experiência republicana. As coisas podem não estar como desejamos, porém a nossa democracia hoje está alcançando um grau de maturidade como nunca houve.

      Ontem foram lembrados os 30 anos da morte de Tancredo Neves (1910 — 1985), o qual acabou se tornando um segundo mito ao lado de Tiradentes. Sabemos que, como político, cometeu vários erros e acertos, mas sua figura é hoje para nós o símbolo da luta de um povo por democracia, coisa já não tão lembrada pela geração atual que parece não se recordar dos tempos de "cala boca" do regime militar.

      Voltando ao assunto monarquia, o fato é que o Império tropical não passou mesmo de uma miragem, com uma segunda capital com ares europeu na serra para a coorte de D. Pedro II fugir do calor intenso do Rio de Janeiro no verão, sendo que quase toda a população de 14 milhões de habitantes era analfabeta (de cada cem brasileiros, somente quinze sabiam ler e escrever o próprio nome), boa parte dos brasileiros encontravam-se cativos nas fazendas de café e só uma em cada seis crianças frequentava a escola. Aliás, era um país rural e no campo ocorriam as maiores injustiças. Neste contexto, o Rio era só uma vitrine após ter sido calçada com paralelepípedos (1853), recebido iluminação a gás (1854), bondes puxados a burro (1859), rede de esgoto (1862) e abastecimento domiciliar de água (1874). Lá já havia telégrafo e até telefone. Só que oito em cada dez brasileiros viviam na zona rural totalmente distantes dessas maravilhas da época...

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