Páginas

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Encontre-se com Cristo na manjedoura!




Como há mais de dois milênios é comemorado, chegamos às vésperas do Natal de 2014. Trata-se de uma celebração religiosa cristã mas que se encontra tão incorporada à cultura do Ocidente a ponto de descaracterizar-se em determinados momentos como sendo a lembrança com significado do nascimento de Jesus. Um erro que costuma ocorrer frequentemente quando se cria substitutos para a pessoa do grandioso Mestre como a figura lendária do Papai Noel ou as próprias festividades a ponto destas ganharem mais importância na vida social do que a pura mensagem natalina.

Entre os religiosos há severas críticas quanto a essa época do ano e muitos são os que chegam a radicalizar suas posições a ponto de perderem total coerência com a realidade. Já me deparei com pessoas confessionalmente ateias ou de outras religiões que fazem questão de dizer para as outras que ignoram o Natal. Também já ouvi da boca de alguns cristãos heterodoxos (tão fanáticos como os ultra-ortodoxos) umas afirmações absurdas tipo falarem que as celebrações natalinas representariam uma "continuação do paganismo" e uma "veneração ao deus Mitra", como se os celebrantes não dessem um significado ao momento direcionado a Jesus.

Inegavelmente as tradições natalinas foram surgindo num período posterior à instituição eclesiástica assim como a simbólica data de 25/12 teria sido uma estratégica convenção dos antigos líderes da Igreja justo para o povo substituir as devoções pagãs por uma digna honraria ao Senhor Jesus. E aí, se refletirmos bem, o 3º Evangelho não encobre o fato de que humildes pastores da Judeia receberam "com grande alegria" o anúncio dos anjos sobre o nascimento do Salvador (Lc 2:10-11). Ou seja, eles foram os primeiros a comemorarem o Natal.

Ora, pensando acerca desse episódio exclusivo de Lucas, eis que o primeiro Natal tornou-se um acontecimento ao mesmo tempo grandioso e simples. Maria, José e o menino Jesus achavam-se numa "manjedoura", isto é, num "cocho de forragem" porque "não havia lugar para eles na hospedaria" (Lc 2:7). E assim o Cristo foi achado por gente humilde num lugar também humilde.

Em parte dou razão aos críticos do Natal quando eles comentam sobre a excessiva gastança das pessoas nessa época do ano. Pois quantos que, ao invés de se encontrarem intimamente com Jesus, não acabam acumulando uma impagável fatura no cartão de crédito para o mês seguinte? E o que dizer do mal convívio familiar de quem dominado pelos rancores e pelo ódio continua incapaz de liberar perdão sobre a vida de seu parente? Pois em situações assim, acho difícil o Mestre agradar-se em comparecer em hipócritas ambientes de adversidade por mais que a comida, a bebida e os presentes não faltem ali...

Creio que tocamos aqui num ponto capaz de mexer com muita gente porque os conflitos familiares não raramente tornam-se as maiores brigas hoje existentes. É algo que me faz recordar do episódio bíblico de Caim e Abel, um evento precedido de um culto a Deus e da apresentação de ofertas por cada um dos irmãos. Um momento que deveria ser de profunda adoração acabou abrindo espaço para a ira instalar-se no coração do enraivecido primogênito a ponto deste cometer um covarde fratricídio da mesma maneira como muitos rompem seus relacionamentos num período de reuniões como o atual. Que pena!

A ninguém digo que deixe de celebrar o Natal e considero oportuno fazermos dessa ocasião algo favorável para um encontro verdadeiro com Cristo em nosso interior. Isto é, falo das atitudes de conversão, de reconciliação com o próximo (para pedir e aceitar perdão precisamos deixar de lado o orgulho), do exercício da generosidade para com os mais pobres e de adoração exclusiva a Deus. Aliás, lembro que, ao invés da opulência típica dos palácios dos nobres e das mansões reais, devemos procurar pelas manjedouras da vida nas quais estão os humildes e os excluídos da sociedade, correspondendo tal imagem a um sinal dos céus para as gerações de todos os tempos.

Assim sendo, sem mais para acrescentar, finalizo essa mensagem desejando a cada um dos meus leitores que, na manjedoura, você possa encontrar-se verdadeiramente com Cristo.

Feliz Natal!


OBS: A ilustra-se acima trata-se do quadro Adoração dos Pastores (1609) pintado pelo milanês Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610). Extraí a figura do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Nascimento_de_Jesus#mediaviewer/File:Adoration_of_the_Shepherds-Caravaggio_(1609).jpg

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

É preciso bom senso na Comissão da Verdade


Sinceramente, eu não apoio essa ideia de se rever a Lei da Anistia. Penso que o trabalho da Comissão da Verdade deva ter um caráter essencialmente histórico e, se for o caso, ajudar no reconhecimento de casos pessoas credoras de uma indenização estatal, como os desaparecidos políticos e seus familiares, sem retroagir em punições contra os torturadores. Eis aí um foco de incêndio na política brasileira, o qual precisa ser apagado e acho que boa parte do governo Dilma, incluindo a presidenta, não está nem um pouco interessada em pôr lenha na fogueira. Já a militância petista nem tanto...

Compartilho a seguir o discurso do vereador César Maia na Câmara Municipal do Rio de Janeiro onde ele, um ex-perseguido do regime militar, trata com propriedade sobre o assunto, conforme publicado no seu informativo de 11/12/2014:

DISCURSO DE CESAR MAIA, NA CÂMARA MUNICIPAL (10), SOBRE O RELATÓRIO DA COMISSÃO DA VERDADE! 

1. Hoje a Comissão da Verdade entregou o seu relatório. Todos nós esperávamos um relatório que mostrasse a memória do absurdo que aconteceu durante o regime autoritário, citando mortes, desaparecimentos, torturas, identificação dos responsáveis diretos por essas atrocidades, essas barbaridades.  Infelizmente, Senhor Presidente, não foi isso que aconteceu. Infelizmente a Comissão da Verdade ficou fora do que se esperava dela. 
   
2. Uma lista ampla de nomes como se as responsabilidades por aqueles atos fossem as mesmas. Como o Presidente Castelo Branco pode ter responsabilidade direta ou indireta por mortes ou torturas? Eu falo com a autoridade de quem foi preso ficou ao todo quase dois anos na prisão. Portanto, antes e depois do AI-5. Fui condenado duas vezes, cumpri uma pena na prisão e fui exilado. Eu falo também com autoridade de quem participou diretamente do grande Ato de Conciliação Nacional, que foi a Assembleia Constituinte de 1987/1988. 
  
3. Eu lembraria que o Presidente Geisel, na época da repressão mais dura era o Presidente da Petrobrás, e quando assumiu a Presidência conduziu pelo governo, o processo de democratização. E ministros e nomes diversos, e claro, misturados com torturadores. Não é justo.
   
4. Senhor Presidente, o pior de tudo é que o relatório da Comissão da Verdade propõe a revisão da Lei de Anistia. O que eles querem com isso? A lei de Anistia foi uma lei de pacificação nacional. Aqui no Brasil, nós não temos a situação como se tem, por exemplo, no Chile, de um forte grupo pinochetista, com referencia a um ditador.   Desde a Emenda Constitucional nº 11, patrocinada pelo Ministro Petrônio Portela, que esse processo foi de desaceleração até a pacificação política.
     
5. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal têm posição firmada a respeito. Nesse domingo o Ministro Marco Aurélio Mello reafirmou que a Lei de Anistia não pode ser revista. Então, para que propor a revisão da Lei de Anistia? O que quer a Comissão da Verdade? O que quer esse relatório? Provocação? Para quem, por que, para que? Quer transformar conflitos em posições irreconciliáveis, confrontos? Quer que a gente volte aos anos 30, 40, 50, à guerra fria, onde as posições políticas se confrontavam e se tornavam irreconciliáveis? 
     
6. Repito: o que quer esse relatório da Comissão da Verdade?  Ele vai mais longe, ele pede a extinção das Polícias Militares. O que tem a Comissão da Verdade com as Polícias Militares? É uma discussão de Segurança Pública. Mas esse não é o escopo, o fito, o objetivo, o foco da Comissão da Verdade.   Agora, esse relatório da Comissão da Verdade puxa setores democráticos, setores de centro em direção aos setores de mais a direita pelas provocações e excessos.
  
7. Como vão reagir as pessoas, as famílias, quando lerem nomes de quem nem indiretamente têm a ver com o processo de tortura.  Senhor Presidente, o relatório da Comissão da Verdade, em todos os países, vinha acompanhado de duas palavras: memória e reconciliação. Assim foi no Peru, Chile, na Argentina, na Guatemala, em El Salvador etc. Era sempre: memória e reconciliação. Quanto a esse relatório da Comissão da Verdade, ele busca o quê? Busca o estressamento das relações políticas no Brasil? Acabar com a Lei de Anistia? O que é isso? É estranho extinguir a Polícia Militar por uma proposta da Comissão da Verdade, que nada tem a ver com isso.
   
8. Ora, Senhor Presidente, esse é um fato político que terá repercussões – não tenho dúvidas. Espero que as principais lideranças civis e militares, inclusive as que serviram nos governos militares, tenham a condição e a capacidade de acalmar as reações e de levar a que eventuais injustiças não de pretexto aos radicais. Que segurem aqueles que estão permanentemente buscando pretextos para tirar o Brasil do quadro atual de pacificação política de consenso em torno da democracia.  Eu tenho absoluta certeza que essas extravagâncias, no relatório da Comissão de Verdade, não terão respaldo de nenhum partido político com representação parlamentar. De nenhum! Obrigado, Senhor Presidente.

                                                    * * *

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Quando se peca pelo excesso...


"Os planos do diligente conduzem à abundância,
mas a pressa excessiva, à pobreza"
(Pv 21:5) 

Esta semana, quando li o dito proverbial acima citado, observei o quanto tais palavras podem interessar às pessoas ansiosas que desejam resolver as suas necessidades de uma só vez (ou com muita rapidez). Confesso que sou um dos que luto contra isso nos meus conflitos diários.

Tão prejudicial quanto a preguiça ou uma vida de prazeres desregrados seria a pressa. No livro bíblico de Provérbios, há uma conhecida passagem em que o autor sagrado manda o preguiçoso inspirar-se no labor das formigas (ler Pv 6:6-11) e, com uma dose de humor, fala até sobre a perda da vontade de auto-preservação de quem se deixa aprisionar por tal comportamento destrutivo (conf. Pv 19:24). Entretanto, aquele que é dominado pela ansiedade, devido à pressa excessiva em executar as coisas (ignorando o momento oportuno de fazê-las acontecer), faz com que toda a trabalheira empreendida num projeto desça por água abaixo gerando desgaste emocional e muita frustração.

Esse ensino de sabedoria certamente encontra uma vasta aplicação em nossas vidas. Tem a ver com os planos profissionais que elaboramos, com um projeto matrimonial que inclua a escolha do futuro cônjuge, um tratamento de saúde de risco sem antes ouvir a segunda opinião de um outro médico, a realização de um negócio importante (compra de uma empresa, carro, imóvel, bois, obras de arte), empréstimos, bem como pode estar relacionado também com o ministério eclesiástico numa congregação religiosa. Isto seria quando, por exemplo, desejamos promover o bem alcançando vidas para o Senhor mas, ao mesmo tempo, não deixamos Deus trabalhar no coração do nosso irmão. Ou ainda na hipótese de liderarmos algo prematuramente sem antes haver um preparo suficiente de nossa parte assim como da equipe de obreiros coordenada.

É provável que essa pressa seja causada por uma equivocada ambição de independência do homem quanto ao seu Criador. E também porque deixamos crescer em nós alguns sentimentos como o medo do fracasso, a ganância de ganhar sempre mais ou a ansiedade de se livrar de uma situação desagradável a ponto dessas coisas controlarem as emoções influenciando os desejos. Às vezes queremos desfrutar tão rapidamente de algo a ponto de já não refletirmos mais acerca das consequências das escolhas tomadas e aí, "se a cabeça não pensa, o corpo padece", conforme diz um conhecido ditado popular da cultura brasileira.

Ao contrário do apressado, o qual "come cru", eis que os projetos do homem diligente possuem grandes chances de sucesso. Trata-se, pois, de acordar cedo porém respeitando as inegociáveis horas de sono. E, se bem pensarmos, a diligência deve considerar tanto o movimento quanto o repouso e que "tudo tem o seu tempo determinado", existindo um momento oportuno para "todo propósito debaixo do céu" (Ec 3:1).

Um abraço a todos e tenham um feliz descanso semanal!