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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

No lado selvagem da ilha




Nesta semana, dias 30 e 31 de julho, finalmente realizei meu antigo sonho de percorrer o lado da Ilha Grande votado para o mar aberto. Trata-se de um significativo trecho de praias, rios, morros e florestas ainda pouco conhecido pela maioria dos turistas que partem rumo à agitada vila do Abraão.

Posso dizer que esta foi a quarta ocasião em que estive na ilha, sendo o segundo passeio desde que vim morar em Muriqui. Em minha última visita, outubro de 2013, subi o Pico do Papagaio com seus 980 metros, conforme relatado no artigo De volta à Ilha Grande publicado aqui no blogue. Mas desta vez, conformei-me com altitudes menores e percursos mais leves, embora o trajeto de volta feito ontem tenha sido bem longo com, aproximadamente, vinte quilômetros entre a localidade da Parnaioca e o Abraão.

A ideia de voltar esta quarta-feira à Ilha Grande surgiu repentinamente em minha cabeça pela manhã de 30/07. Seria mais um dia da fatigante rotina de um advogado e micro-empreendedor individual (hoje mais vendedor de sorvetes do que causídico) que, embora não tenha patrão, possui seus diversos compromissos tanto laborais como familiares. Nem sempre é possível dispor de tempo para fazer aquilo se deseja em situações como a minha pois, se tenho uma audiência marcada, por exemplo, preciso comparecer ao Fórum antes do horário previsto ou do contrário meu cliente perde sua ação e sou responsabilizado. Também se tenho que me manifestar num processo, devo entregar a petição dentro do prazo previsto na lei sob pena de não sofrer danos na demanda, os quais podem ser fatais para o êxito da causa.

Assim, logo que a ideia do novo passeio veio na minha mente, entrei no Google e digitei as palavras "barcas para o Provetá", o qual é a segunda vila mais populosa de Ilha Grande. E foi aí que cheguei a uma página com esclarecedoras dicas contendo o título Como chegar – Provetá e Aventureiro – Horários dos barcos. Segundo a informação, a qual está corretíssima, são dois mestres que fazem a travessia marítima em dias alternados e num deles, no Miss Angra, constava um número de telefone fixo para o qual liguei. Fui então atendido pela esposa do barqueiro, sra. Maiara, a qual não só me deu algumas dicas como sugeriu que, quando chegasse ao Provetá, ficasse hospedado numa das suítes na casa de sua mãe, dona Magna, onde pagaria o acessível preço de R$ 50,00 a diária.

Deveriam ser apenas umas nove e pouco da manhã quando telefonei e como não tinha tempo a perder, tratei de arrumar logo a mochila com o que julguei ser essencial e parti para a rodovia Rio-Santos afim de tomar um ônibus rumo a Conceição de Jacareí. De lá peguei mais uma condução terrestre para Angra dos Reis, cidade de onde saem as embarcações em direção ao Provetá, Praia Vermelha, Araçatiba, Longa e outros povoados distantes do Abraão para os quais não há linhas de transporte daqui de Mangaratiba. E consegui chegar na sede do município vizinho antes das 14 horas, horário convencional de partida dos barcos.

Mas se vocês pensam que eu fui direto para o Provetá, estão enganados. Resolvi ir só até Araçatiba para fazer dali uma leve caminhada de mais ou menos uma hora até o meu local de destino naquele dia. E como desembarquei na ilha ainda antes das quatro da tarde, consegui chegar tranquilamente ao Provetá com o dia claro e lanchar numa padaria em frente à igreja do povoado afim de recarregar as energias.

Desde a primeira vez que tinha ido à Ilha Grande, em janeiro de 1999, o pessoal do Abraão comentou comigo sobre como seria o Provetá. Segundo se dizia, tratava-se de uma vila comandada por um radical pastor da Assembleia de Deus em que as pessoas não seriam nada simpáticas aos turistas e que o local dividia-se em duas áreas onde frequentavam respectivamente os crentes e a galera do "mundo": o "céu" e o "inferno". Pelas orientações da galera, melhor seria ficar hospedado no "inferno".

Quinze anos depois de ter ouvido tal informação, pude constatar que as coisas no Provetá não seriam bem daquele jeito. De fato, todo o crescimento da vila desenvolveu-se em torno da congregação da Assembleia de Deus não sendo muito diferente da maioria das cidades brasileiras interioranas em que a igreja matriz católica geralmente fica numa praça para onde converge toda a vida social do lugar. E, no Provetá, a maioria da população é de assembleianos. Os que não são membros da igreja geralmente seriam "desviados".

Talvez por causa da acentuada religiosidade do local a vida cultural não seja muito agitada no Provetá, mas, por outro lado, o turista pode desfrutar da tranquilidade do ambiente, da quase ausência de bares e da beleza natural dessa parte da ilha voltada para o mar aberto. A praia é relativamente pequena e há muitas embarcações pois os seus moradores vivem basicamente da pesca. A qualidade de vida das pessoas pareceu-me satisfatória pois não encontrei ninguém em situação de penúria material e a Prefeitura de Angra mantém atendimento médico diário no posto de saúde do lugar. Além disso, a vila possui luz elétrica, linhas telefônicas e acesso à internet sendo que meu único problema foi encontrar algum orelhão que efetuasse chamadas a cobrar para poder mandar um alô pra minha esposa que havia ficado em casa. Porém, graças à ajuda oferecida por um dos habitantes de lá, o sr. Mauro, usei o seu celular ligando para o meu aparelho que tinha deixado com Núbia.

Seguindo as orientações da Maiara, procurei pelo sr. Levi, um outro mestre que faz a linha marítima do Provetá até à praia do Aventureiro. Precisei levantar da cama ainda de madrugada para sair às seis da manhã do píer. Quando cheguei lá, o sol nem tinha nascido ainda mas já havia umas poucas pessoas aguardando pelo barqueiro, entre os quais um jovem casal de turistas (o marido alemão e a mulher brasileira).

A viagem de barco do Provetá até o Aventureiro é bonita. Durante a travessia lá é possível avistar até a Ponta do Joatinga, em Paraty, que é o final da costa fluminense fazendo já divisa com o município de Ubatuba, no estado de São Paulo. Nesse trecho, a água é bem limpa e, no dia, o mar estava calmo. Contudo, fazia frio e até começar a andar pela praia do Aventureiro não dispensei o uso do casaco e nem minha calça de moletom. Principalmente por causa da sensação térmica na viagem.

Permaneci por mais de duas horas na praia do Aventureiro antes de pegar um outro barco até à Parnaioca. O Aventureiro trata-se de um pequeno povoado de pescadores onde não creio que haja mais do que cem habitantes. Há alguns locais de camping em que a diária custa uns R$ 20,00 por cabeça. Sem ter comido nada quando saí do Provetá, tive a sorte de ser convidado para tomar o "café da manhã dos caiçaras" na residência de uma família do povoado. Ou seja, um delicioso tutu temperado com farinha. Show de bola!

Considero a praia do Aventureiro relativamente pequena. Juntamente com a praia do Dengo, ambas devem ter uma extensão de mais ou menos um quilômetro até o um perigoso costão, inicio dos limites da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (REBPS). Esta, por se tratar de uma unidade de conservação da natureza totalmente fechada para visitação turística, obriga o caminhante a concluir de barco o trajeto entre o Aventureiro e a Parnaioca.

Além do nutritivo café da manhã, dei sorte de encontrar um barqueiro que cobrou o razoável preço de 30,00 para fazer a travessia já que ele estava levando um grupo de turistas para conhecer a Parnaioca pois do contrário eu poderia acabar desembolsando uns R$ 100,00 ou mais por uma viagem exclusiva (nem sempre as coisas ficam mais baratas na baixa temporada). E foi mais um passeio lindo em que contemplei de longe as extensas praias do Sul e do Leste onde somente são permitidas as atividades de pesquisa ou de educação ambiental com expressa autorização do Instituto Estadual do Ambiente - INEA.

A Reserva da Praia do Sul é constituída por montanhas, floresta de Mata Atlântica, planícies, restingas, dezenas de córregos, duas lagoas, cinco praias, manguezais, costões rochosos, uma fauna bem diversificada, além de um rico patrimônio histórico representado por sítios arqueológicos de antigos habitantes da região, conhecidos como "fabricantes de machados da Ilha Grande" e ruínas de sítios e fazendas do Brasil Colônia. Foi criada pelo Decreto Estadual n° 4.972, de 2 de dezembro de 1981, na época do governador Chagas Freitas. Porém, com a Lei Estadual nº 6.793, publicada em maio do corrente ano, foi alterado o limite desta unidade de conservação, com a redução de 2,7% da área original, especificamente a povoação do Aventureiro, que passou a integrar a porção terrestre da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro recentemente criada. Atualmente a RBEPS possui aproximadamente 3.500 hectares.

Tendo chegado na Parnaioca, precisei de um bote para ir do barco até à praia porque ali felizmente não existe cais. Já deveria ser em torno de dez e pouco da manhã e não pude acompanhar o grupo na visita que fizeram à cachoeira que existe ali perto. Despedi-me das pessoas, calcei meu par de tênis e logo comecei a andar na extensa trilha de quase oito quilômetros que leva até à vila de Dois Rios por dentro da floresta.

Em geral, gasta-se umas três horas para realizar o percurso entre a Parnaioca e Dois Rios. Como se trata de uma trilha, é preciso ter uma dose de atenção com as pedras e raízes ao longo do trajeto. Alguns pontos encontram-se obstruídos com árvores que foram derrubadas pela ação da natureza, o que exige paciência do ecoturista, sendo certo que não há bifurcações tornando praticamente mínimo o risco de uma pessoa se perder.

Apesar das pequenas dificuldades encontradas e da pressa em chegar, foi uma travessia bem relaxante. Um mergulho no verde! Em muitos trechos dava para escutar o barulho das ondas do mar mesmo com a floresta cobrindo quase toda a visão do oceano. Também pude ouvir o som de alguns pássaros e dos macacos bugios, bem como perceber a presença de outros animais silvestres. Devido à fartura de rios, sendo todos eles limpos, fui bebendo água pelo caminho.

Por volta de uma da tarde já estava em Dois Rios onde almocei. Fazia mais de uma década que eu havia estado lá onde considero o povoado mais aconchegante de toda a Ilha Grande (pena que não há pousadas nem locais de camping ali). Almocei com simplicidade pagando R$ 30,00 por um prato feito de arroz com feijão, salada, ovo e mais dois sucos de latinha, que, numa hora de fome, acaba virando verdadeiro banquete. E como já tinha me alimentado com o tutu dos pescadores no Aventureiro, não precisei repetir.

De uns doze anos para cá, algumas coisas mudaram em Dois Rios que, no passado, foi a sede de um presídio de segurança máxima implodido pelo governador Brizola no seu segundo mandato (primeira metade da década de 1990). Aproveitando o espaço do antigo Instituto Penal Cândido Mendes, a UERJ inaugurou em 2009 o atual Museu do Cárcere, o qual funciona de terça-feira a domingo, das dez da manhã até às quatro da tarde. Só que, como eu estava com pressa, preferi deixar a visita para uma outra oportunidade em que pretendo voltar com mais tempo à Parnaioca e Dois Rios para desfrutar melhor do local.

Rapidamente concluí os doze quilômetros de caminhada de Dois Rios até à Vila do Abraão, o que suponho ter durado aproximadamente duas horas. E como já estava cansado, ansioso para chegar em casa, estar com Núbia e resolver problemas nesta sexta-feira, bem como preferia evitar o frio da noite, não fiquei esperando pela barca que parte no final do dia para Mangaratiba. Resolvi então utilizar um transporte alternativo até Conceição de Jacareí de onde tomei um ônibus que me deixou numas das entradas de Muriqui.

Apesar de ter sido tudo muito rápido, valeu a pena curtir essa aventura. Mesmo quando somos profissionais liberais e/ou pequenos empreendedores que trabalha por conta própria, é preciso aproveitar pequenas oportunidades de passeio. Ainda mais quando a nossa agenda anda com algumas imprevisibilidades próprias da atividade econômica que desenvolvemos (em locais turísticos como Muriqui o comércio funciona mais nos fins de semana). É nestas horas que devemos criar o nosso momento de lazer.


OBS: Foto acima pertencente ao acervo da Reserva Estadual Biológica da Praia do Sul conforme extraído do portal do INEA na internet em http://www.inea.rj.gov.br/Portal/Agendas/BIODIVERSIDADEEAREASPROTEGIDAS/UnidadesdeConservacao/INEA_008602

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