Páginas

domingo, 25 de maio de 2014

Oremos pelos que sofrem perseguição religiosa



"Erga a voz em favor dos que não podem defender-se; seja o defensor do direito de todos os que se acham abandonados." (Provérbios 31:8)

Muitas vezes ficamos extremamente abalados com os nossos problemas particulares achando que são as maiores aflições do mundo. Porém, quando paramos para pensar na causa das pessoas que sofrem perseguição religiosa ao redor do planeta, passamos a olhar para as nossas dificuldades de uma outra maneira.

No final da década anterior, comecei a me interessar pelo trabalho da Missão Portas Abertas, uma ONG internacional que surgiu em 1955 através do ousado trabalho do cristão holandês Anne van der Bijl com a ousada iniciativa de contrabandear bíblias para os países comunistas no auge da Guerra Fria. A partir daí, seu ministério nunca mais parou e hoje a organização fundada por esse admirável senhor octogenário se faz presente em mais de 50 países tendo como visão fortalecer a Igreja Perseguida e apoiar os cristãos locais que vivem em territórios hostis.

Há 27 anos, a Portas Abertas vem realizando o DIP – Domingo da Igreja Perseguida, evento que tem por objetivo o engajamento dos cristãos na causa dos irmãos que sofrem perseguição religiosa em outros países e que começou a ser realizado no Brasil a partir do ano seguinte, em 1988.

A data em si varia de ano a ano, pois é marcada no domingo, logo após Pentecostes. Tal critério foi adotado pela Portas Abertas porque o relato bíblico de Atos 4 marcaria o início da perseguição aos cristãos logo após a descida do Espírito Santo, com a prisão dos apóstolos Pedro e João. Mas, em 2014, devido aos eventos da Copa do Mundo, o DIP não acontecerá em sua ocasião simbólica, tendo sido transferido excepcionalmente para o dia 25 de maio (hoje).

É importante nos lembrarmos de que pessoas em lugares distantes do planeta estão sendo ameaçadas, presas, humilhadas, caluniadas, agredidas, mortas, torturadas, separadas de suas famílias, expulsas de suas casas, impedidas de se reunir publicamente, de exercer dignamente a profissão que têm e ainda sofrem hostilidades vindas da própria família. De acordo com o Pew Research Center, quase 75% da população mundial vive em áreas com graves restrições religiosas, sendo que muitos desses seres humanos são cristãos.

A maior fonte de perseguição à Igreja em 2013 foi o extremismo islâmico. Dos 50 países listados na classificação da perseguição religiosa da Portas Abertas, 36 deles apresentaram essa tendência. As dez nações mais hostis aos cristãos tratam-se daquelas que passam por sérios problemas em seu governo: Somália, Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão e Iêmen. Junto a eles, Coreia do Norte, Arábia Saudita, Maldivas e Irã completam a primeira dezena de países em que ser cristão é, praticamente, uma prova de resistência.

Pode-se afirmar que a perseguição aos cristãos está se tornando mais intensa em mais países, espalhando-se principalmente pelo continente africano. Na Nigéria, o grupo fundamentalista Boko Haram (literalmente "a educação ocidental ou não-islâmica é um pecado") tem promovido hediondos ataques a escolas femininas em que muitas meninas chegam a ser sequestradas e violentadas pelos terroristas. O caso mais comentado e que chegou a ser um dos principais assuntos da TV aconteceu no dia 15 de abril em Chibok, estado de Borno, onde mais de 200 alunas, entre 7 e 15 anos, foram capturadas e levadas pela milícia islâmica.

Questões como essas devem importar na mobilização dos brasileiros, tanto das igrejas cristãs como também de toda a sociedade e do nosso próprio governo, lamentavelmente omisso diante de tantas atrocidades ocorrendo por aí. Pois, de acordo com o Artigo 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948,

"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular". 

Que neste domingo, amigos, façamos uma pausa orando pelas pessoas que sofrem perseguição religiosa. Podemos praticar isso de maneira individual bem como coletivamente, levando o assunto para os ambientes onde nos congregamos, escolas, universidades, blogues e redes sociais da internet. Aliás, há muitas maneiras de ajudarmos colaborado com ONGs tipo a Portas Abertas, afim de que os cristãos que vivem nessas regiões conflituosas do globo terrestre recebam mantimentos, ajuda financeira, apoio jurídico e algum conforto terapêutico. Tanto espiritual como psicológico.

E aí? Que tal nos envolvermos mais com a causa das pessoas que sofrem perseguição religiosa?!


OBS: Foto extraída do site Domingo da Igreja Perseguida administrado pela Missão Portas Abertas., conforme consta em http://www.domingodaigrejaperseguida.org.br/umcomeles.php

sábado, 24 de maio de 2014

Um mês de lutas e de fortalecimento interior

"reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e ele endireitará as suas veredas."(Provérbios 3:6)

Estando ainda em abril, não esperava que maio deste ano viesse a se tornar um mês tão atribulado para mim.

Dia 30/04, quando caminhava com Núbia pela praia de Muriqui, paramos próximo à sede náutica do Iate Club para ela fizer o seu habitual alongamento e eis que, com a realização de um movimento, minha esposa começou a sentir fortes dores no seu pé direito. Naquele mesmo dia, fomos até à emergência do posto de saúde local e o médico de plantão lhe orientou que ficasse em repouso, fizesse aplicações de gelo  no lugar da lesão e tomasse um remedinho via oral contra as dores. Deu-nos também um encaminhamento para a ortopedia do SUS mas, como temos Unimed, fomos direto a um especialista da rede credenciada do plano em Itaguaí, o qual prescreveu dez sessões de fisioterapia.

No entanto, o quadro dela não melhorou nada e as dores só aumentaram causando um inchação do membro direito. De lá para cá, foram mais três comparecimentos à emergência hospitalar (outra ida na UBS e Muriqui e duas no CEMERU de Itaguaí), um retorno ao atendimento ambulatorial do mesmo especialista na cidade vizinha, várias injeções e comprimidos de meloxicam, a suspensão da fisioterapia, a aquisição de duas moletas, gastos com corridas de táxi que fogem ao nosso orçamento mensal e agora estamos atrás de uma cadeira de rodas emprestada. Por indicação do próprio fisioterapeuta, procuramos a opinião de um outro ortopedista nesta última quinta-feira (22/05) e o médico solicitou o exame de ressonância magnética tanto no pé quanto no tornozelo.

Como acontece em situações deste tipo, um problema muitas das vezes trás consigo outros. Isto quando não surgem várias complicações ao mesmo tempo. Sábado passado (17/05), enquanto fui visitar minha mãe no Rio de Janeiro (repondo a ausência no segundo domingo do mês), minha sogra caiu da cadeira na hora do almoço e se machucou justamente na região da costela onde havia quebrado meses atrás. Núbia não teve a mínima condição de ampará-la. Outras pessoas da comunidade precisaram intervir a nosso favor, entre elas uma senhora a qual parou um carro na rua para que o condutor do veículo prestasse socorro. Sem que o raio-X estivesse funcionado em qualquer das unidades de saúde de município, dona Nelma teve que ser levada no veículo de um vereador até o hospital de Itaguaí. Felizmente não ocorreu nenhuma fratura desta vez, mas ela ficou com uma luxação e incapacitada temporariamente para várias funções. Tive então que tomar conta de duas pessoas enfermas dentro de casa já que a sogra, atualmente, voltou a morar conosco.

Eu, embora tenha uma boa saúde, cheguei a ficar gripado no final de abril e início do mês, o que me atrapalhou no trabalho complementar que faço na praia de modo que acabei não tirando o proveito suficiente das vendas de sorvete no feriadão do dia 1º (laborei por menos de duas horas em 03/05 sofrendo de dor de cabeça). Consegui restabelecer meu físico posteriormente, porém as despesas ameaçaram ultrapassar as receitas como não acontecia desde 2012. E o que está evitando que entremos numa situação deficitária foi o recente pagamento de uma indenização de R$ 1.000,00 num processo que ganhei contra a Oi/Telemar.

Não vou negar que a angústia foi tomando conta de mim a ponto de perder a inspiração no decorrer da semana para escrever novos artigos em meus dois blogues (neste e no Propostas para uma Mangaratiba melhor). Dia 19/05, postei apenas dois textos na página da Confraria dos Pensadores Fora da Gaiola que foram extraídos do jornal Tribuna do Advogado da OAB/RJ, tendo me limitado a responder comentários dos leitores lá e aqui. Ontem (23/05), eu me senti mal emocionalmente, ficando super preocupado com a saúde de Núbia e com as finanças. Estava difícil refletir além dos problemas de modo que não consegui dar atenção a todos que me escreveram no Facebook. Ficar debatendo sobre política e teologia naquela rede social começou a perder o sentido.

este sábado serviu-me de importante refrigério para a alma. Conforme costumo fazer durante o shabat (4º mandamento da Bíblia), fujo das preocupações laborais do cotidiano e evito até usar a internet. Geralmente só ligo o computador depois do pôr do sol, o que contribui para mudar radicalmente a rotina e isto ajuda a renovar minhas energias. E foi assim que pude combater as diabólicas negatividades que estavam assediando minha mente.

Ora, que tribulação há que não seja para o nosso bem? O Deus que abriu o Mar Vermelho abandonaria seus filhos à própria sorte?!

Certamente que não e, se analisarmos melhor as coisas, veremos que o Todo Poderoso está agindo a nosso favor ainda que não percebamos. Há anjos do Senhor ao redor de seus filhos e atuando em cada adversidade, a exemplo da vitória de Eliseu contra os siros, quando os olhos de Geazi ainda estavam fechados para a realidade espiritual:

"Orou Eliseu e disse: SENHOR, peço-te que lhe abras os olhos para que veja. O SENHOR abriu os olhos do moço, e ele viu que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo em redor de Eliseu." (2 Reis 6:17).

Assim, considerei tudo o que há de positivo nessas situações. Pois, além da minha sogra já estar melhorando (espero que fique totalmente recuperada até o fim do mês), também presenciei um milagre que foi a surpreendente aprovação pela Unimed do pedido de ressonância magnética em menos de vinte e quatro horas. Pois, nas vezes anteriores em que Núbia precisou desse tipo exame, a solicitação caía na auditoria médica e só me davam a resposta dias depois, sendo que, esta quinta-feira, consegui que tudo se processasse na mesma data. E, embora não tenha obtido vaga para maio nas clínicas de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, consegui marcar para esta segunda-feira (26/05) em Angra dos Reis, lá na Winston de Andrade. Com a sobra do que restou da pequena indenização da Telemar, vai dar para pagar os R$ 200,00 já combinados com o taxista e acredito que não fecharemos em déficit apesar dos muitos gastos financeiros.

Atualmente a pastora de uma igreja pentecostal aqui na minha rua está me ajudando a conseguir o empréstimo de uma cadeira de rodas para Núbia, algo que espero ser temporário porque acredito que minha mulher voltará a andar tão logo inicie o tratamento após o diagnóstico. Essa pastora já conversou com uma irmã cujo filho estuda numa escola de portadores de necessidades especiais para ver se tem algo sobrando lá e ficou de anunciar também no culto deste domingo. Também vai orar junto com sua congregação pelo nosso problema de modo que, mesmo em meio às dificuldades, glorifico ao Senhor porque Ele está conosco.

Portanto, começo esta nova semana pondo a confiança em Deus pois nosso Pai Celestial nunca nos abandonará. O homem pode ser infiel, mas o Senhor jamais porque Ele "não pode negar a si mesmo", conforme escreveu Paulo na sua carta a Timóteo (2ªTm 2:13). Sua Palavra é a Verdade e se cumpre no tempo determinado. Logo, as aflições de seus filhos são passageiras porque a nossa vida está nas mãos do Eterno que, além de se preocupar conosco nas mínimas coisas, nos dá a sua salvação para todo o sempre. Aleluia!

domingo, 18 de maio de 2014

Num país chamado LISARB...




No planeta ARRET, situado no outro lado da galáxia, existe um país de nome LISARB. Trata-se de um terra onde tudo funciona tão bem que é uma beleza! Seus moradores gozam uma excelente qualidade de vida capaz de causar inveja a qualquer canadense, sueco, alemão ou japonês.

Pode-se dizer que os cidadãos de LISARB não têm falta de coisa alguma pois desfrutam de uma renda suficiente para suprir todas as suas necessidades básicas. Lá o desemprego é zero e ninguém precisa recorrer às bolsas assistenciais do governo para nada. E tão pouco fingem estar carecendo de algo porque respeitam profundamente o dinheiro público usado nas políticas sociais.

Em LISARB, as escolas são sempre nota dez e funcionam em tempo integral. Os alunos recebem um ensino de excelência e estudam pra valer, havendo um índice de 99% de aprovação apesar dos testes serem super rigorosos. Contam com prédios em ótimas condições, havendo salas espaçosas equipadas com ar refrigerado, quadras de esporte para educação física, bibliotecas, laboratórios de informática e a merenda nunca falta. As crianças chegam cedo ao colégio, cantam o hino nacional toda manhã, respeitam profundamente a autoridade do professor e jamais deixaram de ter aulas de ética e cidadania. Também os pais se interessam pelo aprendizado de seus filhos e, dificilmente, algum deles deixa de comparecer a uma reunião convocada pela diretora.

Os hospitais de LISARB vivem vazios porque o país quase não tem gente doente. Nas raríssimas vezes quando surge uma emergência, rapidamente a ambulância socorre o cidadão. Há um eficiente programa de saúde preventiva capaz de promover a consciência das pessoas e estas não dependem tanto de remédios para se restabelecerem. Porém, quando têm que recorrer a um tratamento medicamentoso, uma internação, fazer exames ou passar por procedimentos cirúrgicos, os pacientes são prontamente atendidos sem precisarem acionar a Justiça. Muito menos pedir favores a algum político.

Falando um pouco dos políticos de LISARB, tratam-se das criaturas mais honestas que existem no planeta ARRET. Lá a maioria trabalha de graça sendo que ninguém tem o mal hábito de faltar às sessões do Parlamento. Nas cidades, os vereadores tiram todo o sustento do próprio labor como trabalhadores comuns e nenhum deles nomeia assessor para os seus humildes gabinetes. Menos ainda se locomovem através de veículos da Câmara ou ficam se utilizando do auxílio combustível. Pagam até a conta do cafezinho que consomem! Quando solicitados, atendem com prontidão aos seus eleitores e fazem prestações de contas trimestrais acerca do mandato exercido com transparência.

A cada eleição que ocorre em LISARB, o número de abstenção se mantém baixíssimo mesmo sendo opcional o voto. Não existe boca de urna por consideração à opinião pública. Aliás, nem ocorrem tantas disputas entre os lisarbianos. Os representantes da população são previamente aclamados para se candidatarem visto serem sujeitos da mais alta competência.

Poucos em LISARB possuem automóvel e o trânsito flui maravilhosamente pelas vias públicas, todas elas lisinhas e sem buracos. Também lá ninguém vê o carro como um símbolo de status social e o transporte coletivo funciona de maneira exemplar com bastante conforto, tarifas módicas e cumprindo os horários sem atrasos. Além disso, há um respeito unânime pelo meio ambiente a ponto das pessoas preferirem andar a pé ou de bicicleta. Inclusive, não se vê um papel de bala jogado no chão e os moradores das cidades participam educadamente da coleta seletiva. A cada ano, hectares e mais hectares de florestas são replantados sendo as árvores protegidas com eficiência. E, quanto à poluição (seja do ar, das águas, sonora ou visual), pode-se afirmar que inexiste.

Em relação à criminalidade, os índices são mínimos de modo que os PMs acabam aproveitados em outras funções do serviço público. É mais fácil encontrar um policial de LISARB ajudando uma idosa a atravessar a rua do que correndo atrás de bandido, sendo que as cadeias acabaram no país. No lugar dos presídios, tem-se os centros de reabilitação com pouquíssimos indivíduos internados voluntariamente.

A única semelhança entre LISARB e o nosso BRASIL seria que, em ambos os países, a Justiça não funciona. Só que praticamente não se formam litígios entre os seus habitantes. Menos ainda se for entre o cidadão e o Estado! Pois, quando os lisarbianos não conseguem se entender, o máximo que eles fazem é procurar alguém da confiança das partes para que seja mediado o conflito. E, se vão até o escritório de um advogado, seria mais para que o profissional do Direito explique melhor as leis afim de que eles possam agir corretamente uns com os outros sem faltarem com o devido bom senso.

Neste ano, a comunidade internacional do planeta ARRET insistiu para que LISARB sediasse o próximo Mundial de Futebol. Contudo, o governo recusou a proposta justificando que o país possui outras prioridades mais importantes do que ficar construindo novos estádios. E, tendo dado ouvidos à voz da população, a qual nem precisou ir às ruas protestar, a presidenta deles considerou incompatível gastar qualquer centavo do contribuinte afim de receber um evento tão passageiro já que o seu povo deseja mais desenvolvimento econômico e social.


OBS: Ilustração extraída de http://www.motonline.com.br/um-pais-chamado-lisarb/

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A caçada ao "veinho pendófilu"




Em uma cidade dos grotões do Brasil chamada de Justiçópolis, um menino estava navegando na internet enquanto sua mãe fazia as tarefas domésticas. Preocupada com o horário, pois já faltava menos de uma hora para o filho entrar na escola, dona Maria resolveu adverti-lo quanto ao dever de casa passado pela professora:

- "E aí, Juninho? Já resolveu os pobremas de matemática?"

Procurando desviar a atenção da mãe, o garoto resolveu levantar um outro assunto já que não havia estudado nada da aula anterior porque ficou a manhã toda jogando no computador, de modo que ir para o colégio era o que ele menos desejava naquele dia.

- "Ei, mãe! Olha só a foto do seu Juca no Justiçópolis Alerta. Tá dizendo aqui que ele é procurado pela polícia como um pen-dó-fi-lu."

Deixando o arroz estalar no fogo, dona Maria correu depressa até o computador:

- "O quê?! Sai logo daí, menino, e vai pro teu quarto. Deixa eu cuidar disso. Hoje é melhor você não ir sozinho para a escola."

Ao reconhecer no computador a foto que parecia ser do vizinho, dona Maria resolveu imediatamente compartilhar a imagem no perfil de sua irmã Jurema dentro de uma rede social chamada Feiobuque, digitando assim:

- "Vê si esse pendófilu ñ é a kara do seu Juca daqui na rua"

Dona Jurema nem se encontrava online aquela hora pois havia ido ao médico e o seu celular da operadora Morto estava sem sinal de área como sempre. Porém, muita gente dentre os dois mil e tantos "amigos" da tia de Juninho leram a mensagem postada na internet e foram logo respondendo:

- "Véio safado!", escreveu uma senhora que cantava no coral da igreja do bairro.

- "É... O maníaco pode morá ao lado e agenti ñ sabê", comentou um jovem.

- "Nunca imaginei q o marido da dona Margô pudesse fazer essas coisas", disse outra pessoa.

- "Vai ve que a muié dele n~ dava conta", digitou mais um internauta.

- "E o vovô conseguia consumar o delito? Aja viagra! Kkkkkkkkkkk", ridicularizou um usuário da rede social que se identificava anonimamente pelo nome "Eu Amo Justissópolis"

- "Será que vocês não estão enganados sobre esse caso?", perguntou uma estudante do bairro sem receber resposta alguma dos demais.

- "Bem que eu imaginava que tinha um tarado solto na nossa comunidade! No dia do Natal, quando alguns moradores se vestiram de Papai Noel, soube de uma menina que contou pra mãe ter um senhor esquisito fantasiado e que ficava botando o órgão genital pra fora da calça diante das crianças!", acrescentou um homem.

- "São essas gurias que tão cada veis mais sem vergonha! Quando trouxe meu companheiro p/ morar em comigo, a filha do meu primeiro marido ficava a toda hora passando na frente dele de shortinho curto até que um dia sentei a mão na cara daquela vaquinha. Ameacei colocar ela pra fora di casa si acontessece alguma coisa os 2", comentou uma mulher chamada Vanessa.

- "Só pode ser esse véio mesmo que  tá abusando das crianças! Por isso q seu Juca tava abraçandu meu netinho naquele dia do Natal! Agente axa que conhesse as pessoa mais qdo essas coisa acontecem é qui si discobre a verdade.", escreveu novamente a senhora do coral.

Alguns minutos depois, o assunto já tinha passado da internet para as ruas, esquinas, botecos e praças da comunidade. Em frente à mercearia do seu Manoel, populares discutiam entre si qual deveria ser o destino do "veinho pendófilu":

- "Esse velho nojento tem que ser preso! Vamos chamar o 190 agora!", disse uma mulher enraivecida.

- "Não adianta ligar pra polícia, minha filha! Depois ele arruma um advogado, solta um dinheirinho lá dentro e fica livre. Ou então pega menos tempo de cadeia, porque tem mais de setenta anos, sai de lá e volta a fazer judiaria com as criança. Os policiais de hoje adoram dar uma de preto. Num país desses, é agente é que tem de fazer justiça como disse aquela jornalista, a Renata Cheirazeda", interveio um senhor racista que se arrogava entender de leis.

- "O Brasil tinha que ter pena de morte como nos Estados Unidos! Lá eles até castram o estuprador!", comentou um homem que bebia cerveja num bar em frente ao mercadinho.

Enquanto as pessoas debatiam a novidade do bairro, passava na TV o programa do repórter Bundena mostrando imagens de uma mulher acusada de traficar bebês para a máfia de transplantes órgãos. O apresentador lançava no ar a seguinte pergunta:

- "E aí, minha gente? Qual é o castigo que ela merece?"

Naquele instante, seu Juca surgiu subindo pela rua, após ter desembarcado no ponto de ônibus. Levava consigo duas sacolas de compras e foi visto por um garotinho que gritou em estado de pânico:

- "Mâeeeeee! Socorro! Olha lá o vovô pendófilu!"

A multidão enfurecida correu na direção de seu Juca, pisou em suas sacolas e, arrastando-o, resolveram amarrá-lo num poste com uma corda. Uns cuspiam no rosto enquanto outros davam chutes e socos. Por pouco não chegaram a lhe causar uma grave lesão pois, por aquela hora, passava uma patrulha policial que viu a confusão. Saindo do carro, o sargento Moisés deu um tiro para o alto e todos pararam de bater no idoso.

- "O que vocês estão fazendo?", perguntou o PM.

- "Esse senhor é um pendófilu! Tá dizendo na internet que ele abusa e crianças", respondeu uma mulher totalmente descontrolada e fora de si.

- "Nada disso! O seu Juca é um senhor honesto, decente e amigo da polícia. Foi ele quem criou a página do Justiçópolis Alerta, a qual ajuda agente a prender muito vagabundo aqui no bairro", esclareceu o sargento conseguindo esfriar os ânimos.

- "Então como é que a foto dele está estampada na página que o próprio criou? Algo está errado!, questionou o dono de uma farmácia mostrando o celular com a imagem.

Profundamente indignado, embora estivesse meio zonzo por causa das pancadas sofridas, seu Juca respondeu:

- "Foi tudo um engano meu. É que ontem, ao colocar no ar uma denúncia anônima que havia recebido, acabei clicando acidentalmente na minha própria foto ao invés de reproduzir o retrato falado do suspeito. Hoje mesmo, após o delegado me falar que a história não passava de boato, pretendia excluir a mensagem assim que chegasse em casa. Agora, porém, vou é deletar a página inteira. Acabou o Justiçópolis Alerta!"


OBS: Ilustração acima de autor desconhecido utilizada e várias páginas da internet.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Nós como a causa


"Justo é o SENHOR, pois me rebelei contra a sua palavra" (Lm 1:18a; ARA)

Segundo a tradição judaico-cristã, o livro de Lamentações (hebr. Echá) teria sido escrito pelo profeta Jeremas. Ali o autor expressou todo o sofrimento de seu povo quanto à invasão de Jerusalém pelas tropas inimigas de Nabucodonosor. No texto, a cidade é personificada como uma mulher que chora pelos filhos levados em cativeiro para a Babilônia devido aos graves males auto-destrutivos que a nação de Judá cometeu (Lm 1:5).

No entanto, ao lermos o capítulo 1º desse magnífico texto das Escrituras Sagradas, encontramos no citado versículo 18 um ponto crítico em que o enfoque é retirado das circunstâncias. A cidade que até então parecia ser vítima dos acontecimentos, assume a responsabilidade pelos atos de rebeldia coletivamente praticados, reconhecendo haver justiça quanto às consequências de suas escolhas más.

Admitirmos o erro é, sem dúvida, o primeiro passo que se deve dar para que possamos nos tornar protagonistas da própria história. Ao invés do indivíduo ficar culpando sempre as circunstâncias em sua volta, ele assume a sua parcela de responsabilidade. Trata-se, pois, de um importante passo de maturidade pessoal.

Na década de 50, Julian B. Rotter (1916 - 2014) introduziu em Psicologia o conceito de locus of control (o lugar do controle), afim de designar a percepção do indivíduo a respeito das causas subjacentes aos eventos existenciais. Para Rotter, o nosso comportamento muitas das vezes seria reforçado pelas ideias de recompensa e punição, a partir das quais são geradas crenças em torno das ações que devem ser tomadas. Logo, o locus of control seria a plataforma  de onde a pessoa atribui significação de responsabilidade aos fatos ocorridos na vida.

Acredito que, quando deixamos de nos vitimizar eternamente, começamos a compreender as causas dos problemas e a buscar soluções. Então, aprendemos o caminho da auto-disciplina, da abstinência dos vícios psicológicos e passamos a buscar as melhores coisas com vontade, esforçando-nos por alcançá-las. E, desta forma, evoluímos com lucidez e racionalidade porque discernimos o quanto existe de condicionamento externo bem como qual a nossa medida de autonomia diante de cada caso.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro Jeremias lamentado a destruição de Jerusalém (1630) pintado por Rembrandt (1606–1669). Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Rembrandt_Harmensz._van_Rijn_-_Jeremia_treurend_over_de_verwoesting_van_Jeruzalem_-_Google_Art_Project.jpg

terça-feira, 13 de maio de 2014

Liberdade a ser plenamente conquistada




Hoje bem que eu pretendia ir ao Rio de Janeiro visitar minha mãe...

Como não consideramos conveniente viajar no segundo domingo do mês (11), por vários motivos específicos, chegamos a combinar um encontro na presente data. Até porque estou precisando retirar pessoalmente um ofício na 3ª Vara de Órfãos e Sucessões, referente ao inventário de meu bisavô Guilherme de Albuquerque Júnior, falecido em 1977. Logo, assim que fosse lá e passasse depois no cartório de imóveis, pegaria um transporte da Carioca rumo ao bairro Grajaú. Almoçaria então com ela, conversaríamos e, ainda de tarde, iniciaria meu percurso de volta para Muriqui. Porém, quando foi ontem à noite, mamãe me telefonou avisando sobre a greve dos ônibus que se iniciou a partir da zero hora de modo que mais uma vez precisei adiar meus planos.

Apesar da notícia sobre a paralisação, não fiquei chateado. Lembrei-me de que o Brasil está comemorando neste dia 13/05 os 126 anos da abolição da escravatura. Trata-se, pois, de uma data de grande significado não só para os negros e afrodescendentes como também para os trabalhadores de qualquer origem étnica. Inclusive os motoristas de ônibus que são abusivamente explorados por seus patrões.

Sempre que os rodoviários entram em greve, a reacionária TV brasileira focaliza os quebra-quebras e o caos enfrentado pelos passageiros para chegarem até o local de trabalho. Os telejornais fazem com que o sentimento do público se volte contra esses profissionais como se eles fossem os vilões de tudo. E, tendo em vista os atos de vandalismo que acontecem nas passeatas (quase sempre praticados por gente infiltrada e sem coragem de mostrara a cara), o entendimento dos fatos acaba sendo deturpado por quem desconhece a realidade de cada categoria de trabalhadores.

O fato é que os rodoviários são constantemente desrespeitados quanto ao direito de folga, sofrem com o aumento da criminalidade, são descontados em seus salários por problemas que eles não deram causa, exercem em muitos casos a dupla função de motorista e de trocador, bem como ainda são pressionados pelas empresas para lesarem os direitos dos idosos, dos portadores de necessidades especiais, dos estudantes, etc. Claro que há bons e maus profissionais em todos os meios, como os condutores que não querem parar para o passageiro ou agem sem um pingo de urbanidade no trato com as pessoas, mas nada disso vem ao caso quando se trata de uma questão coletiva.

Ora, conforme havia se pronunciado o presidente nacional da OAB, Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, durante as comemorações do dia 01º/05,

"o  trabalho é fonte de libertação, fator de cultura, progresso e realização pessoal. Esta é, afinal, a grande conquista ideológica alcançada pelos movimentos sociais e sindicais no século passado, que não pode retroagir (...) em nome da redução do custo de produção, pensa-se em tratar o trabalhador como simples engrenagem do processo produtivo. Nada é dito quanto à redução dos lucros como instrumento de tornar as empresas mais competitivas, para ficar em apenas um exemplo".

Amigos leitores, penso que não devemos jamais concordar com a manutenção de um sistema de transporte público que condicione os trabalhadores a um regime que, embora não se caracterize como total escravidão, mantém o indivíduo de certo modo preso ao invés de libertá-lo economicamente. Ainda mais tratando-se de um serviço público concedido pelo Estado ao particular (na maioria das vezes as linhas de ônibus urbanos são municipais)! E como as tarifas estão cada vez mais caras e desproporcionais em relação à má qualidade dos transportes, torna-se indispensável que os prefeitos pensem em algo alternativo como a criação de companhias estatais para a execução da atividade adotando de vez o passe livre para todos os usuários.

Mesmo contrariado por não poder ir ao Rio de Janeiro hoje, compreendo toda a situação dos rodoviários e apoio a greve dos motoristas de ônibus. Tanto na Cidade Maravilhosa quanto no restante do país, pois é necessário haver mudanças significativas para todos os trabalhadores brasileiros de um modo geral.


OBS: A foto acima pertencente ao arquivo da Agência Brasil de Notícias com atribuição de autoria a Fernando Frazão, conforme extraí de http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-05/rodoviarios-farao-greve-de-48-horas-partir-de-amanha

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Recordações das viagens perto de casa




Umas das coisas que mais gosto de fazer na vida é poder viajar, algo que há algum tempo não tenho conseguido realizar com fins de entretenimento. E talvez essas sejam as minhas melhores recordações, o que me remete à época em que ainda era solteiro e morava na cidade serrana de Nova Friburgo.

Em quatro ocasiões, cheguei a colocar meus pés fora do território nacional e, numa delas, cruzei o Atlântico pelos ares indo de avião até à velha Europa. Porém, nenhum desses passeios no exterior foram tão legais como os que fiz por aqui. Principalmente nos lugares mais perto de casa onde pude explorar as belezas regionais com maiores detalhes.

Nos primeiros anos em que vivi em Friburgo, decidi turismar no próprio município e nas localidades próximas. Como eu amava caminhar (e ainda gosto bastante), fazia com que as pequenas distâncias ficassem maiores. As viagens que muita gente percorria de carro ou de ônibus, eu as realizava a pé indo por roteiros alternativos no meio rural. Quase sempre passando por estradas de terra e caminhos dentro de fazendas utilizados como servidão de passagem pelos moradores. Se me sentisse entediado em casa, colocava a mochila nas costas e partia. Passava tranquilamente uns dois, três ou quatro dias nos lugares para onde os pés me conduziam sem ter que dar satisfação a ninguém .

Contudo sempre gostei de um mínimo de conforto e acampar nunca foi a minha preferência. Certa vez, resolvi ir caminhando do distrito de Lumiar até Glicério já em terras macaenses, passando por Sana e por Bicuda. Se não me engano, dormi umas três noites fora de casa, sendo uma delas na ONG Pequena Semente de um conhecido chamado Márcio. Já no dia seguinte precisei albergar-me numa pousada simples em Bicuda Pequena e a terceira noite foi num assentamento de sem-terras já na Bicuda Grande. De lá fui andando até o Glicério e tomei um ônibus para Macaé.

Nessas aventuras eu sempre tirava uns minutinhos de prosa com as pessoas simples do campo, as quais me saudavam pela estrada mesmo sem me conhecerem. Também podia ver de perto interessantes projetos nas áreas de ecologia, agricultura, pesquisa científica, bem-estar social, turismo e terapias, chegando, inclusive, a estabelecer proveitosos contatos.

Um desses projetos que acabei descobrindo por acaso foi o do mico-leão-dourado. Numa gostosa manhã de inverno, saí caminhando pela estrada Serra Mar que liga Nova Friburgo a Casimiro de Abreu. Na época, a RJ-142 não tinha sido ainda totalmente asfaltada pela dona Rosinha Matheus, o que atraía aventureiros como eu dispostos a conhecer os recantos da região. Passei então por um lugar conhecido como Encontro dos Rios (também chamado de Poço dos Alemães) que é onde o rio Bonito deságua no Macaé. Ali, tendo atravessado a ponte e deixado a rodovia para trás, andei por mais uns treze quilômetros e cheguei a um vilarejo chamado Aldeia Velha já o município de Siva Jardim.

Foi nessa localidade onde fiquei sabendo de uma fazenda de nome Bom Retiro considerada reserva particular do patrimônio natural (RPPN) que, através de uma parceria com a Associação do Mico Leão Dourado, recebeu experimentalmente uma família dessa simpática espécie de primatas da Mata Atlântica. E, tendo eu retornado a Aldeia Velha em uma outra ocasião, conheci o proprietário da gleba, o Sr. Luiz Nelson Faria Cardoso, tendo me hospedado num dos chalés de sua propriedade. Depois disto, tive a ideia de organizar uma excursão para lá com meus colegas da faculdade afim de passarmos um final de semana num evento ecológico de modo que consegui convencer a direção do campus da Estácio de Sá com a ajuda de meu professor Dr. André Mello.

Recordo ainda das inesquecíveis belezas do município de Cachoeiras de Macacu que é vizinho a Nova Friburgo. Alguns anos antes do Parque Estadual dos Três Picos ser criado pela Benedita, percorri a pé suas principais trilhas tendo feito algumas caminhadas com o ambientalista Jorge Elpídio Medina, o Passarinho, como ele é popularmente conhecido na cidade. Com Passarinho estabeleci significativa amizade a ponto de frequentar sua casa. E uma das maiores travessias que fizemos juntos foi andando por umas quatro horas até o povoado de Guapiaçu a partir do bairro Gangury, rompendo montanhas e vales.



Todas as cidades vizinhas ou próximas a Nova Friburgo eu visitei, exceto a sede do município de São Sebastião do Alto, o qual não chega a fazer divisa. Ainda assim lembro que passei de ônibus por um lugarejo de lá chamado Valão do Barro. Cheguei a  visitar algumas vezes o vale do rio Macabu em Trajano de Morais e caminhei por lugares como: a Pedra do Sino em Teresópolis; Santo Antônio do Barra Alegre, em Bom Jardim; Sana que é um dos distritos de Macaé; Bananeiras, em Silva Jardim; a cidade de Duas Barras onde nasceu o compositor Martinho da Vila; os túneis de Murineli com vista para a cachoeira Conde D'Eu em Sumidouro; e Macaé de Cima, Rio Bonito, Galdinópolis, Boa Esperança, São Pedro da Serra, Vargem Alta, Conquista, Salinas, Amparo, Cascatinha, Cardinot e Pico da Caledônia, todos lá mesmo em Friburgo. Contemplava cada cenário fantástico diante de meus olhos, inclusive vislumbrantes vistas da Região dos Lagos. E, se fosse eleger um desses locais como sendo o mais bonito, escolheria um ponto entre uma localidade chamada de Toca da Onça e a vila de Aldeia Velha, no caminho do "arreia mochila", de onde dava para ver o mar e o vale do rio São João, no qual fica a represa de Juturnaíba.

Mas os últimos anos da faculdade, o início da profissão e depois a vida de casado foram restringindo esses passeios de maneira que, nos meus últimos anos em Nova Friburgo, passei quase todos os finais de semana confinado dentro do apartamento que aluguei na rua Farinha Filho sem ir para muito longe. Inclusive porque havia conhecido quase tudo ao meu redor de modo que já não tinha ânimo para repetir roteiros. E, quando vim morar em Muriqui, 4º Distrito de Mangaratiba, no mês de agosto de 2012, fiquei feliz pela oportunidade de poder explorar outros recantos agora não mais no centro-norte fluminense, mas no sul do estado. Porém, não tenho desfrutado das chances que tinha para viajar na época de estudante universitário por razões de tempo, de dinheiro e de compromissos.

Mesmo com as dificuldades, já dei meu jeito de visitar quase todo o município de Mangaratiba tendo ido às ilhas de Itacuruçá, Jaguanum e Guaíba, bem como à Serra do Piloto, Ingaíba, Batatal e Conceição do Jacareí, faltando-me ainda conhecer a Restinga de Marambaia que é uma restrita área sob os cuidados da Marinha. E também tem algumas praias, ilhas e localidades menores onde até hoje não fui sendo que, após ter me perdido no Parque Nacional da Tijuca, tornei-me mais cauteloso quanto às caminhadas em trilhas de modo que faltam muitos recantos para serem visitados no Parque Estadual do Cunhambebe. Neste fiz somente dois roteiros de travessia realizados cada qual no mesmo dia: indo de Muriqui até Rubião, na Serra do Piloto; e andando de Mazomba (Itaguaí) até os Sertões de São João Marcos já em Rio Claro. Minha caminhada mais puxada foi subir em outubro o Pico do Papagaio da Ilha Grande com seus 980 metros (ler o artigo De volta à Ilha Grande).

Assim, se Deus permitir, pretendo fazer novos passeios aqui pela região. Quero retornar à Ilha Grande para conhecer locais que não cheguei a visitar como a Parnaioca, a Praia do Aventureiro e o Provetá. Nas serras, desejo ir a Bananal, São José do Barreiro e Cunha, os quais são municípios paulistas abrangidos pelo Parque Nacional da Bocaina e não se encontram muito distantes daqui. Porém, só pretendo fazer os passeios mais ousados na companhia de quem conhece as trilhas e com o suficiente preparo. Mesmo a travessia da desativada linha férrea entre Lídice e Angra dos Reis não me parece recomendável alguém fazê-la sozinho como antes eu costumava me aventurar inconsequentemente pelos matagais. Afinal, nada mais inteligente do que praticar ecoturismo com segurança e prudência. Esta foi uma grande lição que a vida me ensinou e espero jamais esquecer.



OBS: As fotos acima foram cedidas por meu amigo cachoeirense citado no texto, o Jorge Passarinho. Ele é autor de um projeto de inventário geográfico e hidrográfico do município de Cachoeiras de Macacu, feito em colaboração com os fotógrafos Denílson Siqueira, André Confort, Yuri Blacheire e Damião Arthur. Todas as imagens referem-se à zona rural do município de Cachoeiras de Macacu.

domingo, 11 de maio de 2014

Uma mãe de coragem!



"Respondeu Maria: 'Sou serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a tua palavra'". (Lucas 1:38a; NVI)

Se refletirmos sobre as condições de Maria de Nazaré, ela tinha tudo para não levar adiante a gravidez de Jesus.

De acordo com o Evangelho, sua concepção se deu de maneira sobrenatural através da ação do Espírito de Deus. Diz o texto de Lucas que o anjo Gabriel havia anunciado que ela daria à luz ao "Filho do Altíssimo", herdeiro do trono de Davi. E, tendo ela perguntado como que tal fato se sucederia, a jovem simplesmente creu submetendo-se à vontade do Soberano do Universo.

Embora na atualidade seja comum as mulheres fazerem reprodução independente, não era assim na época de Maria. Uma esposa, ou mesmo uma noiva, caso traísse seu companheiro, poderia ser apedrejada até à morte. E até mesmo para uma jovem descomprometida seria altamente desonroso perder a virgindade antes do matrimônio e mais ainda se não se consorciasse com algum homem. Na hipótese de se casar, não sendo mais uma donzela e enganando o noivo, a tentativa de fraude poderia lhe custar a vida.

Nem Lucas e nem Mateus fornecem todos os detalhes do nascimento de Jesus, mas juntando as narrativas de um e de outro, consegue-se montar uma versão unificada, sendo possível que, após José ter deixado secretamente Maria (Mt 1:19), foi que ela resolveu abrigar-se na casa da prima de Isabel situada nas montanhas (Lc 1:39-40). Um lugar onde certamente encontraria a proteção que precisava.

Por outro lado, deve-se levar em conta o contexto violento da época. Vivendo um dos mais difíceis momentos da História, os judeus que habitavam a Palestina do século I sofriam debaixo da opressão estrangeira em que impostos abusivos eram cobrados, revoltosos eram condenados brutalmente à crucificação e havia muitas injustiças cometidas contra os pobres. Fazia séculos que Israel não tinha mais seus monarcas pois havia perdido a condição de nação soberana desde o século VI a.C, passando então sucessivamente pelos domínios babilônico, persa, grego e romano.

Todavia, o Magnificat, que é o célebre cântico de Maria registrado em Lucas, traduz a esperança de um povo em meio a dor. O nascimento do frágil bebê que crescia em seu ventre significava Deus voltando a agir no curso da História. Daí ser lembrada a aliança do Senhor com Abraão (Lc 1:55), simbolizando que a misericórdia do Eterno não cessa no decorrer das gerações.

Foi com essa grande fé que Maria levou adiante sua gestação e Deus não a desamparou. No momento certo, José, seu noivo, compreendeu a situação depois de avisado em sonhos por um anjo. Confiando na Divina Providência, o casal seguiu para Belém, local de nascimento de Jesus, numa simples manjedoura, e depois, a família partiu para o Egito onde o Mestre foi poupado da ira do rei Herodes até a morte deste.

Todos esses obstáculos Maria superou com enorme coragem. Ela não só amou verdadeiramente o fruto de seu ventre como também creu no amanhã. Foi firme e deu à luz a um menino que, como bem sabemos, mudou o mundo com sua irresistível mensagem de amor.

Neste dia 11 de maio de 2014, no qual se comemora o dia das mães, que possamos nos recordar de Maria de Nazaré. Que nela as mulheres se inspirem para vencer os desafios da maternidade!


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Theotokos de Vladimir também conhecida como Nossa Senhora de Vladimir, Virgem de Vladimir ou Vladimirskaya. Trata-se de um ícone russo do século XII e que se encontra na galeria Tretyakov, Moscou. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Vladimirskaya.jpg

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Três décadas depois das "Diretas Já"...




Nesta semana, durante uma sessão solene ocorrida ontem (07/05/2014), a Câmara Federal lembrou os trinta anos do movimento Diretas Já, campanha que levou os brasileiros às ruas em 1983/84 afim pedir a volta das eleições diretas para presidente da República.

Durante a ocasião, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), autor da sugestão da homenagem, afirmou que a campanha manifestou um momento de grande sintonia entre as principais lideranças políticas do País e a maioria da população. O parlamentar informou que pesquisa do Ibope à época apontava 84% de pessoas favoráveis à aprovação da emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da República:

"A mobilização foi extraordinária. Imensas manifestações foram realizadas por todo o País. As maiores delas na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, cada uma superando a marca de um milhão de brasileiros".

Tendo lido hoje notícias a respeito desse evento no site da Câmara dos Deputados (pois a grande mídia televisiva não deu o devido destaque), resolvi refletir sobre o momento que vivemos atualmente fazendo um paralelo com os acontecimentos de trinta anos atrás. Afinal, desde meados de 2013, temos tido novamente frequentes protestos pelo país, mas há uma enorme diferença para as marcantes passeatas das Diretas Já.

A meu ver, a principal distinção seria a confiança que o cidadão dos anos 80 tinha nas lideranças políticas e nos seus partidos. O ideal democrático achava-se fortalecido nos corações das massas e o povo nas ruas não queria mais ver os militares no poder. A sociedade clamava por justiça social e fazia suas reivindicações de maneira organizada e objetiva. Homens como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Dante de Oliveira, Mário Covas, José Richa, André Franco Montoro, Gérson Camata, dentre outros, eram depositários da credibilidade do eleitor brasileiro. De norte a sul, o PMDB tinha se tornado o maior símbolo das lutas e das transformações sociais, o que se confirmou com os resultados das eleições de 1987.

Verdade é que, de lá para cá, a nação decepcionou-se amargamente com a política e passou a descarregar suas frustrações em cima das instituições democráticas. No lugar da juventude de cara limpa que participou heroicamente das Diretas Já, passamos a assistir na TV os anônimos black blocs provocando violência, tumulto e vandalismo. Rapazes mascarados e vestidos de preto surgem nas manifestações populares e acabam estragando toda iniciativa construtiva do cidadão quando este quer expressar democraticamente a defesa de seus interesses em ambiente públicos.

Ora, como é que vamos chegar a algum lugar com baderna, ataques covardes a policiais e promoção da desordem?!

Diante desse caótico e lamentável quadro, penso que precisamos aprender a nos reorganizar. O fato é que o povo brasileiro nunca possuiu realmente o controle sobre suas agremiações populares. Cria-se hoje um partido, uma associação, uma ONG, ou mesmo uma instituição de orientação religiosa, e amanhã o poder acaba se concentrando nas mãos de alguns. Os representados em geral desconhecem as normas estatutárias e, com raras exceções, fazem valer seus direitos internamente. Permitimos que as assembleias gerais ocorram com uma meia dúzia de gatos-pingados sem que a maioria se interesse por estar ali discutindo a pauta e elegendo uma nova diretoria de acordo com os seus anseios.

Pode ser que o atual momento de desordem se aprofunde até que o brasileiro recobre a consciência de que precisa aprender a se organizar politicamente na base. Devido ao caos gerado pelos baderneiros é que os maus políticos vão se mantendo por mais tempo no poder com a justificativa de serem as lideranças capazes de conter a violência das manifestações. Do contrário, já teríamos alcançado um resultado mais satisfatório nos protestos da Copa das Confederações em 2013 quanto às reivindicações formuladas.

Entretanto, o deputado socialista Beto Albuquerque fez muito bem em lembrar desse importante fato histórico que foi a campanha das Diretas Já. Ali, embora o movimento não tivesse alcançado êxito em conseguir a aprovação das eleições para Presidente da República em 1984, pode-se afirmar que a presença do povo nas ruas tornou-se fundamental para a saída em definitivo dos militares do poder. Quatro anos depois, um novo Congresso, eleito pelo voto popular, promulgou a atual Constituição cidadã, através da qual muitos direitos foram conquistados. E, no ano de 1989, finalmente o povo votou para presidente, o que pode ser considerado uma brilhante conquista apesar da má escolha.

Assim, temos esse norteador exemplo num passado mais ou menos próximo de que a organização da sociedade realmente alcança bons resultados construtivos. Quando lembramos das lutas da juventude de 1984, podemos voltar a acreditar na existência de um caminho viável para mudar o Brasil.

Este ano teremos eleições no mês de outubro em que escolheremos novos deputados, senadores, governadores e também quem será o próximo presidente. Mesmo diante do descrédito das lideranças políticas, não podemos simplesmente esvaziar esse decisivo momento em que as melhores alternativas precisam ser buscadas, sendo indispensável o esclarecimento pela promoção de um debate maduro afim de que o eleitor saiba se posicionar nas urnas. Pois é com a nossa participação que esse processo será conduzido a resultados cada vez melhores rumo ao avanço e não ao retrocesso.


OBS: A foto acima  refere-se à passeata ocorrida no Centro de São Paulo, em 16 de abril de 1984, sendo sua autoria atribuída a Jorge Henrique Singh, o qual dedicou a imagem ao domínio público, conforme consta no acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Diretas_ja_1.JPG

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Estamos voltando aos tempos da vingança privada e da barbárie?!




Achei estarrecedora a notícia sobre o covarde espancamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, vítima de um boato na internet que a acusava levianamente de sequestrar crianças para rituais de magia negra. Ela havia sido linchada na tarde de sábado por moradores de uma comunidade do Guarujá, litoral paulista, foi conduzida ao hospital pelos bombeiros mas, nesta manhã, não resistiu aos ferimentos e veio a falecer.

As imagens da agressão chegaram a ser registradas por um cinegrafista amador sendo bárbaras as cenas gravadas no vídeo. Segundo a polícia, inexiste qualquer prova de que Fabiane estivesse praticando esse absurdo delito contra os menores e tão pouco existiria o acontecimento a ela atribuído:

"Não tem nem minimamente a possibilidade, suspeita de que ela teria feito alguma coisa assim. Não existe esse fato de criança sequestrada para ser usada em magia negra", declarou o delegado Claudio Rossi.

Contudo, os agressores de Fabiane nem ao menos investigaram a autoria e a materialidade da informação propagada numa rede social, a qual continha sua foto apontando-a como sendo uma criminosa. E, movidos pelo ódio, executaram brutalmente uma mulher mãe de família sem que ela tivesse direito a um julgamento justo com contraditório e ampla defesa. As pessoas que amarraram seus pés e a golpearam deram-lhe um torturante destino que o nosso ordenamento jurídico de modo algum admite como pena. Pois nem os piores bandidos podem sofrer castigos corporais ou serem sentenciados à morte por expressa vedação constitucional.

Ora, o fato é que esses comportamentos são histericamente motivados pela mídia, sobretudo a televisiva. Embora nenhum jornal policial incentive diretamente a sociedade a praticar atos desse tipo, eis que a maneira como são noticiados os revoltantes crimes hediondos faz com que o cidadão não espere pelas desacreditadas instituições estatais e resolva fazer (in)justiça com as próprias mãos. E isto ainda recebe uma forte contribuição do heroísmo dos filmes onde os personagens tomam a iniciativa de perseguir bandidos por sua conta e risco. Então, com o poder de divulgação das redes sociais de internet, o problema torna-se mais ainda potencializado.

Enfim, nada justifica a barbárie ocorrida no Guarujá, devendo o Estado e os grupos mais influentes da sociedade combaterem condutas assim e suas causas. Pois vale lembrar que nenhuma civilização floresceu sem que houvesse o respeito pelo monopólio estatal da jurisdição. Mesmo quando surgiram as antigas cidades-reinos da Mesopotâmia, no terceiro milênio antes de Cristo, vale ressaltar que cabia unicamente ao monarca a competência para decretar a pena de morte de alguém (§ 48 das Leis de Eshnunna).

A violência sofrida por Fabiane mostra-nos o quanto a sociedade pode se tornar perversa, imediatista e intolerante. Em pleno século XXI, o povo brasileiro ainda se encontra vulnerável a emocionalismos histéricos em que qualquer um hoje em dia está correndo o risco de ser linchado na rua por causa de falsos boatos. Logo, precisamos urgentemente trabalhar pela mudança desse comportamento perigoso, promovendo a pacificação das pessoas por meio da racionalidade e da elevação ética em nível consciencial.


OBS: Imagem acima oriunda de reprodução no Youtube.

domingo, 4 de maio de 2014

Dialogando com a diversidade familiar do século XXI




O mês de maio costuma ser uma época dedicada a pregações sobre a família nas igrejas cristãs. Durante os cultos dominicais, os pastores ministram mensagens sobre casamento e a relação entre pais e filhos, quase sempre encorajando o dever de submissão aos genitores bem como da esposa ao marido. Repete-se, assim, conhecidas passagens bíblicas entre as quais versículos das epístolas paulinas. Porém, observo que poucas vezes esse discurso é atualizado e, não raramente, os púlpitos de determinadas congregações são mal utilizados para incitar repressão e ataques homofóbicos aos gays por estes buscarem hoje em dia a conjugalidade bem como adotarem crianças.

Verdade seja dita que a família deste século XXI já não é mais a mesma de cinco décadas atrás. Se, nos anos 60, ela foi se tornando mais nuclear do que estendida, devido às migrações e ao êxodo rural, vive-se na atualidade uma situação bem diversificada em que até esse núcleo está se modificando. Mudanças que acabam sendo irreversíveis dependendo do caso.

Se tivermos como foco as crianças, veremos que grande parte delas já não mora com a mamãe e com o papai. Devido às instabilidades dos relacionamentos, muitos pequeninos vivem apenas com suas mães, ou com a mãe e a avó, ou somente com os avós, ou ainda com qualquer outro parente. Ganhar um neto quase sempre significa que a mulher corre o risco de ter uma segunda maternidade.

Por outro lado, quantas dessas crianças não têm outros irmãos e irmãs mas que não são filhos do mesmo pai ou da mesma mãe? E, na prática, elas acabam convivendo com os filhos que são só do companheiro da mãe ou da nova mulher do pai, frutos de relacionamentos anteriores que não deram certo. Coisas que foram motivo de terríveis preconceitos e recalques dentro da nossa sociedade, permanecendo agora de maneira mais velada.

É fato que os pastores precisam estar prontos para ministrar a todos os tipos de famílias de uma maneira inclusiva sem considerarem a diversidade nas relações como uma aberração. Deve-se ter em mente que existem variadas formas de se proporcionar cuidado e proteção às pessoas, o que pode ocorrer muitas das vezes sem existir qualquer vínculo biológico como acontece na adoção. Algo que para a cabeça da maioria dos cristãos torna-se inadmissível quando os pais adotivos são dois homens ou duas mulheres vivendo uma relação homoafetiva.

Assim, penso que a Igreja precisa rever o seu discurso quando tratar da família cuja ideia não pode ficar restrita a um casamento formal, monogâmico e reprodutivo. Pois mesmo que tenhamos o desejo de valorizar o padrão bíblico, segundo o qual "deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne" (Gn 2:24), não podemos fechar os olhos para a realidade transformada em nossa volta. Do contrário, o discurso pode acabar virando uma coisa estéril e até excludente quando alcançar os ouvidos de quem não se encaixa no modelo religioso.

Creio que Jesus veio justamente propor uma nova concepção de família que é bem mais ampla e diferente do tradicionalmente conhecido. Seu desejo sempre foi que, através da Igreja, fizéssemos uma multidão de irmãos, irmãs, pais, mães e filhos. Por isso o Mestre recebeu a todos (em especial os marginalizados da sociedade) e chegou a enfrentar difíceis conflitos com a sua família biológica de Nazaré, sendo incompreendido pelos fariseus porque aceitava incondicionalmente o pecador. E, no processo de construção do Reino, ele previu que os novos valores iriam causar divisões nas casas.

Ora, será que, se levássemos o ensino de Jesus a sério, novos hipócritas religiosos não mostrariam suas caras em nosso meio? Estamos mesmo prontos para convidar uma prostituta afim de que ela venha a conviver com nossas famílias sem levantarmos qualquer barreira preconceituosa? O mesmo posso dizer a respeito do travesti, do usuário de drogas, do morador de rua e da pessoa com transtorno psíquico, os quais, numa congregação cheia de famílias tradicionais, ainda são tratados como portadores de uma terrível lepra moral. Inegavelmente encontramo-nos ainda bem distantes de ser a grande mãe acolhedora dos excluídos por faltar mais amor e visão entre o povo de Deus.

Penso que, nesse tempo caótico que hoje vivemos, a efetiva proteção do ser humano talvez só poderá ser encontrada no desenvolvimento pleno da fraternidade em que as congregações seriam os pontos de encontro de uma família super-estendida. Por isso defendo que o maior foco das nossas pregações no mês de maio deve estar no fortalecimento da comunidade afim de que criemos uma rede amorosa tanto no nosso bairro quanto ao redor do mundo, independente de denominações institucionais ou de doutrinas. E, quanto a isso, a Igreja do século XXI precisa de uma urgente reconciliação.

Viva a grandiosa família de Deus! E que a Igreja, em sua bela diversidade, seja tão rica em formas como as estrelas do céu e a areia do mar!

Uma excelente semana a todos com Jesus!


OBS: A ilustração acima trata-se da célebre obra A Família da pintora e desenhista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). Extraí a imagem de http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/tarsila-do-amaral/a-familia.php

quinta-feira, 1 de maio de 2014

A dignidade do trabalhador na Bíblia



"Não oprimirás o jornaleiro pobre e necessitado, seja ele teu irmão ou estrangeiro que está na tua terra e na tua cidade. No seu dia, lhe darás o seu salário, antes do pôr do sol, porquanto é pobre, e disso depende a sua vida; para que não clame contra ti ao SENHOR, e haja em ti pecado." (Deuteronômio 24:14-15; ARA)

Ao contrário do que muita gente pensa, a Bíblia possui muitas leis de caráter humanitário, escritas milênios antes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Esta foi elaborada na época da Revolução Francesa e teve um foco muito maior nos aspectos dos direitos individuais das pessoas do que em relação às questões sociais, tornando-se bem permissiva quanto à exploração dos trabalhadores na era industrial. Pois, somente com o surgimento do movimento socialista, caracterizado por greves e manifestações dos operários nas ruas, foi que o Estado começou a cuidar efetivamente da criação de normas capazes de limitar o abuso dos patrões.

Contudo, as Escrituras Sagradas sempre se preocuparam com a proteção e o bem estar dos economicamente mais fracos. Mesmo numa época em que ainda havia a escravidão (nada comparado com as atrocidades praticadas contra os negros no nosso período colonial), os autores bíblicos tiveram verdadeiros vislumbres da justiça social. Segundo a tradição judaico-cristã, foi Moisés quem determinou aos israelitas o pagamento em dia do salário dos trabalhadores levando em conta ai a natureza alimentar da obrigação. Como grande legislador que se tornou, ele não desejava que o povo liberto da opressão dos faraós egípcios agisse de modo semelhante aos seus algozes do passado. Daí a preocupação tanto com os estrangeiros quanto com os nacionais.

O fato é que a pobreza pode acabar virando uma condicionante da liberdade. O trabalhador, por ter que suprir as suas necessidades básicas e da família, aceita, por livre e espontânea pressão, receber salários que são aviltantes. Isto sem nos esquecermos da sua exposição aos riscos profissionais de periculosidade e insalubridade, além da penosidade de determinadas tarefas. Ou seja, o condicionamento faz com que o indivíduo abra mão da qualidade de vida que deveria gozar e, dependendo do caso, até de uma parcela da dignidade pessoal que lhe resta.

Assim sendo, penso que não dá para falarmos em direitos trabalhistas sem levarmos em conta a efetividade das políticas públicas de inclusão social, algo que de uma maneira primitiva, porém sempre atual, foi tratado também na Bíblia, conforme lemos novamente em Deuteronômio:

"Quando entre ti houver algum pobre de teus irmãos, em alguma das tuas cidades, na tua terra que o SENHOR, teu Deus, te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás as mãos a teu irmão pobre; antes lhe abrirás de todo a mão e lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade (...) Livremente, lhe darás, e não seja maligno o teu coração, quando lho deres; pois, por isso, te abençoará o SENHOR, teu Deus, em toda a tua obra e em tudo o que empreenderes. Pois nunca deixará de haver pobres na terra; por isso, eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na tua terra." (Dt 15:7-8,10-11)

Nesta outra passagem citada, pode-se verificar mais do que uma simples orientação e sim um princípio a ser seguido. Não importa se a assistência será prestada pelo particular ou pelo Poder Público (hoje em dias é mais adequado que se faça obrigatoriamente pelo Estado), o certo é que ela deve ser suficiente e jamais guiada por segundas intenções. Tanto as doações quanto os empréstimos sem usura devem ser aplicados de acordo com as necessidades de cada caso, juntamente com serviços públicos de qualidade para atender os menos favorecidos.

No Brasil de hoje, apesar de ter ocorrido alguns avanços consideráveis nas políticas sociais, muito ainda precisa ser concretizado. Nem todos os trabalhadores conseguem sair do aperto do aluguel e terem a sua casa própria! A inflação abocanha boa parte da renda das pessoas fazendo com que o aumento salarial dado no começo do ano se perca nos meses seguintes. Isto sem nos esquecermos de que os impostos estão por toda parte, em quase todos os produtos e serviços consumidos, mas retornam de maneira bem desproporcional para a população com meios de transporte super lotados e um SUS que mal funciona. Uma doença pode facilmente desestabilizar a vida de quem labora por causa das dificuldades de atendimento na rede pública de saúde e das humilhações que, com frequência, ocorrem nas perícias médicas do INSS.

Porém, como consequência da boa política assistencial, tem-se um benefício coletivo que é a prosperidade geral da nação, como se lê na segunda citação bíblica que fiz acima. O risco de haver pobreza sempre será uma constante em qualquer sociedade por mais que ela evolua. É justamente por isso que a assistência não pode jamais ser negada a quem de fato precisa dela e deve haver continuidade. Logo, fazer uso eleitoreiro das bolsas sociais seria uma enorme perversidade como muitas das vezes ocorre na nossa nação.

Neste primeiro de maio (coincidentemente é o nome da rua onde moro em Muriqui), apesar de nos depararmos com tantas injustiças ainda praticadas, penso que o trabalhador sempre deve comemorar a sua data. Precisamos cultivar em nós a esperança por um futuro melhor, transmitindo-a às gerações seguintes e fortalecendo cada vez mais as lutas coletivas por um Brasil digno afim de que realmente nos tornemos um "país de todos". Pois, como disse o salmista,

"o necessitado não será para sempre esquecido, e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente" (Sl 9:18).

Um ótimo feriado para todos!


OBS: A foto acima refere-se a uma manifestação ocorrida na cidade do Porto, Portugal, no dia 1º/5/1980. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia com atribuição de autoria a Henrique Matos, conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:1%C2%BA_Maio_1980_Porto_by_Henrique_Matos.jpg