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quarta-feira, 23 de abril de 2014

O "santo" da liberdade religiosa




Confesso que nunca fui devoto do São Jorge e nem de qualquer santo cristão, popular ou de outros credos. Minha formação evangélica de base bíblica ensinou-me a adorar e venerar somente a Deus, sem conferir poderes de intercessão a alguém já falecido por mais que tenha sido uma pessoa justa, caridosa ou ainda realizado milagres em vida.

No entanto, não sendo hoje mais um religioso fundamentalista e tendo ampliado contatos com as doutrinas de igrejas protestantes mais tradicionais (tipo os luteranos e os anglicanos), passei a ver muitos santos sob um prisma diferente. Ou seja, comecei a admiti-los como homens e mulheres exemplares, pessoas dignas de serem prestigiadas ainda que jamais tenham alcançado a perfeição.

Sendo assim, neste dia 23 de abril, resolvi pesquisar sobre a vida do quase lendário São Jorge sem me ater tanto à historicidade dos atos e fatos a ele atribuídos. Deixei de lado alguns contos populares a seu respeito, os quais julguei por demais fantasiosos, e procurei valorizar aquilo que pudesse ser aproveitado para fins de edificação, pelo que encontrei o seguinte relato na Wikipédia em português:

"De acordo com as lendas, Jorge teria nascido na antiga Capadócia, região do centro da Anatólia que, atualmente, faz parte da República da Turquia. Ainda criança, mudou-se para a Palestina com sua mãe após seu pai morrer em batalha. Sua mãe, ela própria originária da Palestina, Lida, possuía muitos bens e o educou com esmero. Ao atingir a adolescência, Jorge entrou para a carreira das armas, por ser a que mais satisfazia à sua natural índole combativa. Logo foi promovido a capitão do exército romano devido a sua dedicação e habilidade — qualidades que levaram o imperador a lhe conferir o título de conde da província da Capadócia. Aos 23 anos passou a residir na corte imperial em Nicomédia, exercendo a função de Tribuno Militar.
Nesse tempo sua mãe faleceu e ele, tomando grande parte nas riquezas que lhe ficaram, foi-se para a corte do Imperador Diocleciano.
Em 302, Diocleciano (influenciado por Galério) publicou um édito que mandava prender todo soldado romano cristão e que todos os outros deveriam oferecer sacrifícios aos deuses romanos. Jorge foi ao encontro do imperador para objetar, e perante todos declarou-se cristão. Não querendo perder um de seus melhores tribunos, o imperador tentou dissuadi-lo oferecendo-lhe terras, dinheiro e escravos. Como Jorge mantinha-se fiel ao cristianismo, o imperador tentou fazê-lo desistir da fé torturando-o de vários modos. E, após cada tortura, era levado perante o imperador, que lhe perguntava se renegaria a Jesus para adorar os deuses romanos. Todavia, Jorge reafirmava sua fé, tendo seu martírio aos poucos ganhado notoriedade e muitos romanos tomado as dores daquele jovem soldado, inclusive a mulher do imperador, que se converteu ao cristianismo. Finalmente, Diocleciano, não tendo êxito, mandou degolá-lo no dia 23 de abril de 303, em Nicomédia (Ásia Menor)." 

Assim, tendo feito as minhas reflexões particulares, concluí que, além de servir como um exemplar soldado cristão, Jorge da Capadócia pode ser visto como um crente fiel ao Senhor bem como um ícone na luta contra a intolerância religiosa ainda reinante no mundo. Trata-se de um cara que não se vendeu ao rei após ter resolvido se declarar cristão na frente de todos, desafiando a política imperial da época.

Confesso que, se estivesse no lugar dele, teria feito diferente. Talvez mantivesse a minha fé discretamente e não tomaria a iniciativa de declarar-me cristão publicamente, exceto se fosse consultado por alguém. Entretanto, suponho ter havido algum contexto específico que o levou a se posicionar radicalmente. Talvez passasse em sua cabeça que o imperador poderia voltar atrás quanto ao decreto e, neste caso, uma eventual revogação beneficiaria inúmeros outros soldados cristãos, evitando que muitos irmãos viessem a ser presos, torturados, mortos ou negassem a Deus.

Seja como for, nada justifica o fato de um ser humano sofrer perseguição pelo credo religioso que professa. Mesmo que o indivíduo resolva anunciar a sua fé aos quatro cantos e pratique inconvenientemente o proselitismo, considerando a crença que segue como a única verdadeira no mundo, temos sempre o dever ético-jurídico de respeitar. Pois, independente de haver normas constitucionais ou legais neste sentido, cuida-se de um direito baseado no livre arbítrio, o qual é concedido a todos por Deus, em que nem o Criador obriga o homem a aceitá-Lo como seu único Senhor.

Penso que nós evangélicos (ou que recebemos uma formação evangélica) precisamos aprender um pouco com essa história do "santo guerreiro". Neste feriado regional de 23/04, ainda que muitos não reconheçam qualquer valor na data comemorada, devemos saber tolerar e respeitar os costumes culturais de quem é católico romano, católico ortodoxo, anglicano e até umbandista. Sair atacando a religião alheia seria uma burra atitude de imaturidade espiritual.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro São Jorge (1472) do pintor renascentista Carlos Crivelli (c. 1435 - c. 1495). Extraí a figura do acervo virtual da Wikipédia, conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Saint_George_-_Carlo_Crivelli.jpg

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