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domingo, 23 de março de 2014

Romário contra o "revenge porn"




Em 2010, quando encontrei o Baixinho fazendo sua campanha política pelas ruas, ainda não levava fé no trabalho que ele iria desenvolver em Brasília. Por sugestão de um conhecido meu do PSB de Nova Friburgo, ligado ao deputado Glauber Braga, fui apertar as mãos do candidato que fazia o seu corpo a corpo com os eleitores entre a Avenida Alberto Braune e a Praça Demerval Barbosa Moreira no citado município serrano do interior fluminense. E dei por garantida a sua vitória nas urnas já que aquele foi o ano do anti-voto e do surgimento de figuras como o palhaço Tiririca, as mulheres melão, pêra, melancia, etc. Glauber e outros socialistas do Rio chegariam finalmente ao Parlamento pelo ingresso na política do ex-jogador.

No caso de Romário, ele veio mostrar que não entende só de bola e tem me surpreendido bastante. Independente de estar bem assessorado, não posso deixar de reconhecer a sua atuação para além das questões esportiva. O herói do tetracampeonato da seleção fez um gol de placa quando apresentou o Projeto de Lei n.º 6.630/13, o qual altera o Código Penal ao tipificar como crime "a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem  autorização da vítima".

A proposição do Baixinho, que tramita apensada ao anterior PL n.º 5.555/13, de autoria do deputado João Arruda (PMDB/PR), trata igualmente de um tema bem atual e busca proteger valores constitucionalmente reconhecidos como a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas, levando em conta os impactos sobre a sociedade com as novas tecnologias de comunicação. Isto porque, com a popularização dos celulares com câmeras digitais, junto com o fácil acesso à internet, multiplicaram-se os casos de pessoas que tiveram suas relações sexuais indevidamente divulgadas através de vídeos em sites pornográficos e nas redes sociais. Algo que muitas das vezes é praticado por um ex-namorado inconformado com o fim da paixão, conduta esta que ficou conhecida como revenge porn, ou "pornografia de revanche", mas que tem feito das mulheres as maiores vítimas. Principalmente por razões culturais e machistas. Senão vejamos o que disse o deputado em sua corajosa entrevista à edição n.º 535 do periódico Tribuna do Advogado que é publicado mensalmente pela OAB/RJ:

" Houve grande avanço tecnológico nos últimos dez anos e as pessoas mudaram a forma de se relacionar e de se comunicar, com a popularização de smartphones, redes sociais, aplicativos de celular. Novos tipos de crime surgiram e ouvíamos delegados dizendo em entrevistas como era difícil tipificá-los. Como legislador, me senti no dever de apresentar o projeto com penas mais duras para estas condutas criminosas (...) A postura da sociedade, principalmente dos homens, é muito cruel. As mulheres que têm sua vida íntima exposta começam a ser abordadas de forma vulgar, recebem até convite para prostituição. É necessária uma mudança de mentalidade, inclusive na hora de reagir ao problema. As vítimas não devem se abater e sim virar o jogo, porque o criminoso cresce na medida em que a vítima se oprime. Elas devem ter a consciência de que foram alvos de um crime e acusar publicamente quem divulgou as fotos" (págs. 30 e 32 da edição de março/2014, matéria Intimidade que fere, de Vitor Fraga)

Conforme noticiaram os jornais, houve casos no país que ganharam grande repercussão quando duas adolescentes cometeram suicídio ao terem suas imagens maldosamente expostas na internet. Júlia, de 17 anos e moradora de Parnaíba, litoral piauiense, chegou a se enforcar logo depois de receber no celular uma mensagem mostrando ela fazendo sexo com uma amiga e um rapaz, todos menores de idade. E, quatro dias depois, em Veranópolis (RS), a estudante Giana também resolveu tirar a própria vida após ser avisada por uma colega da escola de que circulava na internet uma foto em que a mesma aparecia nua.

Embora eu seja contra o excesso de criminalização de condutas, penso que, diante de situações abusivas e extremas como essas, as quais têm se repetido impunemente cada vez mais, torna-se necessário tipificar o ilícito dando-lhe um tratamento mais severo. Seja para desestimular tais violações da intimidade e da imagem das mulheres, como também para ajudar as vítimas a reagirem positivamente. Isto porque, a partir do momento em que a legislação passa a reconhecer algo como penalmente reprovável, o indivíduo lesionado ganha uma força extra afim de enfrentar o seu agressor e dar a volta por cima.

Deste modo, pode-se dizer que o projeto de Romário seria bem revolucionário para uma sociedade ainda machista e preconceituosa como a nossa onde os atos masculinos são aplaudidas nas mesas de boteco e as mulheres quase apedrejadas quando suas preferências ou práticas sexuais não se enquadram no padrão moral estabelecido. Por exemplo, se um rapaz aparecer num vídeo transando com uma garota ou se masturbando, ele é estimado como um "garanhão", mas se for uma moça fazendo sexo, corre o risco de ser ofendida como "prostituta", "vadia", "galinha", dentre outros termos de baixo calão que não convêm serem reescritos. Logo, independentemente de aprovar o que as pessoas fazem entre as quatro paredes e achar ingenuidade alguém deixar ser fotografado, concordo com a proposta do parlamentar desejando que o PL seja aprovado ainda na atual legislatura.


OBS: Foto acima extraída da Agência Brasil com atribuição de autoria a José Cruz conforme consta em http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/galeria/2012-12-04/camara-dos-deputados

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