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sexta-feira, 21 de março de 2014

A disputa entre São Paulo e Rio pelas águas do Paraíba do Sul




Nesta semana, a seca atípica que atinge o Sudeste brasileiro esta época do ano deu um dimensionamento maior a uma antiga questão que envolve os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro gerando conflitos políticos. Trata-se do uso das águas da bacia do Paraíba do Sul para fins de suprimento suplementar do sistema Cantareira na maior região metropolitana do país devido à escassez de chuvas.

A proposta paulista consiste em interligar a represa de Jaguari, na bacia do Paraíba do Sul com a de Atibainha, construindo estação de bombeamento e um túnel num trecho de serra sendo a extensão total de quase 15 quilômetros ao custo de cerca de meio bilhão de reais. De acordo com o governador Geraldo Alckmin, quando o sistema da Cantareira estiver com menos de 35% da capacidade, a água seria bombeada para lá. E para tornar convincente a sua ideia, argumenta ele que, quando o problema for na represa do Paraíba do Sul, esta também poderá ser abastecida pelo Cantareira.

Há tempos que São Paulo tem aumentado indefinidamente a sua demanda por água potável precisando captar esse limitado recurso da natureza em lugares cada vez mais distantes. Inclusive através de projetos que sairão bem caros para o meio ambiente e para os bolsos dos contribuintes a exemplo das obras de grande porte do sistema São Lourenço, orçadas em mais de 2 bilhões de reais e previstas para serem concluídas até 2018. O objetivo, neste caso, é a Sabesp buscar água na represa Cachoeira do França, em Ibiúna, e transportá-la por 80 km de tubulações. Sem dúvida, cuida-se de um consumo que chega a ser elevadíssimo e, inegavelmente, agravado tanto pelo desperdício quanto pela vergonhosa poluição dos mananciais.

A meu ver, é preciso cautela diante da proposta do governador paulista sobre transpor as águas do Paraíba do Sul para abastecer a gigante cidade de São Paulo porque poderá haver sérios prejuízos tanto para o consumo dos cariocas quanto em relação ao meio ambiente. Pois, como se sabe, o abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro é feito basicamente através da captação das águas do Paraíba que, uma vez transpostas para o rio Guandu, são distribuídas para os bairros pela Cedae. E assim tem ocorrido há muitas décadas sendo inegável o dano ecológico na foz do rio em São João da Barra onde o oceano tem avançado sobre seu leito por causa da perda de vazão cada vez maior.

É certo que o uso da água, nas situações de escassez, deve ser prioritariamente para o consumo humano e a dessedentação dos animais, conforme previsto no inciso III do artigo 1º da Lei Federal n.º 9.433/97. Porém, é preciso haver ao mesmo tempo uma certa dose de bom senso afim de não ficar comprometida a vazão mínima de um rio e nem outras atividades como a irrigação de lavouras, a pesca, a geração de energia, o turismo e as captações feitas pela indústria. Por isso torna-se indispensável promover uma cultura de uso racional esgotando inicialmente todos os meios de se economizar e de reaproveitar água para então ser avaliado se justificará ou não fazer a transposição de uma bacia hidrográfica para outra.

Em qualquer caso, a sociedade civil precisa ser sempre ouvida por intermédio dos seus comitês de bacia hidrográfica que, no caso do Paraíba do Sul, é representado através do CEIVAP. Segundo o posicionamento da coordenadora da Rede de Águas da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, Sra. Malu Ribeiro, em entrevista dada à TV Globo dia 19/03, o assunto "não deve ser discutido no gabinete da presidente, mas sim com os integrantes das bacias hidrográficas". Acrescentou ela também que:

"Isso não pode ser tratado com normalidade, porque o Paraíba do Sul também tem nível baixo por conta das atividades que acontecem lá, como extração de areia e plantações de eucalipto. É como uma colcha que, se puxarmos, ficará pequena para todo mundo (...) Essa disputa entre Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo e Minas Gerais faz com que cada gota da água seja preciosa (...) O ideal é que a decisão seja tomada pelos comitês de bacias e pela sociedade em geral"

Evidente que essa questão está se refletindo na esfera político-eleitoral e pode influenciar os resultados da disputa presidencial deste ano ao criar um tipo de bairrismo entre cidadãos paulistas e fluminenses. Dilma, candidata à reeleição, deve estar atenta aos riscos de perda de popularidade caso ela se posicione de um lado ou de outro, de modo que a decisão da Agência Nacional de Águas (ANA) talvez venha a demonstrar uma falsa independência de sua chefe. E, por sua vez, suponho que os oposicionistas tucanos farão de tudo para que o problema vire um tropeço para o PT.

A essas alturas, creio que muita gente no Palácio do Planalto deve estar fazendo a dança da chuva para os reservatórios do Sudeste voltarem à normalidade. Este tem sido um ano bem amargo para a agricultura brasileira pois já passou o verão que é a estação com os maiores índices de pluviosidade e a tendência natural é que o tempo fique cada vez mais seco pelos próximos meses na citada região do país. Isso deve dar mais força ainda ao conflito entre os dois entes da federação fazendo com que o cidadão de São Paulo, insatisfeito com o racionamento de água, cobre dos governos uma solução quase imediata para resolver o incômodo problema.

Concluo dizendo que a transposição de águas para o sistema Cantareira ameniza mas não resolve o problema de São Paulo. E, por se tratar de medida extrema, deve-se buscar em primeiro lugar outras alternativas menos agressivas para o meio ambiente, combater o desperdício e reaproveitar a água já utilizada. Fora isso, nunca podemos esquecer que a causa da escassez de chuvas está no aquecimento global, o que tem provocado secas e enchentes que a cada década tornam-se mais intensas.


OBS: A foto acima foi extraída do blogue Diário do Sistema Cantareira, sendo a notícia e as imagens oriundas do Portal Governo de São Paulo, conforme consta em http://sistemacantareira.com.br/sao-paulo-vai-integrar-sistema-cantareira-e-bacia-do-paraiba-do-sul/

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