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sábado, 30 de novembro de 2013

"Naquele mesmo dia, Herodes e Pilatos se reconciliaram..."



"Levantando-se toda a assembleia, levaram Jesus a Pilatos. E ali passaram a acusá-lo, dizendo: Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei. Então, lhe perguntou Pilatos: És tu o rei dos judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes. Disse Pilatos aos principais sacerdotes e às multidões: Não vejo neste homem crime algum. Insistiram, porém, cada vez mais, dizendo: Ele alvoroça o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui. Tendo Pilatos ouvido isto, perguntou se aquele homem era galileu. Ao saber que era da jurisdição de Herodes, estando este, naqueles dias, em Jerusalém, lho remeteu. Herodes, vendo a Jesus, sobremaneira se alegrou, pois havia muito queria vê-lo fazer algum sinal. E de muitos modos o interrogava; Jesus, porém, nada lhe respondia. Os principais sacerdotes e os escribas ali presentes o acusavam com grande veemência. Mas Herodes, juntamente com os de sua guarda, tratou-o com desprezo, e, escarnecendo dele, fê-lo vestir-se de um manto aparatoso, e o devolveu a Pilatos. Naquele mesmo dia, Herodes e Pilatos se reconciliaram, pois, antes, viviam inimizados um com o outro." (Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículos de 1 a 12; versão e tradução ARA)

Foi abordado no nosso estudo anterior que o Sinédrio judaico buscou que a sua decisão a respeito de Jesus obtivesse também o reconhecimento pelo juízo do dominador estrangeiro porque só as autoridades romanas tinham o poder de condenar alguém à pena capital. Para tanto, era necessário que os sacerdotes e escribas que compunham o tal conselho representassem contra o Mestre como sendo ele um criminoso político e que estivesse instigando revoltas populares. Como pode ser facilmente compreendido na passagem bíblica acima citada, fizeram então falsas acusações sobre Jesus ter se auto-declarado um rei messiânico e ainda proibido o pagamento do tributo a César (verso 2). Afinal, Roma pouco se importava com as disputas religiosas dos povos conquistados de maneira que o procurador Pôncio Pilatos nem apreciaria o caso se lhe apresentassem uma controvérsia versando somente sobre "blasfêmia".

Ao que parece, Pilatos havia compreendido o quanto as acusações contra Jesus eram infundadas e reconheceu a inocência de nosso Senhor (verso 4). Contudo, o texto nos mostra claramente como que ele era um homem de conveniências. Ao exercer a jurisdição, aquele procurador do Império Romano não pretendia distribuir justiça, mas, sim, agradar a quem lhe interessava. E, diante da insistência dos representantes do Sinédrio, não fez o deveria ter sido feito, isto é, libertar Jesus. Antes, pensou em extrair o máximo proveito daquela situação.

De acordo com a História, eis que, na época romana, os delitos eram processados e julgados na província onde foram cometidos. Atentamente, Pilatos havia observado que Jesus seria proveniente da Galileia e que de lá começara as suas pregações. Então, como não lhe interessava decidir a demanda a ele submetida, considerou proveitoso remeter o Mestre para Herodes Antipas que, por aqueles dias, governava a região da Galileia.

Era bem provável que Pilatos e Herodes tivessem seus conflitos políticos e administrativos, principalmente em relação à competência territorial. Até o ano 4 a.C., Herodes, o Grande, governou todo o território de Israel como um rei vassalo de Otávio Augusto. Com a sua morte, o poder da família foi reduzido pela divisão. De acordo com o historiador Flávio Josefo, o imperador

"nomeou Arquelau, não para ser o rei de todo o país, mas para ser etnarca, ou metade do que estava sujeito a Herodes, e prometeu dar-lhe a dignidade real doravante, se governasse a sua parte de forma justa. Mas quanto a outra metade, ele dividiu em duas partes, e as deu aos outros dois dos filhos de Herodes, a Filipe e Herodes Antipas, o qual disputou com Arquelau pelo reino todo. Desta forma, para ele era Pereia e Galileia que deveriam pagar seus tributos, que somavam, anualmente, 200 talentos, enquanto Batanea com Traconites, bem como Auranitis, com uma certa parte do que foi chamado "Casa de Lenodorus", pagassem o tributo de 100 talentos à Filipe. Entretanto a Idumeia, e Judeia, e o país de Samaria, pagavam tributo à Arquelau, porém tinham a partir dali uma quarta parte desse tributo retirado por ordem de César, que decretou a eles aquela mitigação, devidos eles não terem se unido nesta revolta com o resto da multidão" (Antiguidades 17, capítulo 12, versos 317-319)

Nos dias do ministério de Jesus, a presença dos procuradores romanos e dos governadores das províncias certamente criava obstáculos para a consolidação do poder político da família de Herodes. Nesse jogo do poder, buscava-se ao mesmo tempo bajular César e ampliar a popularidade pessoal obtendo o máximo de apoio interno dentro da sociedade judaica. Principalmente entre os sacerdotes e os grupos religiosos dos fariseus que tinham alguma influência sobre as massas, ajudando a controlar os ânimos dos revoltosos. Roma queria continuar dominando aquela complicada região do Oriente Médio que era a Palestina cujos súditos não se submetiam tão facilmente. E um dos motivos sempre foram as fortes questões culturais já que os judeus não se deixavam assimilar tão facilmente, preservando com o sangue os seus radicados costumes.

Embora Herodes Antipas fosse um idumeu, e não de origem judaica, ele se encontrava em Jerusalém por ocasião da Páscoa. Enquanto os procuradores romanos mantinham-se alheios às festividades populares dos judeus, era compreensível que aquele rei tributário desejasse parecer com alguém do povo que governava. Afinal, fora seu pai quem reformara o Templo de Jerusalém e ele, mesmo descumprindo os principais mandamentos da Lei de Deus (pois vivia numa relação adúltera com Herodias, esposa de seu irmão Filipe, e ainda decapitou a João Batista na prisão), interessava-lhe participar daquela importante peregrinação religiosa na Cidade Sagrada.

Quando Jesus ainda estava na Galileia, Herodes já tinha o interesse de vê-lo porque ouvia notícias extraordinárias a seu respeito (Lc 9:7-9). Provavelmente o monarca sentisse certa curiosidade pelo sobrenatural pois o texto bíblico acima transcrito informa que ele esperava ver algum sinal (23:8). Porém, o Mestre jamais realizou milagres por encomenda como se estivesse num espetáculo da mágicas. Nosso Senhor não fazia um uso indevido dos dons do Espírito Santo que lhe foram dados na ocasião do seu batismo no rio Jordão para uma finalidade evangelística. Nunca para entreter um sujeito profano que não tinha qualquer interesse por se arrepender. Sabemos que, no seu ministério, Jesus acolheu publicanos, prostitutas e todos os pecadores dispostos a se converter, o que não era o caso do governador de sua província a quem chamou de "raposa". Aliás, vale destacar que, desde o capítulo 13, por intermédio dos fariseus, Jesus havia dado este recado ao rei:

"Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje a amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei [ressuscitarei]. Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém." (13:32-33)

Vendo que não havia conseguido o que pretendia, Herodes começou a zombar de Jesus. Se ele realmente ameaçou o Senhor de morte quando o Mestre ainda estava na Galileia, na vez em que obteve a chance de julgá-lo parece ter tentado contornar a situação fazendo escárnios diante dos sacerdotes e escribas. No fundo, ele sabia que os membros do Sinédrio pretendiam condenar à morte um inocente e, como viu que não bastavam aquelas ridicularizações, devolveu Jesus para Pilatos. Há quem diga que o fato do rei ter praticado tais zombarias seria porque não levou tão a sério a acusação.

Com exclusividade, o 3º Evangelho relata que, naquele dia, Herodes e Pilatos se reconciliaram. Suponho ter o rei visto no ato do procurador romano uma demonstração de respeito pela sua competência jurisdicional e, talvez, tenha interpretado aquilo como um sinal de aproximação política. Assim, podemos ver que o autor sagrado de uns 2000 anos atrás já escrevia sobre toda a podridão existente no sistema político de seu tempo, o que não é muito diferente da atualidade. As autoridades da Palestina na época de Jesus pouco se importavam com a realização da justiça e nem com a vida humana. Condenavam, absolviam ou se abstinham de julgar sempre por mera conveniência.

Penso que este é um grave problema que acompanha a trajetória histórica de muitos povos. Inclusive do nosso Brasil onde só recentemente temos visto políticos graúdos sendo presos como no caso do Mensalão. Mesmo assim, ainda tem prevalecido um sentimento de conveniência cujas raízes estão no nosso comportamento social onde os interesses particulares continuam prevalecendo.

Perante aqueles homens injustos, Jesus permaneceu quase todo o tempo calado. Não proferiu nenhuma palavra a Herodes e, quando Pilatos perguntou se ele era o "rei dos judeus", sabiamente se posicionou dizendo: "Tu o dizes" (ou "assim você diz"). E, deste modo, nosso Senhor manteve em todo o tempo a sua integridade, mostrando que não era nenhum revoltoso. Não buscou fazer qualquer acordo que pudesse livrá-lo de algum julgamento desfavorável, mas se conservou fiel a Deus entregando-se irrestritamente à vontade soberana do Pai. Foi uma admirável atitude de fé, a qual deve hoje nos inspirar para que a Igreja preserve-se limpa sempre que vivenciar circunstâncias semelhantes.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra do artista italiano Duccio di Buoninsegna (c. 1255/1260 - c. 1318/1319), a qual mostra Jesus perante Pilatos (acima) e Herodes Antipas (abaixo). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia conforme consta ampliadamente em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Duccio_di_Buoninsegna_027.jpg

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Desde agora, estará sentado o Filho do Homem à direita do Todo-Poderoso Deus"



"Logo que amanheceu, reuniu-se a assembleia dos anciãos do povo, tanto os principais sacerdotes como os escribas, e o conduziram ao Sinédrio, onde lhe disseram: Se tu és o Cristo, dize-nos. Então, Jesus lhes respondeu: Se vo-lo disser, não o acreditareis; também, se vos perguntar, de modo nenhum me respondereis. Desde agora, estará sentado o Filho do Homem à direita do Todo-Poderoso Deus. Então, disseram todos: Logo, tu és o Filho de Deus? E ele lhes respondeu: Vós dizeis que eu sou. Clamaram, pois: Que necessidade mais temos de testemunho? Porque nós mesmos o ouvimos da sua própria boca." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 66 a 71; versão e tradução ARA)

Dentre os três evangelhos sinóticos, Lucas é o que apresenta a versão mais curta do interrogatório de Jesus perante o Sinédrio. Este era um conselho dos judeus, composto pelos principais sacerdotes e escribas leigos, dentre os quais, certamente, achavam-se também representantes do partido religioso dos fariseus. Eles se reuniram pela manhã porque o julgamento de uma pessoa precisava ocorrer durante o dia.

Na versão do 3º Evangelho, o autor sagrado omite o trecho que fala das testemunhas falsas (conf. com Mt  26:59-62; Mc 14:55-61), porém relata o principal acontecimento deste episódio que é a falsa acusação de blasfêmia. Pois consideraram Jesus um réu de morte, buscando eles agir de modo que a decisão do Sinédrio pudesse ter também o reconhecimento pelo juízo do dominador estrangeiro (só as autoridades romanas tinham o poder de condenar alguém à pena capital). Portanto, tornava-se necessário caracterizar a conduta de Jesus como sendo de sedição. Eis aí o motivo das capciosas perguntas formuladas, inclusive a do verso 70 envolvendo o título "Filho de Deus", o que ainda pretendo explicar melhor mais a frente neste mesmo texto.

Há que se considerar um aspecto contextual focado pelo evangelista que, provavelmente, já conhecia o relato original do 2º Evangelho e, por isso, teria desejado ressaltar outros aspectos que considerou mais importantes na transmissão das boas-novas do Reino aos destinatários do livro. Por algum motivo de cunho teológico, o autor nos dá a entender que as perguntas feitas a Pedro quanto ao seu discipulado de Jesus (Lc 22:54-62) e o interrogatório do nosso Senhor teriam ocorrido simultaneamente. Em ambos os episódios, haveria em comum os questionamentos sobre a identidade pessoal.

De fato, inúmeros paralelos dentro do próprio Evangelho de Lucas podem ser estabelecidos em relação à passagem bíblica em comento, os quais seriam, indubitavelmente, enriquecedores para fins de edificação e de aprendizado interpretativo. Porém, nunca devemos nos afastar demais daquilo que a narrativa quer a princípio nos comunicar. E, no caso, o Sinédrio pretendia que Jesus incriminasse a si mesmo identificando-se com algum tipo de messias que se opusesse diretamente ao dominador romano, configurando, assim, a atitude de sedição.

Contudo, como estudamos nas controvérsias do capítulo 20, nosso Senhor jamais entrou no jogo dos seus opositores. A primeira pergunta apresentada nesta seção seria para Jesus se auto-declarar Cristo/Messias que, tanto no hebraico como no grego, quer dizer "ungido". Tratava-se de uma afirmação que o Mestre não fazia de si próprio. Em nenhum momento de seu ministério Jesus ficou pregando para as multidões "eu sou o messias, creiam em mim". Na vez em que Pedro o confessou como o Cristo, sua recomendação foi para que os discípulos não declarassem tal coisa a ninguém (Lc 9:21), conforme abordei no artigo "Quem dizeis que sou eu?".

Verdade é que Jesus soube protagonizar o messiado como nenhum outro ungido. Por isso é que ele nunca precisou se auto-recomendar, ou pedir para que outros o anunciassem daquela maneira, porque a sua unção se demonstrava por atitudes autênticas. Mas eram atitudes que requeriam fé para serem compreendidas. Assim, ele respondeu ao Sinédrio que, se dissesse ser o Cristo, seus opositores não acreditariam e, caso lhes perguntasse, de modo algum os caras também iriam querer responder.

Contudo, a resposta dada por Jesus não parou por aí. No verso 69, o Senhor mencionou algo que parece ter fundamento em antigas profecias. Isto porque, segundo os textos paralelos de Mateus e de Marcos, torna-se mais nítida a referência aos versos 13 e 14 de Daniel 7. Senão leiamos a narrativa do 2º Evangelho da qual Lucas depende:

"Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu." (Mc 14:61b-62)

É certo que, em Marcos, a pergunta foi formulada de maneira um pouco diferente pois acrescenta o elemento "Filho de Deus" que constará só no verso 70 do capítulo 22 de Lucas. Também a resposta de Jesus fornecida no 3º Evangelho omite a vinda do Filho do Homem com as nuvens, mas nos trás a locução "desde agora".

Quer possamos ou não relacionar a referência de Daniel ao texto de Lucas, o certo é que Jesus teria anunciado ao Sinédrio o Filho do Homem em seu momento de triunfo ao lado do Onipotente. O messias sofredor de Isaías 53 que, naquele momento, podia ser ridicularizado e humilhado (Lc 22:63-65), desde então estava sendo exaltado perante o Soberano do Universo.

Eu diria que essa foi a pedra de tropeça para muitos nos dias de Jesus, inclusive para os seus discípulos. Uma interpretação parcial das profecias bíblicas alimentava a esperança dos judeus do século I sobre a vinda de um messias que libertasse Israel do conquistador estrangeiro. Identificar o Ungido com a figura do "servo sofredor" do Livro de Isaías não correspondia às expectativas de quem era cotidianamente massacrado pelos romanos. Mas ali, no auge de sua humilhação, quando parecia derrotado, o Salvador falou de vitória. Seria o triunfo alcançado pela via inversa. Algo que Paulo explica em uma de suas epístolas (Fp 2:5-11).

Para os inquisidores de Jesus, as palavras do Senhor foram como sementes lançadas sobre um solo impermeável de modo que pretendiam levar adiante o plano homicida que tinham desde o começo (Lc 22:2). Afim de acusarem o Mestre de blasfêmia, tentaram por em sua boca a confissão de ser ele o "Filho de Deus", o que, dentro do contexto da época, significava se colocar no mesmo status do imperador romano.

Importante esclarecer que quem primeiro se proclamou (ou foi proclamado) "filho de Deus" teria sido o imperador Otávio Augusto. Ao trazer uma era de prosperidade e segurança às populações da parte oriental do império romano, a "Paz Romana", os povos da Ásia Menor resolveram divinizá-lo como costumavam fazer em muitos lugares do antigo oriente, na Pérsia e Mesopotâmia. Otávio autorizou o culto à sua pessoa e à deusa Roma e assim fizeram na cidade de Pérgamo (o lugar onde fica o "trono de Satanás" segundo Ap 2:13). E, numa inscrição datada de 3 a.C., procedente de uma cidade situada ao norte da região onde ficavam as sete igrejas do Apocalipse, constava algo que refletia o sentimento de gratidão das elites provinciais da Península Anatólia daqueles tempos, sendo meu o destaque:

"No terceiro ano a partir do décimo consulado do Imperador César Augusto, filho de um deus (...) o seguinte juramento foi feito pelos habitantes de Paflagônia e pelos comerciantes romanos que moram entre eles: Juro por Júpiter, Terra, Sol, por todos os deuses e deusas, e pelo próprio Augusto, que serei leal a César Augusto e a seus filhos e descendentes durante toda a minha vida, em palavras, ações, e pensamentos, considerando amigos os que eles consideram amigos (...) que na defesa dos interesses deles não pouparei corpo, nem alma, nem vida, nem filhos (...)". (extraído do Manual Bíblico da Sociedade Bíblica do Brasil, pág. 767)

Certamente que os judeus não iriam aceitar a figura de um imperador divinizado e jamais prestariam culto à sua pessoa, ou ainda à deusa Roma. Então, como uma antítese ao título "filho de um deus", surgiu primeiramente entre os essênios a ideia de proclamarem ser o Messias o Filho de Deus. E isto aparece nos Manuscritos do Mar Morto encontrados na caverna de Qumran em meados do século passado, onde o messias dos essênios é considerado um filho de Deus e chega a receber louvação.

Não crendo nas palavras de Jesus, o Sinédrio teria feito a uma opção pelo senhorio de Tibério César. Os membros daquele conselho não quiseram reconhecer o reinado de Deus pelo Filho do Homem que lhes fora enviado. Seus olhos só conseguiam enxergar ali apenas um ser humilhado/desamparado, totalmente indefeso diante dos golpes e dos bofetões praticados pelos guardas do Templo. As mentes deles só dariam crédito a quem demonstrasse poder e força, nunca a fraqueza. Se algo sobrenatural acontecesse ali, tipo um livramento divino por intermédio dos anjos, aqueles sacerdotes certamente mudariam logo as suas posições e se ajoelhariam pedindo misericórdia, o que seria resultado da conveniência e jamais de uma conversão genuína. Assim, não tiveram outro sinal senão o do profeta Jonas (Lc 11:29), sendo certo que os saduceus não criam na ressurreição dos mortos o que lhes impossibilitava compreender como seria a exaltação posterior do Mestre.

Em termos de aplicação pessoal, penso que para nós hoje ainda continua sendo um grande teste de fé aceitarmos o discipulado de Jesus conforme a sua proposta de vida humilde. Nem todos estão realmente dispostos/interessados a seguir o Senhor em seus passos, mas preferem dar crédito a um outro evangelho de riquezas e de triunfalismo barato que não corresponde às boas novas trazidas por Cristo. O ensino do Mestre consiste em caminhar pela via inversa do apodrecido sistema social, político e econômico em que o homem é seduzido pelas demonstrações exteriores de poder.

Todavia, na sucessão de impérios que havia sonhado o profeta Daniel, caracterizado pelas imagens de quatro "animais", o falso poder temporal é contrastado pelo surgimento entre as nuvens de "um como o filho do homem" ("um ser humano" conforme o original em aramaico). Alguém que estabelece o "domínio eterno" não se valendo das mesmas armas daqueles que, na verdade, desgovernam a Terra. E, por isso, desde que o nosso Senhor foi humilhado, uma importante mudança aconteceu, a qual deve ser aplicada também aos sofrimentos que experimentamos aqui pelo Evangelho. Portanto, precisamos estar atentos aos valores desse Reino originário do céu e que veio até nós por iniciativa divina como aprendemos exemplarmente com Jesus.


OBS: A ilustração acima refere-se à pintura Julgamento de Jesus do artista e arquiteto italiano Giotto di Bondone (1266-1337). A obra encontra-se na Capela Scrovegni (também conhecida como Capela Arena) que fica em Pádua, na região do Vêneto, nordeste da Itália. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Giotto_-_Scrovegni_-_-32-_-_Christ_before_Caiaphas.jpg

Pra que tantas partidas no futebol brasileiro?!




Ontem tive o prazer de assistir a admirável conquista do tricampeonato do Flamengo na Copa do Brasil assim como pude acompanhar os últimos posicionamentos da CBF quanto às reivindicações do movimento Bom Senso Futebol Clube, o qual defende as seguintes propostas, entre as quais podemos situar a crítica dos jogadores ao excesso de partidas nas competições:

1- Calendário do futebol nacional;
2- Férias dos atletas;
3- Período adequado de pré-temporada;
4- Fair Play financeiro;
5- Participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol.

Embora no entender de muitos os jogadores podem estar reclamando de "barriga cheia", visto que são suficientemente bem pagos pelos grandes clubes (alguns recebem salários até milionários), vejo razão quanto às citadas reivindicações. Inclusive no que diz respeito às férias porque, nesses meus quase quarenta anos de vida, já experimentei os dois lados da vida. Sei o que significa ter algum dinheiro e nenhum tempo para aproveitar passeando com a família num período razoável de férias, assim como o inverso (bastante tempo livre e nada de recursos para viajar). Aliás, há anos que a OAB batalha para que os advogados possam, finalmente, gozar férias, o que está previsto no projeto do novo Código de Processo Civil ainda em trâmite no Congresso.

Quanto ao excesso de partidas, este seria um dos principais motivos pelo qual apoio o Bom Senso F. C. porque entendo ser algo muito prejudicial para a organização da sociedade no enfrentamento das questões políticas mais relevantes. Pode-se dizer que, nos últimos cem anos, determinadas competições esportivas, entre elas o futebol, tornaram-se um dos componentes da velha política do "pão e circo" utilizada pela antiga aristocracia romana para anestesiar a plebe. Pois, nos dias de hoje, após os últimos jogos da temporada do Brasileirão, finalizado nas primeiras semanas de dezembro, eis que os campeonatos estaduais logo se iniciam na segunda quinzena de janeiro, bem no auge do verão. Assim, havendo tanta distração, nem sempre o trabalhador consegue focar o seu interesse nas mudanças que precisam ser conquistadas afim de mudar a sua condição exploratória.

Tenho pra mim que um dos motivos que levou a população brasileira a aderir aos protestos nos meses de junho e de julho deste ano teria sido a suspensão das competições esportivas entre clubes durante a Copa das Confederações, a qual envolveu somente seleções. Para grande parte do público, torcer pelo Brasil já não proporciona a mesma emoção do que acompanhar o desempenho do seu time, bebemorar etilicamente e, no dia seguinte, poder encarnar o colega de trabalho que torce pela equipe adversária. Por isso, a propaganda automobilística Vem pra rua acabou gerando um efeito bem diferente do que esperavam os seus patrocinadores. O cidadão dirigiu-se para as principais vias e praças das capitais do país, mas não de carro e, sim, a pé em passeatas que reuniram milhões de manifestantes.

Apesar de não ver o protesto como sendo a única maneira para um povo expressar a sua voz, considero importante que a população tenha uma melhor oportunidade de debater os seus principais problemas e de formular propostas. Assim, acredito que, com o atendimento das reivindicações dos atletas de futebol, os movimentos sociais no Brasil terão melhores condições de evoluir, criando uma pauta de assuntos coletivos, aumentando a pressão sobre as nossas autoridades políticas e obrigando-as a dialogarem.

OBS: A ilustração acima refere-se ao logotipo utilizado pelo movimento Bom Senso F. C. de autor desconhecido.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A covardia do homem contra o homem de todos os tempos exposta no Evangelho



"Os que detinham Jesus zombavam dele, davam-lhe pancadas e, vedando-lhe os olhos, diziam: Profetiza-nos quem é que te bateu? Em muitas outras coisas diziam contra ele, blasfemando." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 63 a 65; versão e tradução ARA)

Como temos visto nesses estudos sequenciais sobre o 3º Evangelho, Jesus havia sido preso pelos guardas do sumo sacerdote (Lc 22:47-53) e estava aguardando o seu julgamento pelo Sinédrio assim que amanhecesse (22:66-71). O Salvador ainda não fora castigado com a dura pena de açoites, mas uns serviçais começaram a humilhá-lo covardemente sem qualquer razão para tanta violência. O verso 64 nos dá a entender que eles estivessem até se divertindo com aquela zombaria.

No momento de sua prisão, o Mestre disse aos que vieram buscá-lo que, diariamente, encontrava-se com eles no Templo, mas ninguém lhe pusera as mãos (v. 53). E isto se explica pelo fato das autoridades religiosas terem temido pela reação do povo (19:47-48). Tanto é que precisaram do auxílio de um traidor para que aquele ato ilegal de restrição da liberdade ocorresse "sem tumulto" (20:6).

Entretanto, quero focar desta vez na conduta dos que trabalhavam para o sistema político-religioso que os oprimia. Homens do povo iguais a nós que eram semelhantemente explorados pelos seus respectivos patrões e mal pagos para defenderem os interesses da elite local dos saduceus, a qual, como expus do artigo "Deus não é Deus de mortos", compunha-se por homens riquíssimos de Israel ainda que subservientes a Roma.

Logo nos primeiros capítulos do Evangelho, João Batista havia orientado os soldados que não maltratassem a ninguém e nem dessem denúncia falsa, mas se contentassem com o salário que eles recebiam (3:14). Ou seja, seria compreensível que, por uma razão de necessidade e de sustento pessoal/familiar, alguém precisasse continuar empregado como guarda do Império Romano ou do Templo. Porém, eles não deveriam se exceder no exercício daquelas funções.

Ora, não foi o que aconteceu quando Jesus esteve nas mãos daqueles "policiais" mesmo ele tendo se entregado sem resistência alguma e chegando a curar um deles cuja orelha fora cortada pela espada de seu discípulo (22:50-51). Ou seja, não existiam motivos para maltratarem um homem que só fazia o bem, mas podemos tentar explicar esse comportamento agressivo e covarde. Algo que depois se repetiu no interrogatório de Herodes (23:11) e na cruz (23:36-37).

Chama-me a atenção o gosto pela crueldade por quem é de alguma maneira esbofeteado por seus superiores hierárquicos. Por causa da perda de consciência de si próprio, o indivíduo violentado tende a reagir descontando em quem se encontra vulnerável em suas mãos. Quer seja num prisioneiro algemado, em sua esposa, no próprio filho e até num animal de estimação indefeso. Trata-se de uma solução errada encontrada pelo sujeito frustrado afim de descarregar a sua revolta incontida de uma maneira substitutiva.

Percebo que o nosso Brasil viveu e ainda vive muito disso em sua trajetória histórica. Na época do regime militar, quem garante não terem muitos torturadores espancado pessoas afim de também extravasarem a maldade que os mesmos recebiam de seus chefes? Estariam eles apenas cumprindo ordens? E o que dizermos hoje acerca das cenas de violência policial frequentemente exibidas nos telejornais do país? Aliás, se agora a TV mostra algo assim nas periferias das cidades, devemos lembrar que, até uns tempos atrás, o abuso cometido por PMs em determinadas comunidades carentes contra o trabalhador era um acontecimento quase sempre abafado pelo sistema em que não havia ainda essa facilidade de divulgação proporcionada agora pela internet, sendo certo que essa realidade injusta ainda se manteve por vários anos mesmo depois de promulgada a nossa Constituição de 1988...

Se lembrarmos de Jesus, saberemos que o nosso Senhor também foi vítima dessa repugnante violência policial quase sempre dirigida contra o pobre. Neste século XXI, graças ao desenvolvimento dos direitos humanos e da democracia, a nossa sociedade está paulatinamente virando uma página de horror da história brasileira que já dura mais de 500 anos e matou incontáveis Amarildos. Creio, porém, não bastarem apenas leis para eliminarmos por completo as raízes de tal comportamento doentio e criminoso. Não somente as unidades policiais devem ser humanizadas (apoio plenamente o fim da militarização do policiamento ostensivo), como precisamos nos auto-compreender afim de lidarmos melhor com o instinto agressivo aprendendo sobre como procederemos nas difíceis horas quando aflora o sentimento de querer descontar no outro as frustrações pessoais.

Conforme bem sabemos, Jesus perdoou expressamente os que lhe maltratavam (23:34), sobre o que ainda pretendo escrever na sequência. O Mestre compreendia suficientemente que os seus torturadores não sabiam o que faziam e daí eu diria que o caminho para nos conscientizarmos se passa pela auto-avaliação das condutas que exteriorizamos, assim como pelo entendimento das emoções não manifestadas. Enfim, eis aí a antiga tarefa até hoje não realizada pelo homem sobre tentar conhecer melhor a ele mesmo como já diziam os sábios gregos da época de Platão anteriores a Jesus.


OBS: A ilustração acima trata-se de uma obra anônima do século XVII que mostra a zombaria feita com Jesus na casa do sumo sacerdote. O quadro encontra-se atualmente no Museu do Louvre, em Paris, França. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:17th-century_unknown_painters_-_Mocking_of_Christ_-_WGA23963.jpg

domingo, 24 de novembro de 2013

"Pedro se lembrou da palavra do Senhor (...) saindo dali, chorou amargamente"



"Então, prendendo-o, o levaram e o introduziram na casa do sumo sacerdote. Pedro seguia de longe. E, quando acenderam fogo o meio do pátio e juntos se assentaram, Pedro tomou lugar entre eles. Entrementes, uma criada, vendo-o assentado perto do fogo, fitando-o, disse: Este também estava com ele. Mas Pedro negava, dizendo: Mulher, não o conheço. Pouco depois, vendo-o outro, disse: Também tu és dos tais. Pedro, porém, protestava: Homem, não sou. E, tendo passado cerca de uma hora, outro afirmava, dizendo: Também este, verdadeiramente, estava com ele, porque também é galileu. Mas Pedro insistia: Homem, não compreendo o que dizes. E logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. Então, voltando-se o Senhor, fixou os olhos em Pedro, e Pedro se lembrou da palavra do Senhor, como lhe dissera: Hoje, três vezes me negarás, antes de cantar o galo. Então, Pedro, saindo dali, chorou amargamente." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 54 a 62; versão e tradução ARA)

Foi anteriormente estudado no artigo "(...) quando te converteres, fortalece os teus irmãos" que, durante o íntimo momento da Ceia, Jesus havia predito as três negações de Simão Pedro e, na sequência, o Mestre saiu para orar no Monte das Oliveiras (Lc 22:39-46), onde veio a ser ilegalmente preso (Lc 22:47-53). Estes últimos acontecimentos sucederam na calada da noite, longe das vistas das multidões, e com o auxílio de um traidor sobre o qual os discípulos chegaram a discutir entre si procurando pela identidade do tal indivíduo (Lc 22:23).

Entretanto, com o episódio da negação de Pedro, aprendemos a nos reconhecer igualmente como seres humanos passíveis de semelhantes falhas e incapazes de manter imaculada em todo tempo a nossa integridade como servos de Cristo. Descobrimos que muitas das vezes (ou quase sempre) ainda não estamos tão prontos para seguir a Jesus em todos os passos que o Mestre deu. E, quando pensamos soberbamente que controlamos as nossas ações/palavras, somos então dirigidos pelos sentimentos mais baixos/covardes.

Não podemos ignorar que Pedro teve uma certa dose de coragem para entrar no pátio da casa do sumo sacerdote. Informa o texto que o discípulo teria "seguido de longe" a Jesus, de modo que precisamos valorizar alguns aspectos de sua atitude ainda que imperfeita. Aliás, o autor sagrado não diz que algum outro dos doze teria acompanhado o Mestre até lá. No texto do 2º Evangelho consta a informação de que, após a prisão, os apóstolos abandonaram o Senhor e se evadiram (Mc 14:50), assim como foi frustrada a tentativa do jovem anônimo que, vergonhosamente, fugiu nu dos guardas (Mc 14:51-52). Portanto, segundo a tradição dos sinóticos (não de João), Pedro é o único homem mencionado pelos respectivos escritores que teria agido com tão grandiosa ousadia.

Contudo, quanto mais ousamos, maior é o risco que assumimos tendo em vista a nossa exposição. Assim, a iluminação da fogueira acesa mostrará ser também Pedro o único dentre os demais discípulos de Jesus que o negou confessionalmente por três vezes. Se os outros não agiram dessa maneira, devemos considerar que os mesmos não permaneceram vulneráveis diante de uma situação tão adversa. Na casa do sumo sacerdote, Simão foi testado não apenas em relação ao medo mas também no que diz respeito à vergonha e sua identidade como seguidor de Cristo numa circunstância vexatória. Ali o Mestre estava permitindo que fizessem dele um prisioneiro e o humilhassem. Nenhum milagre foi realizado naquela hora! Conforme havia predito o profeta, o Salvador "foi como cordeiro levado ao matadouro" (Is 53:7), o que era uma visão ainda encoberta aos olhos dos apóstolos acerca do Messias.

Recordo que, em minha infância, tive grande orgulho de meu avô paterno logo quando fui morar com ele em 1985, uns dezesseis meses depois do falecimento de papai. Ainda no final de seus sessenta anos, o velho coronel Ancora gozava de plena saúde fazendo em casa alguns dos exercícios de rotina que praticou nas suas três décadas e meia de serviço militar. Eu muito me cansava quando o acompanhava pelas ruas da cidade mineira de Juiz de Fora. Diante dos meus colegas de escola, não escondia minhas emoções em apresentá-lo como um segundo pai. Porém, cerca de um decênio depois, o vigor físico do vovô já não era mais o mesmo assim como a sua memória foi falhando. Em minha estupidez de adolescente imaturo, sentia uma vergonhosa vergonha quando me encontrava na rua em sua companhia. Queria ao meu lado um avô incapaz de adoecer/envelhecer.

Assim é que entendo a crise dos discípulos quando Jesus se deixou prender pelos guardas do Templo e não reagiu. Talvez eles tenham também se decepcionado por não encontrarem mais no Mestre um substituto para o rei Davi que lutara contra o gigante filisteu. Se tiveram medo, este sentimento só teria aflorado em momento posterior à prisão porque, quando os soldados chegaram, eles ainda perguntaram se seria para resistirem fazendo uso da espada (Lc 22:49). E, se foi Pedro quem cortou a orelha direita do servo do sumo sacerdote, como relata a tradição independente do 4º Evangelho (Jo 18:10), temos aí mais um elemento capaz de caracterizar a coragem do discípulo.

Mas como conseguimos ser tão ambíguos, não é mesmo?!

Considero que o comportamento oscilante de Pedro ajuda a fazer um diagnóstico do próprio homem. Com ele aprendemos que somos capazes de errar reincidentemente e nas mesmas coisas (a repetição de um acontecimento por três vezes torna-se algo emblemático na visão judaica). Todavia, também aprendemos com o discípulo que devemos estar permanentemente dispostos ao arrependimento e a novos começos. Após o galo cantar, o Evangelho de Lucas narra com exclusividade ter Jesus voltado os olhos para o seu seguidor (22:61), fazendo com que se lembrasse de suas palavras.

Não consigo ver nesse olhar de Jesus uma reprovação ou, menos ainda, qualquer ressentimento ruim de mágoa/ódio. Nosso Senhor sempre esteve acima dessas coisas. O que percebo em seu gesto seria a mais pura compreensão dos limites da nossa humanidade. É a misericordiosa postura de quem  me diz que, apesar da maneira como possa ter vivido parte da adolescência e juventude no trato com as pessoas, ainda posso aprender a amar o meu semelhante, quer seja na força ou na fraqueza.

Diferentemente de Judas, que, de acordo com o 1º Evangelho, havia sido dominado pelo remoço e cometido suicídio (Mt 27:3-5), eis que o choro de Pedro foi sinal de um genuíno arrependimento. Suponho que Simão desejou ficar a sós e, tendo as palavras de Jesus penetrado dessa vez no seu íntimo, creio que, finalmente, ele se auto-compreendeu. Não somente tomou consciência do mal que era capaz de cometer, mas que também precisava aceitar o perdão que fora anteriormente liberado pelo Mestre desde a Ceia (Lc 22:34).

Alguns estudiosos afirmam que as passagens bíblicas sobre a tripla negação de Pedro teriam ajudado muitos cristãos do passado a não desistirem da causa do Evangelho quando foram forçados a negar Jesus confessionalmente diante dos torturadores romanos. Penso, porém, que, na atualidade nossa do Ocidente, onde a Igreja se vê temporariamente livre das violentas perseguições estatais, o episódio ainda seja ainda aplicável para as vezes quando a fé é negada por meio das condutas que praticamos, quer sejam comissivas ou omissivas. Dentro do discipulado de Cristo, é possível errar e falhar feio, mas o olhar compreensivo/amoroso de Jesus está fixado em nós afim de nos ajudar. Para que venhamos sempre a nos arrepender e retomar a caminhada nos passos do Mestre.

Uma semana abençoada para todos!


OBS: A ilustração acima refere-se à pintura As Lágrimas de Pedro (década de 1580) do artista cretense Doménikos Theotokópoulos (1541-1614), mais conhecido como El Greco. A obra encontra-se atualmente no Bowes Museum, em Teesdale, Condado de Durham, Inglaterra. A imagem foi extraída do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Las_lagrimas_de_san_Pedro_El_Greco_1580.jpg

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Lições que extraímos da prisão de Jesus




Como vimos no estudo bíblico anterior, Jesus tinha ido ao Monte das Oliveiras afim de orar, preparando-se interiormente para suportar o seu sofrimento conforme as Escrituras hebraicas previam acerca do Filho do Homem. No entanto, ele havia encontrado os discípulos dormindo pelo que lhes advertiu repetidamente sobre a importância da oração "para não entrarem em tentação" (Lc 22:46). Mas, naquele mesmo momento, o grupo foi então surpreendido com a chegada da guarda do Templo, a qual viera com o intuito de prender o Mestre, de maneira que nem foi possível haver uma outra chance para eles colocarem em prática o reiterado ensinamento.

"Falava ele ainda, quando chegou uma multidão; e um dos doze, o chamado Judas, que vinha à frente deles, aproximou-se de Jesus para o beijar. Jesus, porém, lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do Homem? Os que estavam ao redor dele, vendo o que ia suceder, perguntaram: Senhor, feriremos à espada? Um deles feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a orelha direita. Mas Jesus acudiu, dizendo: Deixai, basta. E, tocando-lhe a orelha, o curou. Então, dirigindo-se Jesus aos principais sacerdotes, capitães do templo e anciãos que vieram prendê-lo, disse: Saístes com espadas e porretes como para deter um salteador? Diariamente, estando eu convosco no templo, não pusestes as mãos sobre mim. Esta, porém, é a vossa hora e o poder das trevas." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 47 a 53; versão e tradução ARA)

Podemos destacar pelo menos quatro pontos da narrativa do 3º Evangelho sobre o episódio da prisão de Jesus. Seriam a já comentada falta de preparação espiritual dos discípulos, o beijo traidor de Judas, o uso da violência por um dos seguidores para defender o Mestre, e as palavras que o Senhor dirigiu aos que vieram detê-lo portando armas como se estivessem atrás de um bandido. Extraímos daí importantes aprendizados para a Igreja e para a humanidade em geral a partir da leitura atenta desse texto bíblico em análise. O autor sagrado nos ensina aqui a não medirmos forças físicas na luta pela construção do Reino de Deus, mas, sim, exercitarmos uma paciência pacífica sem perdermos a fé enquanto os acontecimentos vão sendo cumpridos.

Judas escolheu uma maneira horrível de traição usando de um gesto que entendemos ser uma expressão amorosa de afeto. Contudo, tal ato mostra-se como uma representação da reprovável conduta humana capaz de se relacionar com o comportamento que todos temos em maior ou menor grau. De acordo com o nosso poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), em Versos Íntimos,

"O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja."

A traição é o que assistimos cotidianamente nos corredores dos palácios, isto é, na nossa apodrecida política que governa os povos desta Terra. Quer seja entre as autoridades eleitas ou em quanto ao cidadão comum que, durante os períodos de campanha eleitoral, é cumprimentado e até beijado pelos mensaleiros da vida. Aliás, pode-se dizer que essa conduta banalizada entre os políticos brasileiros já faz até parte do "jogo" na luta que travam pelo poder.

Porém, a todo instante, a causa do Reino é também traída dentro da própria Igreja de Cristo. Não raramente, líderes espirituais permitem-se seduzir pelas riquezas, pelo poder e pela fama. Deixam de pregar o Evangelho como deveria ser feito para dizerem aquilo que alegra aos ouvintes das multidões, como os discursos sobre uma vida feliz e próspera, prometendo soluções imediatas para os problemas das pessoas. Querem atrair um grande úmero de seguidores que lotem estádios e contribuam com gordas ofertas financeiras de modo que tais pastores pouco dão importância à transformação do caráter, à conversão/arrependimento dos pecados e à esquecida solidariedade cristã, a qual precisa promover transformações positivas na sociedade. Muitos, aliás, iludem o público alimentado nos ouvintes o desejo de aquisição de um automóvel, de eletrodomésticos novos, um emprego melhor, o negócio próprio e também se aproveitam do sonho da casa própria que uma expressiva parcela da população do país tanto necessita.

Como podemos conferir, Jesus não se enganou com o beijo falso de Judas assim como não foi seduzido pela espada desembainhada. Seus seguidores perguntaram se deveriam fazer uso das armas quando os soldados chegaram e um deles nem aguardou pela resposta. Mostrando uma total falta de compreensão acerca do que possa ter sido o último ensino ministrado na Ceia (22:35-38), um dos discípulos nem ao menos esperou a resposta à pergunta formulada pelos demais companheiros e resolveu cortar a orelha direita do servo do sumo sacerdote. Porém, tendo o Mestre se deparado com tamanha surdez espiritual, ele repetiu então o seu pronunciamento feito no episódio das duas espadas: "Deixai, basta" (22:51; conf. com 22:38). E ali teria sido realizado o último milagre do Senhor antes de morrer quando restaurou  o pavilhão auricular do homem significando, assim, o restabelecimento da "audição" da Igreja.

Acho interessante os evangelistas sinóticos preservarem a identidade de quem feriu o servo do sumo sacerdote. Tal situação deve levar a Igreja a refletir sempre sobre a incompatibilidade de um comportamento de violência em relação ao verdadeiro discipulado de Cristo. Por isso, não podemos nos deixar iludir por qualquer tipo de luta armada. Cruzadas, inquisições, guerrilhas, as práticas cruéis dos governos totalitários e os atos de vandalismo nos protestos de rua são condutas incompatíveis com o exemplo de vida deixado por Jesus visto que são práticas incapazes de promover o Reino de Deus. Vale dizer que, em nenhum momento, o Salvador foi um líder triunfalista pois ele encarnou a missão messiânica de um servo sofredor tal como consta em algumas profecias bíblicas (Is 52:13-53:12).

O messianismo de Jesus pode ser contrastado com a atitude dos sacerdotes e guardas que vieram prendê-lo ilegalmente. Essa passagem nos mostra o grau de dependência dos templos em relação aos recursos deste mundo tendo em vista a necessidade de se imporem ideologicamente pela força. Trata-se do uso da coação no lugar da conscientização. Uma conduta que muitos religiosos ainda praticam nos dias atuais mesmo que usando de maneiras diferentes. Quer seja pela influência política, quando uma instituição religiosa tenta fazer valer suas posições nas normas jurídicas/atos oficiais, ou ainda pelo velho discurso de apelo ao medo do tipo: "ou você vira crente ou vai arder no inferno".

No relato paralelo do 1º Evangelho, o Senhor chegou a dizer que ele poderia, no momento de sua prisão, ter pedido ao Pai para lhe mandar socorro por meio de anjos (Mt 26:53). E, quando vejo pastores utilizando-se dos repetidos sermões de "Céu ou inferno?", identifico aí algo incapaz de promover uma conversão genuína porque muitas das vezes a pessoa resolve atender ao chamado para "aceitar Jesus" apenas afim de assegurar o seu "lugar" na eternidade numa preocupação às vezes até egoísta. Não que, com isso, o ouvinte esteja realmente arrependido e disposto a se converter.

Jesus conclui esta seção dizendo que aquela era a hora de seus opositores "e o poder das trevas" (ou, segundo a NVI, "quando as trevas reinam"). Trata-se da passageira ocasião em que o mal causa a falsa impressão de estar prevalecendo e eis aí uma forte razão pela qual os discípulos precisavam permanecer vigilantes e cultivarem a prática frequente da oração. Inclusive para eles não reagirem fazendo uso da força e conseguirem encarar a prisão do Mestre entendendo o propósito de sua missão, a qual é também de toda a Igreja.

Um ótimo final de semana para todos!


OBS: A ilustração acima refere-se a um afresco do pintor italiano conhecido como Fra Angelico (1387-1455) que mostra um dos discípulos de Jesus atacando o servo do sumo sacerdote (direita) durante a prisão de Jesus no Monte das Oliveiras. No centro aparece também o episódio do beijo de Judas. A obra encontra-se no Museu Nacional de São Marcos. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fra_Angelico_020.jpg



terça-feira, 19 de novembro de 2013

"E, estando em agonia, orava mais intensamente"



"E, saindo, foi como de costume, para o monte das Oliveiras; e os discípulos o acompanharam. Chegando ao lugar escolhido, Jesus lhes disse: Orai, para que não entreis em tentação. Ele, por sua vez, se afastou, cerca de um tiro de pedra, e, de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua. [Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava. E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra.] Levantando-se da oração, foi ter com os discípulos, e os achou dormindo de tristeza, e disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 39 a 46; versão e tradução ARA)

Acho bem interessante a maneira como a narrativa de Lucas enfatiza a oração feita por Jesus neste episódio também conhecido como a Agonia no Getsêmani, título dado com base em Mc 14:32. O autor do 3º Evangelho não especifica em qual lugar do Monte das Oliveiras nosso Senhor teria ido com  os seus discípulos. Apenas relata que foi para lá como de costume (conf. com Lc 21:37). Mas o certo é que o Salvador decidiu buscar forças no Pai na ocasião pouco antes de ser preso. Aquela teria sido a última escolha que fez para passar os últimos minutos de liberdade depois de ter celebrado a Ceia.

Quantas outras coisas Jesus não poderia ter resolvido fazer durante aquela ocasião, não é mesmo?

E o que fazemos quando passamos por situações semelhantemente angustiosas?

Infelizmente, uns se dopam de remédios. Outros se põem a comer/beber excessivamente. Há quem prefira acender um venenoso cigarro até consumir um maço inteiro em poucas horas. E ainda tem aqueles que ficam focando somente nos problemas a ponto de esquecerem que podem contar com Deus quer seja para dar livramento e/ou conforto.

Como podemos ver, Jesus nos mostra a atitude certa para ser tomada nessas horas angustiantes. Trata-se de orarmos com intimidade e com intensidade a Deus como seus filhos obedientes que se entregam à sua vontade soberana. Filhos que, conscientes da própria fragilidade humana, reconhecem ser necessário buscar o apoio espiritual para um fortalecimento interior.

A exortação para que os discípulos também orassem e não entrassem em tentação é algo que se repete nesta mesma seção do Evangelho (ver versos 40 e 46). Na parte que tratou sobre o aviso da negação de Pedro, Jesus havia intercedido pelo apóstolo afim de que a sua fé não desfalecesse (v. 32), mas era necessário que cada um daqueles seguidores orasse por si mesmo. Isto porque a vida oracional é um aprendizado essencialmente pessoal e que diz respeito à caminhada evolutiva do indivíduo. Algo que vamos construindo no nosso relacionamento amoroso com o Pai e que precisa ser cultivado com frequência vencendo a preguiça, a descrença, o desânimo, a depressão, qualquer outra emoção contrária e não deve ser esquecido por causa dos compromissos estabelecidos na agenda. Reparem também que Jesus se afastou numa pequena distância dos seus companheiros para conversar com Deus.

O sentimento comum enfrentado por todo o grupo no episódio em comento foi a tristeza. O verso 45 diz ter sido por este motivo que o Mestre encontrou os discípulos dormindo. E, no texto original de Marcos, do qual Lucas e Mateus dependem, é o próprio Senhor quem compartilha: "A minha alma está profundamente triste até à morte" (Mc 14:34).

Como podemos observar na leitura do Evangelho, Jesus não deixou ser dominado por nenhuma emoção negativa. Antes, em oração, ele admitiu o seu sentimento por não desejar morrer, sendo certo que a palavra "cálice" (v. 42) deve ser entendida como um símbolo do sofrimento pelo qual estava prestes a passar. E, por se cuidar de uma situação contrária à continuidade da vida, ninguém deseja algo assim para si de modo que os nossos instintos vão naturalmente tentar reagir. Aliás, vale dizer que até mesmo os suicidas, quando se matam, podem estar buscando um alívio para dor como ensina o escritor e psiquiatra cristão Dr. Augusto Cury: "Quando uma pessoa pensa em suicídio, ela quer matar a dor, mas nunca a vida."

No caso de Jesus, ele tinha uma mente saudável, mas era previsto em sua missão passar pela cruz. A inauguração da "Nova Aliança" requeria o derramamento de seu sangue (v. 20), conforme o contexto vivido pelo mundo há dois milênios e a velha teologia aplicada. Por mais que a lógica humana muitas vezes não queira aceitar a ideia por que um pai mandaria o seu filho para a morte, entendemos, através da leitura de Isaías 53, que era um plano de Deus para a redenção da humanidade concluir tal obra através do sofrimento vicário de seu servo:

"Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo [esmagá-lo], fazendo-o enfermar; quando ele der a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos." (Is 53:10)

É vontade divina livrar a humanidade do pecado e da culpa de modo que o sacrifício de Jesus nos comunica isso com uma total suficiência. Seu cálice teve por objetivo nos conduzir a um futuro melhor, tratando-se de uma obra frutífera através da qual entendemos o perdão e a aceitação incondicional do Criador, bem como o sentido amoroso da missão de Cristo. Missão esta que também é nossa. Senão vejamos o que ensina uma breve citação do capítulo 5 da epístola anônima aos Hebreus:

"Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem" (Hb 5:7-9)

Os versículos 43 e 44 que aparecem nas nossas bíblias entre colchetes, embora pudessem não fazer parte do texto bíblico original, eu os considero igualmente inspirados assim como inspiradores. Extraímos do suposto acréscimo importantes lições sendo uma delas que os mensageiros espirituais de Deus (os "anjos") colocam-se ao nosso lado para nos trazer conforto enquanto oramos. Isto é, não ficamos sozinhos nessas horas! E outro aprendizado estaria na persistência de Jesus em orar com cada vez maior intensidade na medida em que era atacado pelo sentimento de agonia. Daí o relato exclusivo do 3º Evangelho em que o suor do Senhor foi descrito "como gotas de sangue caindo sobre a terra" (v. 44).

Fazendo menção novamente da carta aos Hebreus, há um verso ali em que o autor sagrado fala sobre resistirmos até o sangue lutando contra o pecado (Hb 12:4), o que representa a firmeza que o crente precisa ter ao executar aqui a missão de vida dada por Deus. Para tanto a prática habitual da oração torna-se fundamental junto com as atitudes tomadas. Aliás, uma conduta deve acompanhar a outra sendo certo que, sem orarmos com fé, corremos o risco de fraquejarmos diante dos desafios que vão se apresentando no cotidiano.

Aquela madrugada de provação mostra para nós o que acontece com um Igreja que não ora. Jesus encontrou os discípulos dormindo pois eles preferiram a anestesia do sono ao enfrentamento da realidade tal como muitos também fazemos na atualidade. Ainda mais com a indústria das pílulas e dos medicamentos controlados em que basta o paciente ingerir um comprimidinho para conseguir dormir esquecendo-se momentaneamente dos problemas. Mas a respeito desta conduta, o Mestre não se cansa em nos dizer amorosamente para levantarmos e orarmos.

Que possamos aprender a lição para não entrarmos em tentação diante de tudo aquilo que tenta nos desviar da missão que Deus dá a cada um. Lembre-se sempre de orar!


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro do artista dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890) e que mostra Jesus orando no jardim do Getsêmani. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Carl_Heinrich_Bloch_-_Gethsemane.jpg

domingo, 17 de novembro de 2013

"O que não tem espada, venda a sua capa e compre uma"



"A seguir, Jesus lhes perguntou: Quando vos mandei sem bolsa, sem alforje e sem sandálias, faltou-vos, porventura, alguma coisa? Nada, disseram eles. Então, lhes disse: Agora, porém, quem tem bolsa, tome-a, como também o alforje; e o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma. Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: 'Ele foi contado com os malfeitores'. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido. Então, lhe disseram: Senhor, eis aqui duas espadas! Respondeu-lhes: Basta!" (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 35 a 38; versão e tradução ARA)

Este teria sido o último ensinamento de Jesus durante o momento da Ceia, segundo o 3º Evangelho. Trata-se de uma passagem bíblica cuja interpretação requer cautela afim de não cairmos em sérios equívocos teológicos, pois, no passado, inúmeras guerras sangrentas foram travadas usando-se, inclusive, o santo nome de Cristo. E, por certo, o Mestre não estava a incitar violência física contra ninguém.

Inicialmente, precisamos contextualizar essa mensagem que, além de ser parte da instrução discipular final, foi precedida do aviso sobre a negação de Pedro. Jesus estava para ser preso e condenado à morte como se fosse um bandido da pior estirpe. Daí a citação de parte do versículo 12 de Isaías 53 feita pelo escritor do Novo Testamento. Nosso Senhor identifica a sua missão com a figura do servo sofredor idealizada pelo profeta.

Podemos afirmar que aquela teria sido a primeira adversidade que a Igreja suportou em sua bimilenar existência. Foi um teste de fogo diferente do comissionamento registrado nos capítulos 9 e 10 (ler os artigos Um movimento que abalou o rei e Trabalhadores na seara do Senhor que abordam as correspondentes passagens de Lucas). Em ambas as situações, o Mestre os apostolou praticamente com a roupa do corpo. Não poderiam ter um par de sandálias (extra) ou alforje, o que seria um tipo de bolsa utilizada pelos peregrinos da Antiguidade afim de carregarem suas provisões de viagem e pertences pessoais. Na cidade ou vilarejo onde entrassem, deveriam ser recebidos nas casas dos respectivos moradores, "comendo e bebendo do que eles tiverem" (10:7).

Tais experiências foram um bem sucedido estágio missionário em que os apóstolos tiveram de pregar sobre o Reino de Deus e ministrarem cura às pessoas sem a presença física do Mestre. Tudo lhes correu bem naquelas vezes, mas viriam ocasiões em que não encontrariam tanta facilidade. Por isso precisariam ser prudentes porque enfrentariam um futuro perigoso. Da mesma maneira que Jesus, os seus seguidores também iriam passar por perseguições defrontando-se com uma forte resistência nos mundos físico e espiritual a ponto de tornar árdua, mas não impossível, a tarefa de construção do Reino dentro das complexas relações humanas.

Sem dúvida que há uma diferença enorme entre fazer belos sermões religiosos para uma plateia num auditório e mexer com determinados pontos críticos de uma sociedade. Ir para uma região e começar a organizar os trabalhadores explorados pelos seus patrões, dizer às mulheres que passem a valorizar sua dignidade pessoal e denunciar a hipocrisia existente nos templos, bem como a corrupção nos palácios, certamente vai atrair uma oposição. Em tal hipótese, você já não será mais visto como um visitante ilustre bem-vindo no lugar. Os poderosos e os indivíduos de mentalidade conservadora/servil pedirão, no mínimo, que deixe a terra deles. Rebaixarão a sua reputação das colunas sociais para as páginas policiais afim de que o discípulo de Cristo seja também "contado com os malfeitores".

Assim sendo, cumpre-nos vender a capa e comprar a espada, o que significa uma preparação interior para guerrearmos em prol da causa do Reino de Deus. Mas lembremos que nosso Senhor Jesus Cristo nunca falou para os seus discípulos reagirem com violência! Tanto é que, quando eles lhe apresentaram duas armas, o Mestre respondeu "basta". Isto é, ele quis dizer chega daquele tipo de conversa porque os apóstolos demonstravam não estar entendendo o sentido da mensagem recebida dando provas do quanto ainda estavam imaturos.

Interessante é que, mesmo sendo ainda crianças na fé, aqueles seguidores de Jesus vão conseguir superar a prova pela qual passariam dentro de algumas horas. O Mestre previu que eles tropeçariam, mas nunca deixou de acreditar no sucesso de sua Igreja. Posteriormente, todos, exceto Judas, tornaram-se valorosos guerreiros. Aprenderam a preservar a fé diante das dificuldades que se apresentavam. Pedro pode ter negado a Jesus por três vezes antes que o galo cantasse, mas sabemos, conforme as tradições cristãs, que o apóstolo também enfrentou uma cruz quando martirizado em Roma décadas mais tarde. Aliás, a ele é atribuída a autoria deste texto epistolar abaixo que foi dirigido para destinatários que não conheceram pessoalmente o Salvador por serem de outras regiões distantes de Israel:

"Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais [afligidos] contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim de vossa fé: a salvação da vossa alma." (1ªPedro, capítulo 1º, versículos de 6 a 9; ARA)

Embora não seja esse o mal que desejamos, devemos aprender a ver no enfrentamento da adversidade uma oportunidade para crescimento espiritual e fortalecimento da fé. Da mesma maneira que o fogo é utilizado para a purificação de metais preciosos, as provações podem contribuir para que uma superficial profissão de fé venha a se tornar algo bem radicado e firme nos propósitos divinos. Afinal, são situações indesejadas mas capazes de fazer do crente fiel uma verdadeira peça de joalheria.

Tenham todos uma excelente semana!


OBS: A ilustração acima refere-se a uma antiga espada utilizada na época romana. Extraí a foto do acervo virtual da Wikipédia conforme consta disponibilizada em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Spatha_end_of_second_century_1.jpg

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"(...) quando te converteres, fortalece os teus irmãos"




Vimos no estudo bíblico anterior que, segundo o Evangelho de Lucas, os discípulos de Jesus ainda disputavam entre si sobre qual deles seria o maior. Mesmo tendo andado com o Senhor por três anos e meio, eles ainda cometiam muitas imaturidades sem compreenderem os profundos ensinamentos que receberam acerca do Reino de Deus. Por isso, o Mestre continua a lhes falar e alerta Pedro sobre o que estava para acontecer com o grupo depois que ele viesse a ser preso:

"Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos. Ele, porém, respondeu: Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte. Mas Jesus lhe disse: Afirmo-te que, hoje, três vezes negarás que me conheces, antes que o galo cante." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 31 a 34; versão e tradução ARA)

Como podemos ver, Pedro pensava que seria suficientemente forte e corajoso para estar ao lado de Jesus diante de qualquer circunstância adversa que se apresentasse. O discípulo expôs uma visão errada de si mesmo e era ainda incapaz de reconhecer  as debilidades que tinha. Penso, inclusive, que nem Simão e nem os demais conheciam ainda em essência o que significa seguir a Cristo.

No entanto, Jesus era um profundo conhecedor da alma humana. Ele sabia das vulnerabilidades e incapacidades de cada integrante de seu grupo e, ainda assim, apostou naquele coletivo bem problemático. Quando os escolheu para apóstolos (Lc 6:12-16), o Mestre preferiu contar com homens simples e humildes do que com religiosos de elevada reputação, tipo os fariseus, ou com os doutores da Lei, os quais eram considerados os teólogos da época.

De fato, Jesus precisou ter grande fé para acreditar no trabalho que os seus seguidores desenvolveriam depois dele. Todos demonstravam uma patente infantilidade espiritual naquela última noite na companhia física do Mestre, mas, apesar disto, o Senhor continuou contando com praticamente todos os membros da equipe afim de que transmitissem ao mundo a mensagem revolucionária das boas-novas do Reino de Deus.

O que muito me chama a atenção nesta passagem bíblica em estudo é o fato de Jesus querer contar com Pedro para fortalecer os ânimos dos demais discípulos (verso 32). O apóstolo que negou confessionalmente o Senhor por três vezes (suponho que tenha sido mais pela vergonha do que pelo medo), tomaria posteriormente uma atitude oposta. Simão faria algo que, sob certo aspecto, podemos identificar como parte do exercício natural da liderança.

Igualmente vejo Deus agindo conosco de uma maneira bem semelhante. As nossas fraquezas passam a ser usadas para ajudar pessoas que sofrem dificuldades parecidas com a nossa. Quem um dia achava-se envolvido com o uso de drogas, com a prática de crimes, meretrício ou com qualquer outro caminho de perdição, pode vir a se tornar um atuante ganhador de almas através de seu testemunho de vida/salvação. Aliás, pessoas que passaram por experiências assim, em via de regra, costumam ser livres das inibições do falso moralismo que tanto paralisa a Igreja e impede muitos crentes de se aproximarem verdadeiramente de quem se encontra caído.

Recordo que, alguns anos atrás, assisti na TV um pouco da história de um ex-desmatador que havia então se tornado um ambientalista. Após ter passado anos de sua vida derrubando florestas, ele resolveu deixar de lado a motosserra para plantar árvores. Tornou-se um agente da preservação da natureza trabalhando firmemente pela recuperação dos nossos ecossistemas nativos.

Assim também desejo que sejamos plantadores de coisas boas. O mesmo potencial que temos para a prática da maldade pode ser igualmente usado para o bem. Para tanto torna-se necessário o arrependimento e a mudança de mentalidade (conversão). A Deus devemos sujeitar a condução de qualquer ministério sendo certo que, se cultivarmos uma postura de humildade e de dependência do nosso Criador, até as nossas fraquezas serão usadas para o seu elevado propósito.

Tenham todos um ótimo feriado e um final de semana abençoado repleto da mais profunda paz!


OBS: A ilustração acima refere-se a um mosaico anônimo do século VI encontrado na Basílica de Santo Apolinário Novo, província de Ravena, Itália. Foi extraído do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Apollinare_Nuovo_Christ_Peter_and_Peter_s_Denial.jpg

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Seja o maior como o menor


"Suscitaram também entre si uma discussão sobre qual deles parecia ser o maior. Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles; e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve. Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações. Assim como meu pai me confiou um reino, eu vo-lo confio; e vos assentareis em tronos para julgar as doze tribos de Israel." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 24 a 30; versão e tradução ARA)

Conforme foi abordado no estudo bíblico anterior, após ter Jesus anunciado a traição de um de seus apóstolos, eis que os discípulos passaram a indagar entre si quem pretendia fazer tal coisa (verso 23). No entanto, relata o texto, na sequência, que eles passaram a discutir também sobre a quem, naquele grupo, caberia a posição mais elevada, repetindo a controvérsia narrada nos versos de 46 a 48 do capítulo 9º (conferir também com Mt 18:1-5 e Mc 9:33-37).

É exclusivo de Lucas o registro dessa disputa ocorrida num momento tão especial como a Ceia.  Isso mostra quão longe os discípulos ainda estavam de compreender a essência do ensino de Jesus, mesmo depois de três anos e meio aprendendo sobre o Reino de Deus na companhia amorosa do maior Mestre que o mundo já conheceu. Ainda assim, nosso Senhor não desacreditou e nem desistiu da obra por ele empreendida. Pressentindo o seu iminente martírio e que não estaria mais fisicamente presente com aquele grupo, Jesus mais uma vez se pôs a ensiná-los. Se da outra vez a figura da criança não fora suficiente para terminar com aquela infantilidade de marmanjos (ler o artigo Quem é o maior na dimensão do Reino?, de 29/07/2013), o Mestre faz agora do líder servidor o comportamento padrão para ser seguido dentro da futura Igreja.

Invertendo os valores dos governos terrenos, Jesus propõe que, dentre os seus seguidores, o maior seja como o menor. Não foi vontade do Senhor que a Igreja viesse a se tornar uma coisa hierarquizada onde seus pastores fossem servidos como lideranças dominadoras escondidas atrás de uma falsa autoridade religiosa. Muito pelo contrário, eles se tornariam grandes servindo uns aos outros tal como fizera nosso Mestre com o seu digníssimo exemplo de vida.

Verdade é que, na dimensão do Reino, inexiste qualquer tipo de status mundano. Frequentemente, na Antiguidade, muitos reis vieram a receber o título de "benfeitores" sem que houvesse sequer uma justificativa plausível e, até hoje, algumas pessoas costumam ser honradas publicamente apenas em virtude das altas posições por elas ocupadas. Porém, quando falamos de Reino de Deus, a valorização precisa ser outra. Deve-se cultivar continuamente a humildade interior exercitando o serviço sem buscar interesse próprio. No Reino não há lugar para essa auto-exaltação!

Todavia, as necessidades humanas de reconhecimento e de aceitação não são ignoradas por Jesus. Quanto a isto, os discípulos não tinham que se preocupar achando que deixariam de ser notados por causa de uma vida de serviço ao próximo, como podemos conferir pela leitura dos versos de 28 a 30 acima transcritos. Ninguém seria excluído da comunhão no Reino simbolizada aqui pelo comer e beber à mesa do Senhor. Aliás, a alegria de estar permanentemente numa Ceia torna-se incomparavelmente melhor do que qualquer bajulação particular recebida hipocritamente dos homens.

Ao concluir suas palavras nesta seção, Jesus revela aos seus mais íntimos seguidores um futuro maravilhoso e que inclui o assentar em tronos "para julgar as doze tribos de Israel" (verso 30). Algo que não sabemos bem como se sucederá em detalhes. Mas, segundo o ensino de Paulo, subentendemos que a Igreja, ou as pessoas verdadeiramente consagradas a Deus, vão julgar o mundo e também os anjos (1ªCo 6:2-5).

Penso ser de pouca utilidade para a nossa edificação especularmos sobre o que virá depois na era escatológica, devendo o citado versículo 30 ser aplicado mais para dar sentido contextual ao Evangelho. E, sendo assim, o que posso identificar aí seria uma consequente exaltação do discípulo humilde. Um reconhecimento condizente com o nível de maturidade espiritual desenvolvido pela pessoa sem se tornar uma relação de barganha com Deus.

Aprender com Jesus a ser "como quem serve" deve se tornar o sentido existencial de todo discípulo maduro e que já aprendeu a lição. A magistratura cosmoética que os servos de Deus exercerão no porvir representa também o desempenho de mais um serviço em benefício da própria humanidade, sendo tarefa que exige grande responsabilidade e coração íntegro. Portanto, trata-se de uma "promoção" para trabalhar mais.

Contudo, o momento presente deve ser encarado como uma oportunidade de semeadura do amor fraterno e do cuidado para com os nossos irmãos. O desfecho dessa fase conflitante da história humana certamente virá no tempo certo, mas hoje estamos a escrevê-la por meio das atitudes tomadas no cotidiano e construindo o Reino dentro das nossas relações. Deste modo, precisamos aprender a saborear as tarefas que Jesus nos dá para as executarmos no aqui e agora pois, no exercício de tão importante ministério, experimentamos uma maravilhosa satisfação. A verdadeira realização existencial.


OBS: A ilustração acima refere-se ao ícone Última Ceia pintado por Theophanes Strelitzas, mais conhecido como Theophanes, o Cretense, que foi um artista grego do século XVI cuja data de nascimento é desconhecida. A obra encontra-se no Mosteiro Stavronikita, Monte Athos, Grécia. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Last_Supper_by_Theophanes_the_Cretan.jpg

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Tarifas telefônicas abusivas




Durante essas duas décadas de expansão da telefonia celular no Brasil, os orelhões foram gradativamente sumindo da paisagem urbana. Se até os anos 2000 o Ministério Público chegou a mover ações no Judiciário para que algumas comunidades rurais fossem contempladas com a instalação desses aparelhos, agora, praticamente, ninguém mais se importa em sair por aí procurando um telefone público para falar. Quase todos, inclusive as crianças, não vivem sem os seus celulares cujos modelos mais novos costumam dispor de câmeras fotográficas, acesso à internet, rádio e até TV.

Contudo, poucos têm a consciência de que o custo de vida aumentou por causa desse novo comportamento dos consumidores brasileiros. Temos hoje umas das mais caras tarifas de telefonia celular do planeta em que um minuto pode custar 71 centavos de dólar enquanto que, no Chile, o usuário paga apenas US$ 0,14.

O certo é que os celulares vieram para ficar. Quando surge uma tecnologia, não há como voltar atrás. As pessoas somente a abandonam quando inventam algo melhor ou o serviço prestado torna-se inviável para os bolsos do consumidor. Mas não é o caso do mercado brasileiro! Aqui, mesmo os usuários tendo outras necessidades mais importantes para serem satisfeitas, eles preferem continuar andando por aí exibindo os seus telefones móveis e enriquecendo cada vez mais as operadoras. Dependendo do valor da recarga mensal, um trabalhador pode estar transferindo para os cofres dessas companhias mais de 5% de seu salário mensal e que, conforme o plano, pode proporcionar menos de 15 minutos de comunicação numa chamada comum. E olha que são mais de 250 milhões de linhas em operação no Brasil sendo a maioria pré-paga (81,83%), modalidade onde o abuso chega a ser muito maior.

O que fazer? Ou disciplinamos os nossos hábitos para gastarmos menos ou o governo federal, através da ANATEL, deve de alguma maneira atuar para que os custos das ligações celulares caiam. Segundo a associação das operadoras de telecomunicações no Brasil (Sinditelebrasil), a carga tributária brasileira contribui para encarecer os serviços de telefonia móvel no país. Mas para o deputado César Halum (PRB-TO), um dos críticos da diferença de preços cobrados pelos serviços de telefonia pré e pós-paga, os mais pobres – que utilizam o pré-pago – acabam pagando pelos ricos. Numa entrevista ao Jornal da Câmara, ele reclamou da ausência das operadoras de telefonia ao Congresso Nacional quando são convidadas para participarem de um debate:

"Parece que são protegidas pela Anatel. Não podemos mais permitir que uma operadora tenha tarifa diferenciada entre o pós-pago e o pré-pago, fazendo com que o pré-pago chegue a ser até 400% mais caro. Veja bem: com o pré-pago, a operadora não corre risco, porque ele é pago antecipadamente. Com o pós-pago, é que ela tem risco, porque o sujeito fala e, depois de 30 dias, é que paga a conta. Se ele ficar inadimplente, a operadora toma prejuízo." Extraído da Agência Câmara de Notícias 

Como se já não bastasse isso, as empresas de telefonia móvel fazem de tudo para que o cliente migre do seu plano pré-pago para o pós. Importunam o consumidor através de propagandas de telemarketing, oferecendo diversas promoções cheias de cláusulas leoninas e tentando de inúmeras maneiras persuadir a pessoa de que ela terá maiores vantagens tendo um "celular de conta". Até a compra do aparelho na loja chega a ter um atrativo abatimento, mas que vinculará a permanência do consumidor na modalidade pós-paga durante um longo período.

Atualmente nem tenho mais celular cadastrado no meu nome. Basta o aparelho e a linha pré-paga de minha esposa Núbia, cliente da Vivo, junto com o telefone fixo que é da Oi com direito à banda larga, cuja fatura ainda vem no nome de sua irmã Sandra, a qual morou aqui junto com a mãe delas dona Nelma até maio. Se tivéssemos nossos respectivos celulares, sem nada que justifique possui-los, seria uma facada que totalizaria, no mínimo, uns R$ 70,00 por mês. Pois cada linha pode "comer" mais do que um animal de estimação de pequeno porte e, com toda sinceridade, prefiro muito mais alimentar os meus dois felinos: a Sofia e o Tigrão.


OBS: Ilustração acima obtida através do portal da Agência Câmara de Notícias.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Calamidade nacional na Filipinas



Devido à devastação causada pelo supertufão Haiyan, que castigou o arquipélago das Filipinas nesta última sexta-feira (08/11), o presidente Benigno Aquino decretou estado de calamidade em todo o país. De acordo com as autoridades locais, estima-se que dez mil pessoas possam ter morrido! Segundo as Nações Unidas, centenas de corpos foram depositados em uma vala comum em Tacloban, capital da ilha/província de Leyte. Vilarejos inteiros foram arrasados. Informou a imprensa que:

"(...) Mais de 600 mil pessoas ficaram desabrigadas por causa da tempestade no país todo, e algumas delas não têm acesso a água, comida ou alimentos, segundo a ONU. Devastada por ondas enormes e por ventos de até 378 km/h, Tacloban recebe mantimentos e retira vítimas quase que exclusivamente por meio de três aviões militares que estabeleceram uma ponte aérea com a cidade de Cebu, próxima dali. Nos portões do aeroporto local, dezenas de moradores imploravam por socorro. "Ajudem-nos, ajudem-nos. Onde está o presidente (Benigno) Aquino? Precisamos de água, estamos com muita sede", gritava uma mulher. "Quando vocês vão retirar os corpos das ruas?" O descontrole e os saques se tornaram algo contínuo na cidade, na qual a imprensa local chegou a relatar um ataque a um comboio da Cruz Vermelha que trazia mantimentos (...)" - fonte portal do G1

Há quase três anos atrás, quando ainda residia na Região Serrana do Rio de Janeiro, fui testemunha dos resultados de uma terrível chuva em minha cidade, conforme cheguei a postar na época aqui no blogue (ler artigo Um dia trágico na história de Nova Friburgo, de 15/01/2011). Mas este tufão nas Filipinas foi algo, no mínimo, dez vezes pior. Uma coisa apocalíptica!

Inegavelmente fenômenos deste tipo estão diretamente ligados à aceleração do efeito estufa que, por sua vez, relacionam-se com a ação danosa do homem sobre o meio ambiente. Principalmente nos países ricos e aqueles considerados em "desenvolvimento" (o Brasil hoje não escapa mais de sua responsabilidade ambiental). Contudo, são as nações mais pobres as que mais sofrem. Pois, se compararmos a Filipinas com a enchente de Nova Orleans, o Katrina não deixou tantas mortes quando passou por lá no final de agosto de 2005.

A meu ver, qualquer ajuda humanitária dos países ricos à Filipinas seria insuficiente para compensar o seu povo dessa catástrofe. Chega a ser até uma hipocrisia tendo em vista que as causas do desequilíbrio climático mundial continuam e tendem a piorar cada vez mais. Logo, os países industrializados precisam parar imediatamente com essas vergonhosas emissões de CO². Basta! Não dá para esperar mais!

O nível consciencial da Nova Aliança



"E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós. Todavia, a mão do traidor está comigo à mesa. Porque o Filho do Homem, na verdade, vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por intermédio de quem ele está sendo traído! Então, começaram a indagar entre si quem seria, dentre eles, o que estava para fazer isto." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 19 a 23; versão e tradução ARA)

Como vimos no estudo bíblico anterior, foi dentro de uma atmosfera inovadora e alternativa que o nosso Senhor celebrou a sua última Páscoa. Foi ali também onde ele instituiu um novo pacto (ou aliança) com os seus discípulos e que é extensivo a toda humanidade.

Considero de pouco utilidade debater se o pão consagrado na Ceia torna-se concretamente o Corpo de Cristo, conforme a visão católica da transubstanciação, ou se os elementos da Ceia possuem apenas mero simbolismo. Creio, acima de qualquer doutrina, que a Igreja é o Corpo vivo onde a comunhão independe de rituais, da presença de sacerdotes ou de um lugar específico para fins de culto. Aliás, reduzir a Ceia a um simples rito religioso seria esvaziá-la de seu conteúdo essencial. É trocar o seguimento de Jesus por uma tradição que se tornou substitutiva da antiga cultura de sacrifícios pelo pecado, sem promover a devida ruptura de valores com uma mudança de atitude/mentalidade.

O partir do pão precisa ser visto como um gesto motivador da nossa conduta dentro da comunidade, na busca da realização da justiça e na construção do Reino de Deus. Em muitos casos, isto pode exigir até um "sacrifício" de nossa parte. Por isso, na bimilenar história eclesiástica, tivemos pessoas em todos os séculos que vieram a ser martirizadas por defenderem verdadeiramente a causa do Evangelho. Muitas foram perseguidas e maltratadas até pelas próprias lideranças da Igreja.

Entendo que o trecho bíblico acima transcrito, o qual fala acerca da Ceia, seria a chave interpretativa para compreendermos o restante do relato acerca do sofrimento de Jesus, afim de que o leitor sempre se lembre de que não está diante de uma narrativa qualquer sobre a crueldade humana. O martírio do Senhor deve ser encarado como a sua amorosa doação pela humanidade, proporcionando um significado especial à profecia de Isaías 53, o que ajuda a explicar a centralidade da cruz na vida cristã em todos os seus aspectos. Falo não de um objeto idolátrico ou de decoração, mas, sim, de uma escolha existencial em favor do próximo.

Ao falar de uma nova aliança, feita com seu sangue, Jesus pode ter tomado de empréstimo as palavras dos versos 31 e 32 de Jeremias 31. Nosso Mestre oferece aqui algo eterno e inquebrável que não mais depende da repetição dos antigos sacrifícios de animais conforme o sistema penitencial da legislação de Moisés. Antes estamos diante de um pacto de elevado nível consciencial em que Deus considera cancelados todos os nossos pecados. Assim, agraciados incondicionalmente, independente das obras feitas, passamos a viver dentro de um outro padrão ético, perdoando o irmão da mesma maneira como fomos perdoados pelo Pai Celestial. Se falhamos, não mais temos que cultivar dentro de nós a culpa que é coisa cancerosa e improdutiva. A atitude correta torna-se a reparação voluntária do mal dentro da prática contínua do bem, visto que o amor compõe a essência de Cristo. Por isso, vale a pena citarmos brevemente uma parte da primeira epístola joanina:

"Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro." (1Jo 2:1-2)

Certamente que a traição é um acontecimento que nos acompanha desde que Jesus celebrou esse novo pacto. A mão do traidor encontra-se ainda conosco à mesa porque se trata da própria covardia humana visto que o caráter de todos nós requer que nos mantenhamos num contínuo processo de arrependimento e de mudança interior. E, se aprofundarmos a reflexão, veremos que há em todos um potencial enorme para trair a causa do Reino sendo certo que Jesus sabia muito bem disso. Por isso o Senhor preferiu não revelar quem especificamente iria lhe entregar para os guardar do sumo-sacerdote instantes depois dos discípulos participarem da Ceia. Afinal, as mãos de todos estavam com ele à mesa e creio que o texto bíblico quer justamente que façamos essa auto-análise ao invés de procurarmos o Judas no outro (ler o artigo "Ora, Satanás entrou em Judas...", de 08/11). Senão, vamos ao que ensinou Paulo à Igreja em Corinto bem como a todas as igrejas de ontem e hoje:

"Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, com e bebe juízo para si." (1ªCo 11:28-29)

Pode-se dizer que Judas Iscariotes sofreu severo juízo não porque teria comido um pão consagrado para, em seguida, trair a Jesus. Prosseguindo nesse paralelo de Lucas com a carta paulina, podemos concluir que é o próprio comportamento da pessoa que atrai condenação. Se somos disciplinados pelo Senhor, estamos salvos da nossa maldade. Porém, se continuamos a conduzir nossas vidas irrefletidamente, ou sendo dominados pela ganância, pela vaidade e/ou pela cobiça, praticamos uma conduta que se torna espiritualmente suicida.

"Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem [estão mortos]." (1ªCo 11:30)

Tenho plena convicção de que Jesus jamais desejou o fim trágico de Judas, mas o Mestre nada pôde fazer intercedendo por ele porque a atitude tomadas pelo discípulo foi fruto do seu livre arbítrio. Esta, aliás, é uma esfera que o próprio Criador respeita auto-limitando-se de maneira que todos precisamos agir de igual modo quanto à liberdade de escolha de cada um, por mais que sejam opções ruins e destrutivas. Trata-se muita das vezes do processo de aprendizado de vida da pessoa.

Meus amados, pecado é coisa muito séria! Não é algo com o qual possamos brincar pensando que, depois de consumado, emendamos daqui e dali e tudo então ficará bem. Isto é puro engano maligno! Porque ao homem não é permitido comer do "fruto do conhecimento bem e do mal", isto é, arrogar ter o mesmo controle soberano do seu Criador. Lembremos dos erros de Adão, Caim, Esaú, Moisés, Jefté, Gideão, Saul, Davi, Salomão, dos monarcas de Israel e de Judá, bem como de tantos outros personagens bíblicos. Muitas vezes, pela misericórdia divina, escapamos das ciladas que nós mesmos preparamos. Outras vezes, porém, as pessoas acabam entrando num caminho sem conseguirem mais retornar. Podem até encontrar a salvação após o túmulo, mas morrem aqui prematuramente ou colhem resultados bem infelizes que chegam a ser profundamente dolorosos durante um longo tempo. Assim, Judas foi um entre os doze apóstolos de Jesus que veio a se perder prendendo-se na armadilha da culpa a ponto de não sair mais dela.

Jamais pense em trair a causa do Reino!

Concluo este artigo, portanto, direcionado o foco não na traição, mas na nossa fidelidade, a qual deve ser selada pelo pão partido e pelo nível de consciência proporcionado pela pedagogia da nova aliança. Jesus não nos chamou para o fracasso espiritual e, por isso, o Senhor nos convida para tomarmos assento em sua mesa. Seu sangue já foi derramado em nosso favor para compreendermos o perdão, a graça e a aceitação incondicional de Deus. Com Cristo aprendemos a nos libertar dos sistemas penitenciais dos templos de modo que hoje devemos caminhar livres do domínio do pecado e da culpa.

"Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom,
porque a sua misericórdia dura para sempre."
(Salmo 118:29)

Glória a Deus porque nos trouxe tão maravilhosa restauração, possibilitando que, apesar dos tropeços de nossa caminhada, prossigamos de pé rum à plenitude do seu Reino. E que venha o Reino de Deus!


OBS: A ilustração acima ao célebre quadro A última ceia pintada entre 1495-1498 pelo grande gênio da humanidade Leonardo di ser Piero da Vinci (1452-1519). A obra encontra-se no Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália. Extraí do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Leonardo_da_Vinci_-_The_Last_Supper_high_res.jpg