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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Por que os nossos manaciais ainda continuam sujos?



A edição desta tarde do Jornal Hoje trouxe uma interessante matéria em que dois ambientalistas brasileiros, Alberto Pego e Paulo Rodrigues, resolveram descer remando pelas águas do Sena, na França, percorrendo 800 quilômetros de caiaque da nascente até a foz, afim de mostrarem ser possível salvar um rio.

"Eles remaram de 20 a 30 quilômetros todos os dias. Os ambientalistas contam que já desceram muitos rios de caiaque no Brasil para denunciar a destruição. Agora, a ideia é mostrar que é possível recuperar um rio condenado. O Sena é o mais importante rio da França. Os franceses investiram na recuperação do rio e os estudos mostram que a água está mais limpa. Os remadores conferiram de perto. (...) Os remadores viram que o que as pesquisas indicavam. Os peixes voltaram e em 40 anos, passaram de quatro para mais de 30 espécies. Os franceses medem a qualidade da água que sai das estações de esgoto e das indústrias que ficam à margem do Sena o tempo todo (...) Para eles, o Sena pode servir de exemplo para o Brasil." 

Achei curioso que o Brasil, na segunda metade da década de 1990, inspirou-se justamente no modelo francês de gestão dos recursos hídricos. Lá a Lei n.º 64-1.245, de 16 de dezembro de 1964, criou os "Comitês de Bacia" e as "Agências Financeiras de Bacia", tendo passado depois por sucessivas alterações. É o que informa o jurista Paulo Affonso Leme Machado na 8ª edição de seu livro Direito Ambiental Brasileiro, publicado pela editora Malheiros, pág. 475:

"As bacias - quadro administrativo dos Comitês de Bacias e das Agências de Águas - são determinadas por decisão do Primeiro-Ministro. São seis: Artois-Picardie (com sede em Douai), Rhin-Meuse (com sede em Metz), Seine-Normandie (com sede em Nanterre), Loire-Bretagne (com sede em Orleans), Adour-Garonne (com sede em Toulouse) e Rhône-Mediterranée-Corse (com sede em Lyon) (arrêté do Ministro do Meio Ambiente de 14.11.1991). Assevera o Prof. Michel Prieur: 'Os Comitês de Bacia são compostos de representantes das regiões e das coletividades locais, de representantes dos usuários e pessoas competentes (estas duas categorias detêm pelo menos dois terços dos votos) e de representantes designados pelo Estado entre os meios sócio-profissionais. O número de representantes dos Comitês de Bacia oscila de 61 membros (Rhin-Meuse) e 114 membros (Loire-Bretagne)'. A tutela sobre as Agências de Águas 'é exercida pelo Ministro do Meio Ambiente depois de 1971. As deliberações são executórias, salvo caso de oposição desse Ministro, no prazo de 30 dias. As deliberações financeiras (orçamento, contabilidade financeira, empréstimos, condições gerais de empréstimos e subvenções) são submetidas à aprovação do Ministro do Meio Ambiente e do Ministro de Finanças'. Acentua, outrossim, que as Agências de Águas 'são estabelecimentos administrativos dotados de personalidade civil e de autonomia financeira. Devem facilitar as ações de interesse comum na bacia e para isto coletam as redevances e as redistribuem' (Droit de l'Environnement, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1996)"

Assim, foi no contexto das inovadoras ideias da segunda metade do século XX, em que, tardiamente, o nosso Congresso Nacional aprovou a Lei n.º 9.433/97, instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGREH. Juntamente vieram outras normas estaduais que se tornaram praticamente cópias da legislação federal. Só que, apesar de seus quase 17 anos de existência, ainda falta muito a ser concretizado para mudarmos a nossa realidade como nos mostra o jurista Édis Milaré, autor do livro Direito do Ambiente, 5ª edição, publicado pela Revista dos Tribunais, págs. 462 e 463, sendo meu os destaques em negrito a seguir:

"A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, atrelada à Lei 9.433, de 08.01.1997, foi, em vários sentidos, um 'divisor de águas'. Ela introduziu, na doutrina e na prática, critérios indiscutivelmente renovadores, como a seu tempo poderemos constatar, à medida que adentramos no seu conteúdo (...) Essa lei impõe a necessidade de serem editadas várias normas regulamentadoras, o que, em grande parte, ainda não ocorreu. No entanto, mesmo sem a sua necessária complementação, ela altera profundamente a disciplina da aplicação do Código de Águas, alteração que será cada vez maior na medida em que as normas regulamentares forem estabelecidas."

O certo é que a efetiva proteção das águas ainda não saiu completamente da esfera legislativa assim como acontece em inúmeras outras coisas no Brasil. Vários Comitês de Bacia Hidrográfica já foram criados, porém o nível e a qualidade de participação das associações da sociedade civil e das comunidades locais interessadas ainda não são suficientemente expressivos nesses organismos colegiados de gestão. Não raramente, os representantes de tais entidades são cooptados pelos governos e/ou empresas poluidoras através da participação da ONG em projetos, da nomeação de pessoas para preenchimento de cargos públicos, pelos compromissos eleitoralmente assumidos, etc. Trata-se do reflexo das fragilidades das nossas instituições populares que acabam se somando aos graves problemas sócio-habitacionais das cidades, à baixa renda dos consumidores das empresas prestadoras dos serviços de saneamento básico, às deficiências do Ministério Público, à corrupção dos órgãos ambientais e à maneira conivente como o Judiciário lida com certas questões na hora de tomar um posicionamento corajoso.

Ultimamente, em que as ruas brasileiras tornaram-se palcos de inúmeras manifestações políticas, é preciso que a preservação dos nossos rios e lagoas entre na pauta das reivindicações. O Brasil, que detém mais de 13% da água doce do planeta, precisa tomar a consciência de que a disponibilidade desse indispensável recurso está ficando cada vez menor. Algo já sentido de maneira crônica no Nordeste sendo que, no Sul e no Sudeste, a qualidade da água vem sendo absurdamente comprometida pela poluição dos mananciais. Enfim, é a estupidez humana a principal de todas as causas. Lutemos, portanto, pelo direito das futuras gerações!


OBS: Foto acima extraída de uma página da Agência Brasil de Notícias numa matéria sobre o lançamento in natura de esgoto nos rios do Paraná, conforme consta em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-20/presidente-interino-da-sanepar-nega-lancamento-de-esgoto-nao-tratado-em-rios-do-parana

2 comentários:

  1. Para você vê, Rodrigo, como aqui na nossa república das bananas nada é levado à sério. Uma lei de Política Nacional de Recusrsos Hídricos (PNRH) de janeiro de 1997, passados 16 anos, ainda não foi regulamentada.

    Estamos, realmente, no país do "Faz de Conta".

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    1. Pois é. Houve uma regulamentação em parte. No início dos anos 2000, eu até participei dos trabalhos de criação de alguns comitês de bacia e a cobrança pelo uso da água já virou uma realidade. Porém, a poluição dos mananciais continua impune. Municípios e concessionárias do saneamento básico conseguem postergar a execução dos serviços de esgotamento sanitário. Afinal, é algo que exige altos investimentos, pode implicar no aumento das tarifas e não dá voto...

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