Páginas

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A advertência do Mestre contra a cegueira pastoral



A expressão "guias cegos" parece ter sido comum nos tempos de Jesus e/ou no vocabulário dos escritores do Novo Testamento. Ela ocorre nos evangelhos em distintas passagens como se lê em Mateus 15:14; 23:24 e no texto a seguir comentado de Lucas 6:39 em diante.

Prosseguindo no estudo sequencia que tenho feito neste bogue acerca do 3º Evangelho, percebo ser a metáfora aplicável aos assuntos tratados até o final do capítulo 6. As ideias vão ficando mais claras quando Jesus passa a falar sobre a necessidade do discípulo absorver a instrução para ser como o seu mestre.

Oras, mas de que instrução o nosso Senhor está falando?

Primeiramente, devo esclarecer que o Sermão da Planície é dirigido aos discípulo de Jesus (Lc 6:20), o que, na época do escritor sagrado, representaria também a sua comunidade eclesiástica destinatária daquele Evangelho. A instrução da qual o texto fala não buscava transmitir conhecimentos teológicos e nem doutrinários. Porém, os versos 41 a 42 apontam para o aprendiz adquirir uma consciência de si próprio como condição necessária para prestar assistência pastoral a alguém:

"Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Como poderás dizer a teu irmão: Deixa, irmão, que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão" (ARA)

Percebo nitidamente que Jesus pretendia formar pastores de verdade e não mestres da Lei que seguissem a escola do rabi Yeshua. Por isso, ele estava desde então prevenindo os discípulos sobre a tentação de algum deles ensoberbecer-se a ponto de supor que seria maior do que seu mestre apenas pela aquisição de um conteúdo informativo superior.

Algum momento, na igreja, você chegou a se sentir acima dos seus líderes por conhecer mais sobre a Bíblia do que eles?

Nem precisa me responder. Muitas vezes condutas desse tipo é o que mais ocorre gerando divisões. Eu mesmo já fui (e ainda sou) tentado nessa área. Pois, às vezes, pensamos que já conhecemos o bastante acerca do Universo e até a respeito de nós mesmos, pelo que passamos a nos considerar aptos para liderarmos pessoas. Então, quando nos colocamos a frente de um ministério, caímos no primeiro "barranco" arrastando conosco aqueles que se propuseram a seguir os mesmos passos de rebeldia.

Jesus buscou prevenir tragédias desse tipo. Tirar a trave do seu olho significa tomar a consciência dos próprios erros, defeitos, inclinações para condutas más, fraquezas e aprender consigo debaixo da pedagogia graciosa do Pai. Implica primeiramente em reconhecermos a nossa cegueira.

É tentador querer achar o argueiro no irmão. Se temos uma trave na nossa visão, aí só veremos ciscos nos olhos de todo mundo porque as janelas de nossas almas continuarão sujas. Tal é a atitude do guia cego, de quem pensa ter presunçosamente adquirido sabedoria de Deus supondo não ser mais um paciente da oftalmologia espiritual.

Será que, ao nos consideramos carentes da visão, não estamos percebendo mais da realidade do que quando ignoramos a nossa condição de deficiência?

Nos versos 43-45 do mesmo capítulo, Jesus não apenas dá a dica para fugirmos desses pastores cegos como também praticarmos permanentemente o auto-exame. Porque, se "pelos frutos conhecemos a árvore", tudo o quanto exteriorizarmos pelas atitudes externas vai diagnosticar o estado íntimo do coração. Logo, se estamos cheios de más intenções para com o próximo, pensando em fraudar ou tirar proveitos injustos, que tipo de mensagem salvadora entregaremos aos nossos receptores? Quando muito, neste caso, iremos passar um conteúdo teológico que pode ser ensinado até por um professor ateu na sala de aula de um seminário qualquer.

Contudo, pela prática obediente da instrução do Mestre, é estabelecido o firme fundamento do discipulado. É nos esforçando por viver segundo os ensinamentos de Jesus que adquirimos o verdadeiro aprendizado e, a partir daí, conseguimos situar melhor o significado da "casa construída sobre a rocha".

Entendendo a "casa" como o futuro ministério do discípulo, a prática sincera da vida cristã seria o alicerce de toda obra. Se for um real seguidor da Palavra, o líder conseguirá suportar as "enchentes" previstas e que, certamente, serão muitas. Do contrário, o trabalho tenderá ao fracasso quando exposto às situações adversas comuns a qualquer ambiente de convívio humano. Pois, nas horas difíceis, o pastor cego acaba sendo o referencial visível de sua comunidade eclesiástica.

Curioso, meus amados, é que a prática produz efeito sobre nós e eis aí um dos segredos revelados por Jesus. Exercitando o auto-conhecimento e a obediência reverente aos mandamentos, experimentamos o verdadeiro crescimento em Cristo. Aliás, eu arriscaria em dizer que o desenvolvimento da espiritualidade é como estudar Matemática. Você só consegue aprender a disciplina fazendo contas e resolvendo os problemas de Aritmética, Álgebra e Geometria. Ou seja, pondo a teoria dos livros no papel! É o que posso dizer através das minhas próprias quedas e tentativas frustradas de acertar o alvo.

Que Deus ilumine nossas vidas!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro O Cisco e a Trave (1619) do pintor barroco italiao Domenico Fetti (1589-1623) e se encontra atualmente no Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque. Extraí a figura do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Domenico_Fetti_-_The_Parable_of_the_Mote_and_the_Beam.jpg

Nenhum comentário:

Postar um comentário