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segunda-feira, 24 de junho de 2013

É preciso cautela diante da agitação do "mar"!



"Falou Daniel e disse: Eu estava olhando, durante a minha visão da noite, e eis que os quatro ventos do céu agitavam o mar Grande." (Daniel 7:2)

"Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia." (Apocalipse 13:1)

Dentro da imagística bíblica, o mar seria uma espécie de figura comum para a tumultuosa agitação das massas, o que muitas das vezes pode trazer perigo e se tornar uma oportunidade para o mal. No sonho do profeta Daniel, são mostrados quatro "animais", representando quatro reinos, os quais dominaram a parte leste da bacia do Mediterrâneo entre o século VI a.C e o V de nossa era. Já no livro do Apocalipse, a besta que emerge do mar seria identificada como o poder perseguidor que se levantou contra a Igreja de Cristo vindo de Roma (as "sete cabeças" seriam os sete montes ou colinas da capital do antigo Império).

Nos mitos do antigo Oriente Próximo, as profundezas das águas oceânicas representariam o caos e a morte.  Há um relato mítico não bíblico sobre a criação do mundo onde "o Mar" é apresentado como um monstro a ser morto pelos deuses numa batalha titânica. Da carcaça que sobra do dragão despedaçado surge o Universo. A ameaça do caos à ordem estabelecida é então subjugada pelos deuses, os quais dominam sobre as "ondas". Paralelamente, nas Escrituras Sagradas, o mar não ameaça o Altíssimo, mas obedece às suas ordens soberanas.

Adotando a mesma figura de linguagem das antigas profecias ao momento político tenso em que a nossa nação brasileira, repentinamente, passou a viver nas ruas das grandes cidades este mês de junho, caracterizado por um tsunami de protestos, há que se ter sempre a cautela necessária diante da agitação do "grande mar". Vejo que os movimentos ocorridos nas últimas semanas, seguindo uma tendência que parece ser mundial, abriram inúmeras possibilidades para o futuro e nos colocou num caminho sem volta onde os odres velhos não poderão conter mais a fermentação do vinho novo. Tais manifestações, de certa maneira, representam uma tentativa de desconstrução de tudo aquilo que causa efeitos ruins sobre o cotidiano do brasileiro, mas não ficou bem claro como o povo deseja fazer sua reedificação.

A presidenta Dilma bem posicionou-se nesta última sexta-feira (21/06) dando a entender que será proposto um diálogo entre governos e sociedade, mas nem todos deram ouvidos por causa da nossa crise de representação, a qual é fruto de uma falta de confiança generalizada nas instituições democráticas. Porém, este deveria ser um momento de uma pausa e aguardarmos atentamente o Planalto, os governadores e os prefeitos, bem como as lideranças do Legislativo, estabelecerem uma agenda de trabalhos para iniciarmos uma conversação produtiva. E sendo assim, se persistir um clima continuado de protestos, não tem como fluir a comunicação desejada entre as partes.

Penso que a população já expressou suficientemente o seu sentimento nesses últimos dias e o recado dado foi entendido pelos governantes. Assim, a manutenção dos protestos em nível nacional pode conduzir a uma crise sem limites dando espaço para a atuação de forças negativas que querem romper com a democracia, criando um clima de guerra civil, e pondo a perder as conquistas já obtidas até aqui. Lamentavelmente, tem faltado mais espiritualidade na vida do brasileiro e foi isto o que escrevi num dos dois artigos publicado ontem neste blogue:

"Nesses dias em que a nação brasileira tem protestado contra inúmeras injustiças, sinto que falta a muitos aprender o exercício da cidadania junto com o desenvolvimento da espiritualidade, a qual não pode ser vista como um mero segmento de nossas vidas. Ao invés de violência e vandalismo, por que não orar?! Quanto a isto, temos muito o que aprender com os egípcios que não são cristãos. Recordo que, durante a Primavera Árabe, inúmeros manifestantes ajoelhavam-se para orarem pra Alá às sextas-feiras na Praça Tahrir ("Praça da Libertação"). Confrontos com a polícia aconteciam, assim como as provocações dos defensores do ditador Hosni Mubarak e dos opositores. Contudo, eles significavam aquele momento histórico na religião que seguem, bem como os minoritários cristãos de lá clamando a Allāh al-ʼAb (Deus, o Pai), coisa que nós brasileiros negligenciamos"

Livres das amarras de qualquer tradicionalismo religioso, penso que podemos buscar uma espiritualidade de maior qualidade nesse preocupante momento de tensão política. Quantos realmente têm orado ou feito suas preces pelo país?! Ou será que simplesmente nos deixamos envolver de maneira passiva pelas energias que agitam o nosso planeta e a nossa sociedade indo atrás de qualquer discurso político?

Creio que pessoas espiritualizadas e com uma fé de raízes, a exemplo do profeta Daniel, podem influenciar decisivamente a sua geração fazendo a diferença. E a orientação que eu daria agora é que devemos lutar pelo surgimento de oficinas de debates capazes de construir soluções para o Brasil e suas cidades, com foco principalmente no município que é o lugar onde a participação popular pode ser efetivamente exercida. A meu ver, torna-se fundamental a promoção de uma democracia de proximidade capaz de reforçar a influência de seus cidadãos sobre o seu cotidiano e nas atividades comunitárias.

Devemos crer num futuro vitorioso para o nosso país. Protestar não é a única maneira das pessoas se expressarem e, se a presidenta abriu as portas para o diálogo, devemos aproveitar esta oportunidade dada e não desperdiçá-la. É hora de participarmos da construção do novo. Os que querem continuar provocando atos de violência e de vandalismo caminham na contramão do processo evolutivo, tentando retardar o desenvolvimento da nossa democracia tão arduamente conquistada. Porém os que amam de fato o Brasil entenderão que agora é preciso colaborar propositivamente na construção de um país mais justo, solidário, verdadeiramente democrático, rígido quanto à corrupção e onde o acesso do cidadão às instâncias decisória do poder seja facilitado.

"Mas os santos do Altíssimos receberão o reino e o possuirão para todo o sempre, de eternidade em eternidade" (Dn 7:18).


OBS: A imagem acima foi extraída do site da Agência Brasil e se refere ao protesto ocorrido na cidade de Niterói dia 19/06/2013.

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