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sexta-feira, 31 de maio de 2013

O feriado de Corpus Christi pra mim



Mesmo não sendo um católico romano, um dos feriados que mais aprecio é o de Corpus Christi. Não pelas festividades religiosas, obviamente, mas sim pela época em que ele ocorre no final do outono do Hemisfério Sul.

Gosto do frio que faz a partir da segunda quinzena de maio. São aconchegantes dias de curta duração, o ambiente do Sudeste brasileiro não se encontra tão seco como no inverno e os nossos corpos ainda não se sentem saturados das baixas temperaturas. O sol de meio dia é suportável e, se não estiver chovendo ou ventando forte, dá até para pegar uma praia das onze da manhã às duas da tarde. À noite, é prazeroso colocar um agasalho e sair para jantar num restaurante. Mesmo no lar, cai muito bem tomar aquela sopinha, comer um aipim cozido, saborear um mingau temperado com canela ou beber aquele chocolate bem quente. Até nas cidades litorâneas o tempo se torna suave e agradável no Corpus Christi.

Quanto às festividades dos católicos, tenho minhas reservas quanto a determinados atos praticados nas solenidades deles, os quais, em alguns aspectos, não me identifico. Porém, não posso deixar de compartilhar a admiração que tenho pela ornamentação dos logradouros públicos das cidades luso-brasileiras. Acho super bacana aqueles tapetes coloridos que compõem o caminho por onde passa a procissão religiosa. Ontem mesmo (30/05), as crianças daqui de Muriqui estavam decorando partes das ruas Doze de Outubro e Minas Gerais, entre as quais fica localizada a Paróquia de Nossa Senhora das Graças.

Em relação a este costume tradicional, não tenho nenhuma objeção. Muito pelo contrário! Vejo em tal momento não só uma manifestação da arte e da cultura como também uma bela oportunidade para que haja um entrosamento comunitário, algo que tem ocorrido com menos frequência no Brasil de hoje.

Numa época em que as pessoas já não se identificam tanto umas com as outras, com a violência assustando a todos nós, por que não fazermos das ruas uma quadro vivo de alegria, de fraternismo e de convivência humana? E que tal oportunizarmos o momento da confecção dos tapetes para expressarmos algumas reivindicações sobre justiça social independentemente da religião?

Penso que as igrejas evangélicas brasileiras perdem muito por não comemorarem este feriado. É certo que o Corpus Christi é uma comemoração dos católicos surgida na época medieval, mais precisamente no século XIII. Foi instituída pelo então Papa Urbano IV (1195-1264) com o objetivo de testemunhar publicamente o mistério da Eucaristia seguindo a crença na trans-substancialização do corpo de Cristo na hóstia que é distribuída durante as missas. Todavia, nada impede que cada congregação cristã celebre o feriado a seu modo, conforme a visão espiritual do respectivo grupo, e preservando o que há de bom nas tradições populares.

No meu ponto de vista, devemos buscar sempre procurar atualizar as tradições herdadas dos nossos ancestrais ao invés de rompermos totalmente com elas. No século XIII, Lutero e Calvino nem tinham nascido e a Europa Ocidental era ainda católica romana em sua totalidade. Nós, os brasileiros, adotamos o catolicismo como religião oficial até à Proclamação da República (1889) e recebemos dos portugueses os costumes dos tapetes. Só nas últimas décadas é que o protestantismo e o secularismo tornaram-se de fato expressivos em nossa sociedade de modo que ainda há na memória de todos nós as lembranças registradas das festividades paroquiais muito mais marcantes até os anos 80 do século XX.

De maneira alguma proponho que voltemos ao passado ou que as igrejas evangélicas submetam-se à autoridade do papa pois isto, a meu ver, seria um atraso. Mas penso que a comemoração desse feriado pode e deve contribuir para a unidade cristã de toda a Igreja independentemente dos seus variados segmentos. O pão e o suco tinto de uva ministrados durante a Santa Ceia, eu creio serem símbolos de uma realidade muito maior. Afinal de contas, somos todos membros do Corpo de Cristo e isto pra mim é a revelação do mistério eucarístico na qual realmente acredito.


OBS: A foto acima retrata a decoração das ruas de Mangaratiba, cidade do litoral sul-fluminense, durante o o feriado de Corpus Christi. Foi extraída do site da Prefeitura Municipal na notícia divulgada em http://www.mangaratiba.rj.gov.br/noticiasantigas/noticia.php?id=1908

quarta-feira, 29 de maio de 2013

As escolhas e o estágio de crescimento existencial de cada um

Uma das mais difíceis tarefas que se tem quando convivemos com pessoas é saber respeitar as decisões delas.

O ser humano recebeu do Autor da Vida o livre arbítrio pelo que se crê numa auto-limitação do Criador quanto às escolhas da criatura. Em outras palavras, por sermos consciências individuais, com ampla liberdade para agirmos sobre a realidade física, temos um direito que precisa ser respeitado por todos. E, se alguém não quer (ou não consegue) respeitar, está cometendo um assédio em relação ao outro com a possibilidade de também atrair consequências ruins para si.

É difícil compreendermos que cada qual tem o seu momento de alcançar a maturidade existencial e que temos permissão até para estagnarmos e retrocedermos em nossa caminhada evolutiva. Ninguém tem o poder de amadurecer o outro. Isso é impossível! O máximo que se pode fazer é trabalhar pacientemente na vida das pessoas compartilhando o próprio aprendizado (quando elas estiverem dispostas a nos ouvir e partilharem algo de si). E aí precisamos medir a extensão do nosso auxílio.

Será que estou realmente contribuindo para o bem estar e para o crescimento de fulano? Ou estou infantilizando quem se encontra a minha volta e criando nas pessoas uma dependência existencial em relação a mim?

Estas são perguntas que devemos fazer a nós mesmos e jamais nos descuidarmos das próprias vaidades que  ainda estão sendo oportunizadas pelo ego. Ou seja, precisamos estar atentos ao sentimento egocêntrico que acomete muitos líderes ou mestres quanto ao desejo de serem tutores dos outros ao invés de parceiros. E não podemos nos esquecer que o verdadeiro Mestre de todos é Deus! Pois, não raras vezes, quando o "aluno" passa por um momento de crescimento espiritual acelerado, ainda mais fazendo maravilhosas descobertas por si próprio, quem colabora para instruí-lo na escola da vida não pode se deixar bloquear por algum sentimento de inveja. Através do neófito, todos também poderemos aprender.

Quando Saulo de Tarso, o ex-perseguidor da Igreja, tornou-se o apóstolo Paulo, será que muitos discípulos de Jesus não se sentiram por muito tempo bloqueados e inconformados por assistirem aquele homem transmitindo as Boas Novas de Cristo para as distantes regiões do mundo romano? Afinal, Paulo nem andou com Jesus, era um inimigo da causa do Evangelho e consentiu com a morte de Estêvão, não foi mesmo?

Bem, eu tirei esse exemplo da Bíblia apenas para ilustrar e não pretendo entrar em maiores detalhes polêmicos que possam desviar o foco dessa mensagem. Há muitas controvérsias sobre a vida de Paulo, inclusive sobre o "espinho na carne", a experiência de conversão no caminho de Damasco, as revelações que ele tinha, as fontes de seu ensino, a autoria e a redação das epístolas que lhe são atribuídas, os seus atos praticados posteriormente à prisão em Roma não registrados no Novo Testamento, se ele chegou a viajar depois até à Espanha, etc. Porém, esses estudos só fazem algum sentido quando aplicados ao cotidiano de cada um. Quando são relacionados com a vida que levamos pois, do contrário, não passa de mero conteúdo teológico para distrair os estudiosos.

Pois é. Falando um pouquinho de mim, posso dizer que a transmissão em excesso de informações às pessoas é um erro que procuro tratar no meu comportamento. Muitas vezes quero passar para as pessoas tudo aquilo que sei achando que elas precisam conhecer por completo a minha experiência individual para alcançarem semelhante nível de entendimento. Contudo, esqueço, nessas horas, que cada ser humano possui a sua própria caminhada por mais que ande em grupo. Parte daquilo que aprendi poderá servir só para mim e mais ninguém.

Volto a dizer que é um tremendo desafio lidar com pessoas e também procurar ajudá-las. Talvez por isso sempre precisamos de um momento de solidão que nos permita refletir e depois retornarmos. E, se não temos a oportunidade de fazer retiros (não me refiro a esses passeios que as igrejas fazem no Carnaval), penso que a busca do silêncio ajuda muito. Basta reservarmos um tempinho dentro do quarto, num parque ou no banco isolado de uma praça.

Lembro que, quando ainda morava em Nova Friburgo, um pastor evangélico elogiava os católicos pelas igrejas proporcionarem ao devoto uns momentos diários de meditação em ambiente tranquilo no interior do prédio religioso. Isto porque, quando não está sendo celebrada a missa, há padres que mantêm as portas de suas paróquias abertas permitindo que qualquer um entre ali para orar individualmente. E o mais importante que reparo é o respeito dos católicos pelo ambiente visto que todo mundo no local costuma falar baixinho, prestigiando o silêncio, enquanto muitos evangélicos raramente preservam a tranquilidade nas congregações onde se reúnem. Antes do culto começar é um falatório só...

É certo que a vida cristã não se resume a retiros ou a períodos de silêncio. Pois é no dia a dia dos relacionamentos interpessoais que crescemos. É no conflito que o nosso caráter é testado e temos a oportunidade de confirmar por meio de ações aquilo que escolhemos ser durante um momento reflexivo. Então, quando estamos novamente lidando com aqueles que julgamos ser "irmãos retardatários", é necessário agir com paciência.

Por algum motivo, a epístola de Tiago recomenda que muitos não deveriam tornar-se mestres, alertando sobre o recebimento de um julgamento mais severo (Tg 3:1). Logo, se ainda não tivemos a oportunidade de liderar um ministério, devemos agradecer a Deus por ter nos poupado de uma responsabilidade maior quando nos faltava o preparo necessário para cuidar melhor das ovelhas do Senhor. Pois aquilo que falamos ou fazemos pode influenciar os outros. Um pastor pode, inclusive, sufocar o crescimento espiritual dos irmãos que se encontram sob seu auxílio.

Antes de sermos pastores, somos ovelhas de Cristo, o qual a ninguém prende dentro de um curral. Pelo contrário! Nosso Guia chama a cada um de nós pelo nome e nos conduz "para fora" (Jo 10:4). Por meio da Palavra, cada um deve locomover-se com as próprias pernas para sair pelos campos e encontrar a "pastagem" (v. 9). É assim que devemos experimentar a tão desejada "vida abundante" (v. 10) nem sempre compreendida por quem dela fala.

É certo que não queremos que ninguém erre deixando de ouvir a voz do Bom Pastor que deu a sua vida pelas ovelhas. Mas é preciso deixar cada um a vontade para fazer suas escolhas ou, do contrário, nos tornaremos um obstáculo para a obra de Deus. Respeitar essa condição é ter uma atitude de obediência e de fé! É crer tranquilamente que a Palavra do Eterno não volta vazia e que, a seu tempo, a ovelha desgarrada retornará caminhando com todas as outras novamente. Talvez até andando na nossa frente e sendo um instrumento de Deus para instruir quem antes lhe ensinava. E aí, quando isto acontecer, se ocorrer, que possamos saborear o momento.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Uma pequena mudança no blogue



Não me custa dar esta satisfação ao leitor. É que, a partir desta tarde, o blogue não estará mais recebendo comentários anônimos. O motivo encontra-se lá na nossa Constituição Federal que assim proclama:

"É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, IV - destaquei)

A Lei Maior do país veda qualquer tipo de censura política, ideológica ou artística e eu respeito isso. Admito que qualquer pessoa publique neste espaço de uso privado as suas opiniões sejam elas de esquerda, direita, centro, liberal, conservadora, socialista, nacionalista, internacionalista, fascista, cristã, judaica, muçulmana, ateia, favoráveis à liberdade de expressão e até mesmo contrárias a esta. Quem desejar divergir até do blogueiro, pode se sentir à vontade, mas, em em todo caso, peço que "assine" sempre o que escreveu.

Como este blogue é também um espaço político, estava mais do que na hora a adoção dessa medida. Afinal, vivemos há mais de vinte anos numa democracia e não vejo razões para as pessoas ficarem se escondendo. Se a manifestação do pensamento é livre, então pra que o anonimato?

Uma boa tarde de segunda-feira para todos!

sábado, 25 de maio de 2013

Seremos reconhecidos como o país do futebol e das cracolândias?



Conforme tenho assistido na TV por esses dias, talvez o Brasil já seja o maior consumidor do crack. É o que informa uma pesquisa feita pela USP noticiada recente pela TV GLOBO:

"O Brasil é o maior mercado do mundo de crack e o segundo de cocaína. Somente no último ano 2,3 milhões de pessoas experimentaram esses tipos de droga. O que chama atenção é que 442 mil foram adolescentes, de acordo com uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo. O Recife é uma das cinco cidades brasileiras onde mais se usa o crack, junto com o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília." (destaquei)

Ultimamente, muito se tem debatido acerca da internação compulsória dos usuários do crack, uma das piores drogas comercializadas ilegalmente no nosso país. É lamentável admitir isso, mas as cidades brasileiras já vivem hoje uma preocupante epidemia social. São grupos de dependentes químicos jogados pelas ruas e morando fora de seus lares, os quais andam por aí assaltando pessoas, não cuidam da higiene pessoal e se destroem cada vez mais porque já perderam tudo o que lhes restava em termos de dignidade.

Alguns meses atrás, eu estava conversando com um senhor morador do interior da Bahia que me disse algo mais ou menos desse jeito: "Lá na minha cidade, a polícia já andou matando alguns. Viciado é assim. Ou prende ou mata". Respondi-lhe reconhecendo que a única medida urgente que deve ser praticada nesses casos seria mesmo a internação obrigatória dos usuários do crack. Entretanto, ponderei que muitos deles são também pessoas com distúrbios psiquiátricos e que precisamos oferecer tratamento a eles.

Mas por que existem pessoas se envolvendo com uma droga tão pesada e destruidora a ponto de aniquilar as potencialidades do indivíduo?

Penso que seja justamente a falta de dignidade humana na sociedade brasileira que o problema do crack veio evidenciar. Confesso que, do final de minha época de estudante secundarista até pouco meses antes de completar 23 anos (1999), eu poderia ter me afundado no álcool devido a questões emocionais não resolvidas. Comecei a beber cerveja entre os 17 e 18, sendo que não demorei muito para experimentar a malvada da cachaça. Mas ainda bem que Deus colocou em meu caminho o seu Naélio, um vizinho participante do AA. Ele foi também o primeiro locador de imóvel que tive quando deixei Juiz de Fora para dar prosseguimento ao meu curso de Direito na cidade serrana de Nova Friburgo. Certa noite, quando cheguei bêbado de uma passeio em Lumiar e mal conseguia abrir a porta da casa, ele veio me dar atenção, ofereceu-me um café velho para ver se eu me desintoxicava pelo vômito e me auxiliou dando palavras de ânimo para largar aquele vício que é porta de entrada para tantos outros. Naquela época eu já estava até misturando no estômago cerveja com destilado. Se faltasse o uísque, servia qualquer pinga mesmo...

Interessante que, depois daquele dia em que seu Naélio veio me ajudar, não tornei mais a me embriagar. Semanas após, já nos dias do Carnaval, conheci a minha esposa Núbia quando fui passeando de Lumiar até o Sana, já na região de Macaé. Não bebi nenhuma gota. Minha mulher, embora ainda fosse usuária de álcool, serviu-me até de estímulo para que eu me mantivesse sóbrio.

Tenho pra mim que uma das portas para o vício seja justamente a falta de aceitação social da pessoa que já trás consigo os seus problemas de personalidade ou de comportamento. Vivemos num mundo em que, por motivo de comodidade e praticidade, exclui-se sem dó e sem piedade quem não se encaixa nos padrões estabelecidos. E isto acontece na vida laboral, escolar, familiar, comunitária e até religiosa.

Sem dúvida que o viciado em crack é alguém que foi jogado fora da sociedade, mesmo que a exclusão tenha se dado por sua própria iniciativa. Tratam-no como um marginal, uma maçã podre que deve ser retirada do meio das outras, como se fosse um caso sem solução. Se já é difícil dar emprego para pessoas "normais" sem experiência profissional, para um viciado em crack muito menos. Se ele tenta retornar para o convívio familiar, os parentes nem sempre sabem ouvi-lo pelo que acabam se embaraçando por fazerem julgamentos morais e exigências imediatas de mudança comportamental. Logo, o indivíduo acaba se abandonando e vai procurar alguma convivência no meio de outros usuários de drogas com os quais se identifica nas ruas.

Reconheço que dar ajuda a um drogado nunca é fácil. Precisamos admitir que a internação compulsória, por si só, não vai afastá-lo desses vícios, mas apenas retirar do nosso convívio aberto quem hoje provoca uma desarmonia dentro das cidades. Pois, sem existir interesse por parte do dependente químico, o tratamento recebido numa clínica de recuperação é de baixa eficácia. As doses de prometazina e de outras medicações vão apenas desintoxicar o organismo deles, mas não a mente. Mesmo sendo oferecida uma psicoterapia, esta não surtirá o efeito desejado caso o paciente recuse-se a abrir seu coração e iniciar a sua luta diária pela sobriedade.

Sem dúvida que a internação compulsória é um tema polêmico. Sou favorável à medida mas estou consciente de que ela resolve mais o problema da sociedade do que o dos dependentes químicos. Ainda assim não se trata de uma solução satisfatória porque as raízes do comportamento de vício permanecem no nosso meio de gente ignorante, insensível e incapacidade para acolher o outro apesar dos discursos de "inclusão" que a todo instante se acham nas bocas dos políticos, ministros religiosos e personalidades famosas.

O que talvez veremos no decorrer dessa década serão milhares de drogados sendo recolhidos por casas de internação para serem devolvidos tempos depois para as ruas e retornarem para os vícios. Na certa, alguém lucrará passando a toalha no gelo e não tardará para ficar evidenciado o fracasso das instituições públicas e conveniadas ao SUS. A sociedade, por sua vez, vai se contentar com as ruas livres do "lixo humano" por ela mesma produzido sem questionar nem ao menos a grana que estará sendo gasta com a indústria dos sanatórios. E, na época dos grandes eventos esportivos, o prefeito carioca Eduardo Paes poderá mostrar ao mundo um Rio aparentemente maravilhoso com as cracolândias ressurgindo discretamente a todo instante pelas periferias (isto tem acontecido nas comunidades do Complexo da Maré).

Já não tenho muito o que escrever agora e a estupidez desse país é desanimadora pela falta de concepção holística da coisa. Por isso, sou mais fã das iniciativas tomadas pelas igrejas, ONGs e grupos isolados da sociedade civil. Com toda a imperfeição humana, admito o trabalho de uma congregação batista em São Paulo mostrada algumas vezes pela TV. Lá, esses valorosos irmãos estão construindo uma nova realidade chamada por eles de "cristolândia" e proporcionando uma dignidade integral ao usuário do crack. Algo que inclui tanto o apoio psicológico como o espiritual. Leiam sobre a reportagem que foi exibida em janeiro pelo Jornal Nacional.

É lógico que nem todos se libertam porque o processo de cura dos vícios depende da disposição individual de cada um, mas o percentual de gente recuperada é bem significativo. E creio que aí está o poder transformador da Palavra de Deus, da oração, do amor fraterno, do louvor, do arrependimento e da nossa entrega por inteiro nos braços do compreensivo Pai Celestial.

Com todos os erros históricos da religião, a Igreja é quem pode reorganizar a sociedade de acordo com os valores construtivos do Reino de Deus. Pela pregação sincera do Evangelho de Cristo, o homem toma consciência de que: tem o perdão incondicional de seu Criador; pode ser transformado numa nova criatura recebendo um coração regenerado; sua vida não se limita a esta experiência terrestre; a alegria e a paz interior não dependem dos bens materiais adquiridos, nem da beleza, nem de status ou diplomas; ganha outros irmãos, irmãs, pais, mães e filhos além da sua família de sangue; e passa a fazer com que outros tornem-se destinatários do amor com o qual foi divinamente agraciado independentemente de méritos morais.

Pois é, amigos leitores. Para o Brasil vencer o crack e não ser reconhecido como o país do futebol e das drogas, só Jesus na causa. Espero que a nossa nação entenda logo isso para que novas cristolândias possam surgir pelas ruas de cada cidade. Que Deus te abençoe e nos dê uma excelente semana!


OBS: Foto extraída do site da Agência Brasil em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-12-07/governo-lanca-plano-de-combate-ao-crack-investimentos-chegam-r-4-bi-ate-2014 onde a presidenta Dilma promete investir 4 bilhões de reais no combate ao crack até 2014.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Neymar homofóbico?!

A publicidade de cuecas da marca Lupo, feita com a participação do jogador Neymar, tem levantado uma polêmica tola nas redes sociais. O vídeo disponibilizado no Youtube já conta com mais de 144 mil visualizações até o momento. Durante a propaganda, o atacante do Santos aparece com a peça solicitada por cada mulher que entra na loja. Mas, quando é a vez de um homem, Neymar se esconde e deixa o estabelecimento fazendo caretas.



Sinceramente, acho que tem gente querendo ver homofobia onde não tem. Nada contra os grupos minoritários da sociedade manifestarem-se em relação à exibição de materiais na TV que realmente promovam ou instiguem o preconceito contra gays, lésbicas, negros, muçulmanos, judeus, mulheres, etc. Porém, é preciso haver limites e uma compreensão maior sobre a liberdade de expressão que é um direito garantido pela Constituição do país. Do contrário, daqui uns tempos, perderemos até o direito de dar nossas gargalhadas em programas como Zorra Total ou o saudoso Casseta & Planeta.

 A meu ver, a cena em que o Neymar esconde-se quando aparece um outro rapaz na loja em nada tem a ver com a discriminação contra homossexuais. Trata-se da exploração do humor comum do telespectador brasileiro. Nada mais.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Chamas infernais da língua

"Ora, a língua é fogo; é mundo de iniquidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno." (Tiago 3:6; ARA)


Em janeiro de 2011, quando eu ainda estava morando no município serrano de Nova Friburgo (RJ), durante a maior tragédia climática do país, três rapazes espalharam um boato de que uma represa teria se rompido e que as águas inundariam logo a cidade. Todos já estavam muitíssimos abalados com os últimos acontecimentos ocorridos na madrugada do dia 11 para 12/01/2011 e aquela mentira veio causar um grande tumulto na população. Do alto do meu prédio, assisti pessoas correndo pelas ruas e subindo para as áreas mais altas temendo serem carregadas pela correnteza do rio Bengalas até que passou uma viatura policial esclarecendo ser falsa aquela notícia maligna.

Felizmente não houve acidentes graves visto que, na confusão, alguém poderia ter sido pisoteado ou atropelado por algum veículo em meio a tanto desespero. E, numa dessas, um paciente cardíaco tem grandes chances de passar mal vindo a infartar repentinamente. Quem tem propensão à síndrome do pânico, pode desenvolver essa doença da mente. E nada garante que, em momentos depois da notícia, um idoso hipertenso acabe precisando de internação hospitalar apenas por causa de uma mentirinha que foi contada.



Em situações não muito diferentes, há quem semeie palavras ruins aumentando mais ainda o problema. Se um casal passa por dificuldades, não faltam fofoqueiros de plantão para sugestionar desconfianças sobre traição na cabeça de um dos cônjuges. Parentes, vizinhos e até aquela pessoa que diz ser amiga começam a alimentar os piores sentimentos de quem foi emocionalmente ferido, o que, em via de regra, desperta indignação, aborrecimentos, intrigas, ciúmes, inveja, agressões físicas, processos judiciais e até o assassinato.

Numa época de campanha eleitoral, o que mais se vê é o mal uso da palavra. Candidatos buscam denegrir  a todo custo a imagem do concorrente. Fazem isso de maneira rotineira criando uma central de boatos com tudo cientificamente planejado,  como se estivessem representando numa peça de teatro, entendendo até que as artimanhas fazem parte de um legítimo jogo político. Só que poucos partidários têm consciência das consequências espirituais de se espalhar palavras aquelas vãs que conduzem o sentimento de uma sociedade.

Acontece que nenhum desses comportamentos convém aos santos, isto é, não condiz com os objetivos das pessoas que estão buscando o aperfeiçoamento ético-espiritual estando dispostas a evoluir e a crescer. Conversas más, blasfêmias, mexericos, malícias, mentiras e perjuros impedem que o praticante de tais coisas desfrutem  da herança do reino celestial pelo que transtornam suas próprias vidas em verdadeiros infernos. Isto porque a escolha de uma conduta ruim demonstra a incompreensão do sentido regenerador do Evangelho e da graça divina. E, enquanto não interiorizamos em nós o viver conforme a Verdade, deixaremos de experimentar a plenitude da salvação em Cristo, algo que precisamos vivenciar aqui mesmo na terra e não só quando "partirmos desta para uma melhor".

Diz o texto bíblico citado que "a língua nenhum homem é capaz de domar" (Tg 3:8), dando a entender que até mesmo os santos tropeçam no emprego das palavras. Deste modo, Tiago começa advertindo sobre a necessidade de cautela na escolha dos ministros do ensino no meio eclesiástico a ponto de preferir um número menor de mestres (verso 1 do capítulo).

Curiosamente a Bíblia coloca o leitor diante de um mandamento incumprível, contra o qual todos falhamos, mas que, ao mesmo tempo, orienta-nos a observar o que ali diz. Então, uma das figuras de linguagem escolhida pelo autor sagrado fala a respeito da colocação de "freios nas bocas dos cavalos" (verso 3), o que pode significar um antídoto contra o uso indevido da palavra além da condução sobre os atos praticados pelos demais membros do corpo.

Ao que parece, por "freios" na língua seria a atitude mais apropriada para um homem temente a Deus disposto a obedecer a Palavra. Um líder aceitável não é aquele que fala muito mas sim o homem capaz de encarar a disciplina de ficar calado quando não for conveniente abrir a boca. E penso que isto inclui o direcionamento da satisfação pessoal para coisas mais produtivas e espiritualmente elevadas. Pois, só assim, é que deixamos de ter prazer nas fofocas, nas mentiras e nos assuntos frívolos. Logo, "dirigir" a língua, como se navega no mar, inclui também a maneira como lidamos com os pensamentos e as motivações mais íntimas do coração.

Diante do difícil desafio da convivência humana, na qual a linguagem é o fio condutor entre as pessoas, precisamos lidar com o problema debaixo do divã terapêutico da graça divina. Certamente que tropeçaremos, estaremos em vários momentos inflamados pela ira, instigados pela vontade de dar respostas imediatas a quem nos provoca, afetivamente carentes ou desejosos de expor tudo o quanto sabemos. Involuntariamente, ou sem conseguirmos domínio sobre as emoções, ainda haveremos de pecar muitas vezes. Contudo, nessas horas, devemos nos fortalecer em Deus para nos levantarmos seguindo rumo à estatura do varão perfeito que é Cristo.

Que caminhemos com maior sensibilidade no nosso cotidiano e permitindo que o Espírito de Deus nos ajude a apagar as chamas da língua. Tenha uma ótima quinta-feira!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Lembranças de uma guerra suja




Felizmente o Brasil é um país pacífico. Pelo menos podemos dizer isto quanto aos conflitos bélicos internacionais. Porém, se recordarmos um pouco a história, veremos que as coisas nem sempre foram assim. Principalmente por ter a nossa nação tomado parte na mais sangrenta guerra ocorrida no continente sul-americano - a do Paraguai (1864-1870).

Nos dias de hoje, já não se cultua tanto com heroísmo a atuação do Brasil naquela guerra. Quando meu avô paterno foi aluno das escolas militares, durante a era Vargas, a história ainda era contada do ponto de vista do vencedor. Mesmo no começo dos anos 80, no governo do general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), até nas instituições civis de ensino seguia-se a versão oficial ainda que diversos professores já a contestassem. Só que, devido à censura imposta pelo regime militar, nem todas as vozes tinham a oportunidade de se expressarem com o devido espaço nos meios de comunicação.

Em minha ascendência pelo lado paterno, tive dois ancestrais que tomaram parte na Guerra do Paraguai pelo exército brasileiro vindo ambos a se tornar marechais. Um deles, o mal. Aires Antonio de Moraes Ancora (1831-1890) nasceu no Nordeste do país enquanto o outro, o mal. Francisco Carlos da Luz (1830-1906) era sulista, catarinense de Praia Comprida. No Rio de Janeiro, as duas famílias vieram a se unir por meio de dois matrimônios em gerações diferentes formando assim o pequeno clã dos Ancora da Luz que também ramificou-se pelo interior paulista e outros estados.

Bem, confesso desconhecer sobre detalhes desses dois patriarcas que atuaram na defesa de nossa pátria. Pouco posso escrever a respeito deles a não ser que participaram daquela guerra como militares e que depois prosseguiram com suas vidas sobrevivendo ao fim do Império, não tendo muito o que acrescentar além do que consta disponível na Wikipédia. Nem o meu saudoso avô Sylvio chegou a conhecê-los pessoalmente e as coisas que me contou foram passadas a ele por um bisavô que jamais conheci.



Como em toda guerra, os soldados entram no campo para matar o adversário, conquistar pontos estratégicos e provocar danos. Se a Engenharia leva tempo para construir estradas e pontes, as Forças Armadas trabalham para destruir uma cara estrutura em questão de instantes. E, no século XIX, ainda não havia lá tantos tratados e normas protegendo os civis como nos conflitos armados de hoje. Praticar certas atrocidades fazia parte do jogo de modo que uma batalha poderia incluir o bombardeio de uma cidade com canhões, o incêndio de um campo agrícola, bem como a morte de mulheres e crianças, os quais chegaram a ser recrutados pelo ditador paraguaio Francisco Solano Lopez (1827-1870).

É certo que foi o Paraguai quem invadiu o Brasil não desistindo de lutar até perder completamente a guerra. Porém, não há como negar a nossa vergonhosa subserviência aos interesses ingleses a ponto de termos negado o acesso ao mar para o país vizinho fazer o seu comércio exterior (na época nem se pensava em criar o Mercosul). Atos de iniquidade foram praticados pelo Brasil quando o adversário já parecia estar vencido. Principalmente sob o comando do Conde d'Eu (1842-1922). Após a vitória brasileira em Acosta-Nu, ele ordenou que se ateasse fogo ao capim seco para que os soldados paraguaios feridos em combate fossem logo mortos carbonizados. Numa outra ocasião, supõe-se que teria sido incendiado um hospital paraguaio com pacientes feridos dentro causando a morte de uma centena de pessoas.



No decorrer da história, houve momentos em que o Brasil tentou compensar o Paraguai ou tirar proveitos alegando estar ajudando a economia do país vizinho. Durante o regime militar, construiu-se na fronteira a gigante hidrelétrica de Itaipu cuja venda de energia ali gerada tornou-se uma importante fonte de receita para eles. Entretanto, também fomos cúmplices da corrupção e do autoritarismo praticados pelos políticos paraguaios a ponto do então presidente José Sarney ter oferecido asilo político ao ex-ditador general Alfredo Stroessner (1912-2006).

Se as guerras internacionais  em território brasileiro praticamente cessaram, por outro lado não seria verdade afirmar que a paz estabeleceu-se de vez por aqui. Por meio do Paraguai ainda entram em nosso país armas, drogas e produtos de contrabando causando grande violência nas ruas de nossas cidades. Na fronteira de Mato Grosso do Sul com o país vizinho, a tensão ainda é maior do que na parte oeste do Paraná devido às ações do crime organizado a ponto de juízes e de delegados honestos viverem num constante risco de vida bem como os seus familiares. Isto sem nos esquecermos da situação dos agricultores nossos que estão por lá sofrendo xenofobismo cuja maioria é oriunda do alagamento da hidrelétrica de Itaipu. São os brasilguaios hoje estão estimados em 350 mil.

Penso que o nosso governo pode trabalhar para reverter os males da história e suas consequências ruins. O primeiro passo seria o Brasil reconhecer a iniquidade praticada durante a guerra como um pecado coletivo e pedirmos perdão. E uma vez que a nação tome essa consciência, confessando o erro por meio de seus representantes eleitos, deve-se dar ao Paraguai uma restituição verdadeiramente suficiente ainda que, com isto, venhamos a abrir mão de toda a renda de Itaipu.



Seguindo por esta via, penso que o mesmo poderá ser feito pelo Brasil a determinadas nações africanas que, no passado, abasteceram o nosso mercado de escravos. Somos em certa medida responsáveis pelos afrodescendentes daqui e de lá, assim como pelo massacre dos povos indígenas, de maneira que hoje é tempo de se reparar toda essa injustiça do passado sem hipocrisia. Além do mais, uma vez que estamos nos tornando uma das maiores economias do planeta, precisamos ser cautelosos para não cometermos novos atos de iniquidade como, por exemplo, as omissões de Lula quanto aos regimes opressivos do Oriente Médio, tipo o Irã de Mahmoud Ahmadinejad e a Síria do fratricida Bashar al-Assad.

Que Deus tenha misericórdia do Brasil e ilumine a nossa nação!


OBS: A primeira ilustração acima corresponde ao conhecido quadro A Batalha do Avaí de Pedro Américo (1843-1903) que se encontra no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Americo-ava%C3%AD.jpg . Já a segunda ilustração trata-se de uma foto desse meu distante ancestral do lado paterno, o citado Marechal Âncora, a qual encontrei no site do Superior Tribunal Militar em http://www.stm.jus.br/ministros-desde-1808/marechal-de-campo-ayres-antonio-de-morais-ancora?b_start=100&type=3 . Em relação à terceira ilustração, é um outro quadro do Pedro Américo, pintado em 1871, sobre a Batalha de Campo Grande, e se encontra no Museu Imperial de Petrópolis. Ali a obra representa o momento em que o Conde d'Eu é impedido de prosseguir no ataque aos paraguaios pelo seu ajudante-de-ordens, capitão Almeida Castro, o qual segura as rédeas do cavalo montado pelo nobre. Foi extraída de http://pt.wikipedia.org/wiki/Gast%C3%A3o_de_Orl%C3%A9ans,_Conde_d'Eu na Wiki também. Finalmente, a última imagem diz respeito à foto da hidrelétrica de Itaipu extraída do próprio site oficial em http://www.itaipu.gov.br/

terça-feira, 21 de maio de 2013

A bendita disciplina de Deus

"O que fez o ouvido, acaso, não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga? Porventura, quem repreende as nações não há de punir? Aquele que aos homens dá conhecimento não tem sabedoria? O SENHOR conhece os pensamentos dos homens, que são pensamentos vãos. Bem-aventurado o homem, SENHOR, a quem tu repreendes, a quem ensinas a tua lei, para lhe dares descanso dos dias maus, até que se abra a cova do ímpio. Pois o SENHOR não há de rejeitar o seu povo, nem desamparar a sua herança." (Salmo 94:9-14; ARA)


O salmo 94, por ser ele um poema imprecatório, não costuma ser procurado pelos cristãos em suas leituras devocionais ou nas pregações bíblicas. Pois para muitos o clamar por vingança parece algo inconcebível com o ensino de Jesus quanto ao amor pelos inimigos, com o perdão e a atitude de procurar o bem de todos durante as orações.

Certamente que a Bíblia abriga várias teologias refletindo as mais diferentes maneiras de pensar dos seus autores, os quais viveram em épocas e contextos diferentes. Talvez seja esta pluralidade que a ortodoxia cristã até hoje não conseguiu assimilar e daí o motivo pelo qual muitos simplesmente preferem evitar a reflexão sobre determinadas passagens que incomodam. E, agindo assim, o leitor acaba empobrecendo o seu aprendizado.

Entretanto, não é sobre isso que pretendo escrever neste texto. Quero passar pelo comentário a respeito do salmo e entrar logo na essência da mensagem edificante que um autor anônimo das Escrituras nos felicitou. E aí o trecho que me desperta a atenção é sobre a disciplina de Deus afim de que não sejamos condenados com o mundo.

O Salmo 94 fala sobre o juízo divino. Provavelmente, deve ter se dirigido a algum monarca ímpio que reinou sobre Israel e desprezava as necessidades de grupos sociais em desvantagem (ler versos 5 e 6), distorcendo o significado das Escrituras para realizar os seus propósitos de iniquidade (versos 20 e 21). E aí, assim como em outros poemas bíblicos, a justiça divina é exaltada ensinando-nos sobre o quanto é breve o reinado da maldade.

Deus é bom e creio que a sua perfeita bondade não se separa de sua justiça a qual, no tempo certo, manifesta-se como vingança santa. E este juízo vingador nenhum homem é capaz de planejar por sermos todos nos injustos ainda que qualquer um possa tornar-se instrumento da ira do SENHOR a exemplo do que diz a Bíblia sobre os israelitas contra os povos cananeus na conquista da Terra Santa e depois falando de Nabucodonosor quando levou cativo o povo de Jerusalém (século VI a. C.)

Há julgamentos que terminam em destruição para desarraigar da terra o homem iníquo. Porém, também existe o juízo de disciplina afim de que o povo de Deus arrependa-se dos pecados cometidos e se volte para o seu Criador. E, nestas horas, precisamos prestar muita atenção sobre os acontecimentos que estão ocorrendo nas nossas vidas.

"Por que eu estou passando por esta ou aquela dificuldade?" É a pergunta que todos devemos formular.

Creio, amados, que, ao fazermos tal indagação, precisamos também ter o cuidado para não cairmos em equívocos. Ainda mais quando se tratar da vida de outra pessoa como fizeram arrogantemente os amigos de Jó. E aí digo que uma situação adversa tanto pode significar juízo como uma provação ou ainda mero infortúnio do qual ninguém está totalmente livre de sofrer. É o que está também lá em Eclesiastes:

"Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e ao impuro; tanto ao que sacrifica como ao que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento." (Ec 9:2)

Todavia, quando o salmista nos fala do juízo de destruição (Deus não tem prazer na morte do ímpio), uma atenção especial foi reservada ao juízo de disciplina para que o servo de Deus aprenda a lei divina e encontre "descanso dos dias maus". Pois o nosso Pai Celestial conhece aqueles que são retos de coração e quer salvá-los. Então, para o nosso bem, somos castigados amorosamente.

Recordo da vez em que fiquei perdido no Parque Nacional da Tijuca em junho do ano passado. Ali eu sofri para aprender sobre não tentar a Deus colocando a própria vida em risco diante de aventuras sem propósito em que um momento de lazer acabou se tornando um pesadelo. Foram três dias e duas noites na floresta sem saber como que seria o meu fim, dormindo ao relento só com a roupa do corpo, sem nada ter para comer e nem ao menos poder avisar as pessoas da família que já estavam preocupadíssimas com meu paradeiro.

Naqueles dias, eu tanto poderia ter sobrevivido como morrido (hoje não estaria aqui blogando na internet). E se fosse vitimado por algum acidente caindo num buraco, quebrado uma perna e levado mordida de cobra? Porém, Deus foi grandemente misericordioso de modo que pude ser visto por um grupo de caminhantes antes de embrenhar-me nas matas do Morro do Elefante. Também não acho que foi por acaso que eu tenha perdido o rumo justamente numa área cheia de nascentes d'água e que abastecem uma represa de Jacarepaguá ao invés de parar num local mais seco onde, na certa, ficaria desidratado.

Poucos dias depois do resgate (25/06/2012), novas lutas começaram em minha vida. Vieram problemas financeiros e a saúde de minha mulher se complicou a ponto de eu precisar interná-la por quase dois meses numa clínica. Foi necessário dar um tempo nos sonhos ministeriais que tinha e enfrentar a dura realidade. Tive que encarar muitas dificuldades praticamente sozinho, lidando com a incompreensão das pessoas, sofrer maus julgamentos a meu respeito, humilhar-me diante de Deus e dos homens saindo da min ha soberba intelectual, afastar-me da superficialidade das redes sociais, usar menos tempo a internet e pedir emprego nas empresas a ponto de me negarem vagas destinadas para quem tem apenas o segundo grau. Quando fui ao balcão de empregos da Prefeitura de Itaguaí, município vizinho, ouvi as seguintes palavras da atendente bem mais nova do que eu:

"Temos até ofertas de trabalho para vendedor em algumas lojas da cidade, mas não posso te informar o nome das empresas porque você não tem experiência na carteira".

Naqueles dias em que eu me encontrava perdido no Parque da Tijuca, senti que ali Deus estava acertando contas comigo. Clamei a Ele para que pudesse continuar a viver e creio que fui atendido. Mas, ainda assim, senti como se a sua mão continuasse pesando por uns tempos, como se eu precisasse passar por um momento de dores, privações, anonimato, falta de reconhecimento, ter necessidades financeiras, instabilidade e ainda ser vítima da ignorância dos outros. Lembro muito bem quando cheguei a trabalhar por uns três dias como frentista num posto de gasolina de Itacuruçá e não ter aguentado o ritmo das atividades. Foi o máximo que consegui com uma CTPS totalmente limpa (ver o artigo Blogueiro a procura de trabalho de 21/09/2012).

Ao mesmo tempo, busquei fugir dessas coisas e não deixei de ir ao encontro da graça divina, tentando cultivar dentro de mim aquilo que é bom. Um belo dia do mês de novembro, sentindo o maior aperto financeiro, resolvi começar a vender picolé na praia. E foi ralando de sol a sol como camelô, mesmo com a carteirinha de advogado no bolso, que pude ir saindo do cheque especial, pagar as dívidas de dois empréstimos no meu nome e de Núbia, acabar de vez com as últimas compras parceladas feitas no cartão de crédito cancelado desde junho, adiantar de uma só vez a anuidade da OAB, o carnê do caríssimo IPTU de Mangaratiba  e ainda tirar a licença de ambulante para não ficar na ilegalidade fugindo dos fiscais. Só quando terminou o mês janeiro é que saí definitivamente do vermelho.

Se nos dias em que vaguei pelo Parque da Tijuca pude encontrar água para beber, compreendi que Deus não tem me deixado morrer de sede. Ele supre todas as nossas necessidades! Com muito sacrifício, pude comer naqueles dias difíceis, vestir meu corpo e me abrigar debaixo de um teto. A situação não me deprimiu e pude abrir a minha boca cantando louvores ao Altíssimo. Aleluia!

Bendito seja Deus, o Rei do Universo! Ele é quem nos dá a chuva, o verão, o outono, o inverno e a primavera. Por sua providência temos colheitas e somos protegidos de um mal destruidor. Graças ao Eterno recebemos o inalienável dom da Vida, a qual foi manifestada ao mundo em Jesus Cristo para que o homem possa compreender a extensão da graça experimentada através de um confundível amor. E esse amor é tão grande que somos disciplinados sempre que necessário. Glória a Deus!

domingo, 19 de maio de 2013

Rios no deserto: um comentário sobre Isaías 35




A linguagem poética dos profetas bíblicos nem sempre é bem compreendida pelo leitor fantasioso. Muitos se alienam em suas tentativas vãs de encontrar previsões para os acontecimentos do futuro folheando as páginas das Escrituras sendo que, na verdade, os autores sagrados estavam bem focados na situação do momento presente em que foi comunicada a mensagem.

Lendo Isaías 35, percebo ali uma pregação bem profunda  capaz de nos levar a um auto-conhecimento. Pois, embora seja identificada com o ministério de cura praticado 700 anos depois por Jesus, conforme os versos 5-6a, há algo muito mais além da literal abertura dos olhos aos cegos, do desentupimento dos ouvidos dos surdos, do fim da paralisia dos coxos e do desenrolar da língua dos mudos.

No contexto de Isaías, o profeta teria falado ao povo de Israel na ocasião das invasões dos assírios. Mas, na época dos redatores do livro, bem depois de sua morte, suponho que a experiência foi atualizada conforme os últimos instantes do exílio babilônico ou até mesmo quando os judeus teriam retornado para a terra de origem no final do século VI a.C. Só que, em qualquer tempo ou lugar, existirá sempre algo em comum capaz de atualizar aquela pregação milenar.

O texto do capítulo 35 aborda vários sentimentos humanos e nos aponta o caminho para a verdadeira felicidade. Vamos então ao comentário que podemos fazer ao texto bíblico analisando cada trecho da profecia.

Nos versos 1 a 2, o autor proclama uma promessa e usa a aridez da terra como metáfora. Ele prega a mudança de paisagem do deserto que se comparará à verdejante região do Líbano. E, antes que alguém faça uma interpretação de cunho sionista em favor da irrigada agricultura de Israel atualmente, eu diria que Isaías estava referindo-se mais profundamente à restauração do ser humano. Ou melhor, dos nossos corações.

Pessoas amargas, infelizes, deprimidas e desesperançadas podem ser mudadas pela glória de Deus. O "deserto" que há em seus corações, ainda que devastado pelos acontecimentos negativos que marcam a trajetória humana, a ponto de destruir sonhos, pode ser transformado em um lindo "pomar". Por isso o texto nos incentiva a recobrarmos os ânimos, não permitirmos que o medo nos acorrente e que venhamos a crer na operação salvadora de Deus (versos 3 e 4). Do Deus que tem o controle da história e aguarda nas suas mãos o momento certo de agir na caminhada de um povo e na vida de cada pessoa individualmente.

Por muitas vezes, os acontecimentos ruins e o pecado vão fechando a nossa  visão da realidade espiritual. Quanto mais o homem afasta-se de Deus, mais escuros ficam os seus horizontes e ele não consegue enxergar mais além das circunstâncias (cegueira). Torna-se insensível à voz do Espírito (surdez) a ponto de se perder nos caminhos por onde anda. Por fim, ele acaba se paralisando diante dos desafios que se apresentam (torna-se coxo) e a sua língua já não louva mais ao seu Criador (vira um mudo). Porém, quando abrimos as portas do coração para o mover divino, o milagre da ressurreição para a eternidade acontece. É quando, poeticamente falando, rios brotam no deserto transformando toda a paisagem seca do nosso interior. A sede que há em cada um de nós é preenchida pela Divina Presença.

Nos versos 8, 9 e 10, o profeta fala de um "Caminho Santo". Trata-se, pois, de uma estrada espiritual que exige uma inclinação para a pureza e para a santidade de quem se propõe a passar por ela. Deus, o Santíssimo, exige que todo aquele que O busca deixe o pecado através de um arrependimento sincero. Do contrário, não conseguimos nos apossar da Sião Celestial.

Certamente que, enquanto estivermos contaminados com os valores mundanos, em que estes interferem na nossa maneira de agir, vamos permanecer com as expectativas voltadas para o pecado. Erramos por procurar a felicidade nos prazeres, no acúmulo de poder e nas riquezas. Assim, nutrimos o engano dentro de nós, distanciando-nos cada vez mais da verdadeira Vida proposta por Deus aos homens. Vida esta que é revelada em Cristo - o Caminho Santo que se faz visível e palpável pelo exemplo de obediência trilhado por Jesus de Nazaré.

Mesmo sendo Santo, esse Caminho é posto para os pecadores passarem. Isto é, para os remidos, para quem aceitou o resgate divino do reino da maldade. Desta maneira, a pregação de Isaías torna-se uma espécie de Evangelho para todos os tipos de gente porque propõe uma aceitação do indivíduo pelo perdão incondicional e promete aos que atenderem seu chamado à experimentação da verdadeira alegria. Um gozo que é permanente ao invés do prazer passageiro do pecado ou da glória das riquezas que logo murchará.

Termino este texto desejando que a prática do bem e do amor torne-se algo no qual tenhamos prazer. Que possamos interiorizar os princípios da Lei de Deus em nossos corações, mergulhando por inteiro na Palavra. Pois, como disse o salmista, trata-se de lâmpada para os pés e luz no nosso caminho.

Tenham todos uma boa semana!


OBS: A foto acima trata-se de uma imagem do rio Jordão cruzando o deserto da Judeia em Israel. Foi extraída da internet em http://exegeserbiblica.webnode.com.br/news/uma%20introdu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20geografia%20do%20mundo%20biblico/

Tempos de relacionamentos vazios?



O que ainda tem mantido boa parte dos relacionamentos afetivos entre homens e mulheres na atualidade? Será o fato dos companheiros se darem bem em algumas coisas e ainda terem um pouco de fidelidade um ao outro?

Hoje em dia, nem é preciso mais as pessoas se casarem ou mesmo viverem juntos para haver um relacionamento íntimo.  Muita gente apenas se procura no final de semana, encontram-se para sair, viajam, dormem na mesma cama e transam sem assumir compromissos. A maior exigência na maioria desses casos é que o outro seja fiel na conduta sexual. Então, se um dos namorados (ou ficantes) for "pular a cerca", que seja prevenido usando camisinha.

Curiosamente, vejo que relacionamentos assim podem durar até por muito tempo sendo mais comum entre jovens que não sabem o que quer e também entre divorciados que não têm mais a expectativa de construírem uma nova família com a outra pessoa. Principalmente os homens, mas há mulheres que preferem agir dessa maneira. Muitas já nem pretendem ser mães.

Um dias desses, presenciei um diálogo em que uma jovem conversava com a outra sobre os preparativos burocráticos do casamento, ouvindo a advertência de que "para divorciar é muito mais difícil que casar". Só que isto nem se compara com o que minha esposa Núbia certa vez escutou de uma menina que falava ao celular com a amiga sobre o que esperava da vida:

"Quero me formar, passar um tempo casada, e depois (...)"

Ora, que casamento é esse em que a pessoa já nem idealiza algo durável até que a morte separe?! Seria só para dar uma festa para os amigos?

Tenho minhas dúvidas sobre essa "revolução sexual" pela qual tem passado o Ocidente porque até agora ela não foi capaz de promover o fortalecimento da unidade familiar. Jovens das décadas de 60 e 70 reivindicaram uma vida com mais liberdade e questionaram muitos dos valores da sociedade. No que diz respeito ao sacramental matrimônio, denunciaram os relacionamentos de seus pais que eram baseados mais no peso do compromisso do que em sentimentos verdadeiros a ponto de viverem uma hipocrisia. E nisto tinham alguma razão porque, de fato, o casamento pode se tornar apenas um papel registrado em cartório.

Talvez o erro daquela geração rebelde possa ter sido a valorização em excesso dos sentimentos. O gostar foi colocado como o motor das relações e o conceito de amor esvaziou-se. Para eles, afim de que duas pessoas possam estar juntas, precisa haver uma "química". Se esta atração acabar, então termina tudo também. Aí, se chama se apagou, então os filhos que se cuidem porque o papai e a mamãe vão se separar...

Quantos traumas decorrentes do arruinamento familiar as nossas crianças não têm sofrido? E o pior é que isso afeta também os adolescentes e os relacionamentos na juventude. Quem é filho de pais divorciados corre o sério risco de repetir os erros dos genitores em seus futuros casamentos (não que isto deva servir de regra). Desde os anos 80, é o que vem acontecendo em massa no Brasil e acho desnecessário trazer dados estatísticos para comprovar o que estou colocando.

Entretanto, digo agora aos meus leitores que não estou defendendo nenhuma posição conservadora-religiosa como se, antigamente , a vida em família fosse lá muito boa. Ao invés de caminharmos para trás, aguardo ansiosamente a síntese de todo esse movimento da sociedade pensando dialeticamente no assunto. Aliás, creio que toda crise possa oportunizar avanços e resgatar valores positivos, os quais passam a ser melhor compreendidos a partir de escolhas feitas conscientemente por casa um.

Em outras palavras, estou dizendo que a quebra de certos valores principiológicos da vida produz uma instabilidade capaz de nos conduzir de volta futuramente. Só que, dentro de uma visão dialética, "não se pode tomar banho duas vezes num mesmo rio", assim já dizia o grego Heráclito (535 a.C. - 475 a.C). Logo, o que ocorre é uma nova significação do velho. Aliás, quem sabe não estaríamos perto de ver uma versão dois ponto zero da família ao invés de sua destruição neste temível século XXI?

Concluo este texto deixando em aberto o debate sobre como podemos firmar os relacionamentos e creio que a Bíblia pode nos ajudar a encontrar muitas das respostas que tanto precisamos.


OBS: Imagem ilustrativa extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Esposas_de_Matrimonio_1.jpg

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Os preceitos bíblicos e o non sequitur

O non sequitur é uma expressão latina que se caracteriza pela falta de conexão entre as premissas e a conclusão do argumento elaborado. Em outras palavras, seria uma total falta de explicação em que a observância de algo encontra-se fundamentada muitas das vezes num apelo a alguma declaração de autoridade, na tradição ou até mesmo no medo já incutido nas mentes dos receptores da mensagem.

Na Bíblia, existem proibições cujas razões não foram reveladas. Uma delas seria o preceito de não cozinhar o cabrito no leite de sua mãe (Ex 23:19b; 34:26; Dt 14:21c) compondo as leis religiosas que o judaísmo denomina como chukim. Por causa dessa norma dietética, os judeus ortodoxos não admitem misturar carne com laticínios em suas refeições entendendo que a palavra hebraica guedi (cabrito) possa incluir também outros animais.

Entretanto, os intérpretes mais racionalistas das Escrituras nunca se conformaram com essa ausência de explicação lógica de alguns preceitos bíblicos. Dentro do próprio exemplo mencionado no parágrafo anterior, eis que, para o medievalista Maimônides (1135-1204), tratava-se de uma questão de higiene tal como as leis de animais "puros" e "impuros" de Levítico 11. Outros sugeriram que fora uma advertência dada por Moisés aos antigos israelitas para que estes não imitassem os costumes idolátricos dos povos cananeus, embora até hoje nenhuma pesquisa histórica trouxe evidências comprovadas a respeito dessa hipótese.

Tenho pra mim que os antigos autores bíblicos, os quais antecederam os últimos redatores dos textos sagrados do Antigo Testamento, deveriam conhecer bem os motivos de uma proibição assim como sabiam melhor os significados dos provérbios, das parábolas, das profecias e dos enigmas de seus tempos. Na linguagem da época deles, o que parece ser obscuro pra nós na Bíblia deveria ser bem claro, acessível e explicável de maneira que os destinatários de suas mensagens (e dos preceitos) poderiam facilmente entender o recado.

Penso que, entre Moisés e nós, houve consideráveis perdas quanto a muitos significados das mensagens bíblicas, o que não esvazia a sua atualidade principiológica para a geração de hoje. Porém, não podemos nos esquecer de que os antigos israelitas passaram por complicados momentos de apostasia religiosa, de domínio cultural imposto pelos estrangeiros, exílios e dispersões territoriais. Nem o alfabeto hebraico, adotado a partir do cativeiro babilônico (século VI a.C.), corresponderia ao que foi utilizado para escrever originalmente a Torá.

Por que então um judeu não pode comer bife à milanesa, um cheeseburger ou um strognoff mesmo se for com carne de frango? Simplesmente a religião não dá explicação e os ortodoxos colocam sobre suas cabelas o kipá da obediência reverente pelos mandamentos da tradição rabínica que, a meu ver, parece ter ressignificado um preceito sem estabelecer a indispensável ligação com os seus motivos originais hoje desconhecidos.

Por outro lado, meditando mais profundamente sobre as considerações das leis alimentares judaicas, chamadas de Cashrut (ou Casher), percebi algo bem interessante. Seria que, ao seguir a proibição de não comer isto ou aquilo, a pessoa estaria também educando os seus instintos animalescos e os impulsos de tendência compulsiva afim de adquirir um certo nível de auto-controle sobre a própria vontade. Se no passado a "dieta santa" pode ter sido uma marca distintiva dos judeus em relação aos outros povos pagãos com seus costumes idólatras, impedindo uma assimilação por qualquer cultura estrangeira, hoje em dia podemos estabelecer alguma relação entre os atos praticados no mundo físico e a influência destes sobre o aspecto ético-espiritual. Não que o alimento, por si só, fosse capaz de contaminar o homem, mas sim a sua conduta depravada, ou desapropriada, a ponto de romper com o sentimento de reverência cultivado milenarmente pelas gerações de seus ancestrais na observância dos costumes do povo. A desobediência equivaleria a um cuspe nas próprias origens.

Os comentários feitos a Levítico 11:4, na edição de 2001 da Torá - A Lei de Moisés, editora Sêfer, trás uma instigante reflexão acerca do assunto que é digno de ser debatida até por quem não seja judeu:

"Deus não se importa realmente com nossos costumes alimentares. No entanto, o homem deveria preocupar-se e importar-se com eles. Este sistema alimentar fornece ao homem uma chave à sua personalidade, como uma solução aos seus problemas e um lenitivo para as chagas que o atormentam. Esta é uma espécie de ginástica, parte da educação física judaica. O homem possui palavras e idéias em abundância. Teorias, frases sobre justiça, ideais, valores e afins preenchem seu espírito em grandes quantidades, mas seu corpo e seus sentidos são afetados por tais coisas. Eles obedecem a outras leis, a valores distintos. Assim, seu corpo acaba por perder a prática de idéias elevadas, tratando-as com frieza cínica. O homem sabe que se distingue dos animais, mas ao comê-los assemelha-se a eles em tudo, com exceção de diferenças externas e superficiais, como o uso de pratos e talheres. Os processos biológicos de alimentação, digestão, eliminação de detritos e morte do corpo são os mesmos nos homens e nos animais. Pelo fato de serem percebidos por meio de nossos sentidos, tais processos determinam a personalidade da pessoa de forma muito mais forte que eventuais momentos de elevação da alma e dedicação ao próximo. Este é o grande dilema do homem, o rompimento e a distância entre o corpo e o espírito, entre os ideais e sua conscientização; entre as necessidades de controlar os impulsos e a completa rendição ao mesmo. Nesta linha de pensamento o rabino Hirsch revela-nos a essência das leis da Cashrut: 'Grava em teu corpo as idéias elevadas! Até nas extremidades do corpo e do espírito! Assume o comando dos atos sensitivos elevando-os de patamar! Que nossa alimentação não seja apenas um ato físico, mas que contenha também algo de um ato moral. Não escolhamos nossos alimentos apenas por intermédio de considerações corporais, mas ponderemos também as medidas morais. Não é a saúde do nosso corpo, mas a saúde espiritual de nossas almas que está assegurada pela observação destes mandamentos e destes preceitos. São estes mandamentos que preservam o sentido do corpo das vivências animalescas e bestiais, protegendo a vontade espiritual e moral de serem desgastadas e de perder toda a sua perspicácia! Esta é a idéia que se esconde por trás das leis dietéticas judaicas, apresentadas aqui sucintamente, de forma simples. Uma idéia basicamente ligada ao corpo, mas longe de concepções místicas, de vestígios de cultos ou de preocupações com a saúde física. É um exercício simples para treinar o domínio da vontade espiritual sobre o organismo e as vontades físicas do corpo." (págs. 316 e 317)

Neste sentido, um motivo para alguém seguir hoje em dia regras alimentares religiosas (além de judeus e de cristãos adventistas, outras religiões têm também suas normas) seria mesmo a prática de um exercício de educação corporal para fins de ajustamento de condutas aos princípios éticos superiores como a prática da justiça e do amor ao próximo. Não digo que um prato de salaminho com provolone, ou que aquela linguicinha frita de porco com torresmo, vão produzir substâncias ruins no nosso organismo afim de que venhamos a nos inclinar para o mal. De modo nenhum! Analogicamente falando, Jesus ensinou muito bem que "não é o que entra na boca que contamina o homem" (Mt 15:11). Porém, pela atitude de negarmos a todos os desejos despertados pela impulsividade, estaremos criando uma determinação cerebral com resultados disciplinadores. Daí a importância de práticas como o jejum e de outras restrições momentâneas estabelecidas por cada um para si mesmo a exemplo dos recabitas de não beberem mais álcool (ler Jeremias 35).

Obviamente que essas são questões que jamais devem comprometer a nossa liberdade a ponto de virarmos ascetas ou perdermos totalmente as raízes culturais. Muitos preceitos da Bíblia, em sua forma, parecem ter tido significado só para os destinatários específicos da mensagem. Importar para uma cultura hábitos alimentares judaicos, árabes, indianos, japoneses, europeus, ou dos protestantes norte-americanos, não pode dar certo porque causa crises de identidade no indivíduo, prejudicando os relacionamentos entre as pessoas nas mais diversas ocasiões de convívio social. Aliás, por que Deus não se agradaria se cristãos se reunissem para comer uma feijoada ou um bobó de camarão dando graças com a consciência em paz? Porém, se uma pessoa, em sua caminhada espiritual, passa a compreender que deve abster-se do consumo de carne, ou inventar outra "ginástica" mais adequada para si do tipo não comendo açúcares, chocolates e gorduras, sempre é bom agir com coerência em relação ao que cada indivíduo crê subjetivamente sem querer impor a mais ninguém. Como fez o apóstolo Paulo quando optou pelo celibato reconhecendo que a abstinência do casamento era conclusão apenas dele (1Co 7:1,7-9,26-35).

Concluo dessa maneira que a interpretação dos preceitos bíblicos não pode ter por base a falácia do non sequitur. É preciso meditar a respeito de cada conduta nas Escrituras e jamais cometer um suicídio intelectual. Se o tempo apagou uma conexão lógica anteriormente existente ente a premissa e a conclusão de um argumento, pode-se tentar achar a resposta pela via da experimentação. E creio que, com sensibilidade, conseguiremos ser guiados pelo Espírito de Deus a toda verdade.

Uma reflexão tirada do livro de Isaías




"Porque assim diz o SENHOR Deus, o Santo de Israel: Em vos converterdes e em sossegardes, está a vossa salvação; na tranquilidade e na confiança, a vossa força, mas não o quisestes." (Isaías 30:15; ARA)

Lendo este versículo enquanto estudava o livro bíblico de Isaías numa manhã de domingo, tive a atenção despertada para o significado de mais uma mensagem das Escrituras capaz de transcender os limites de seu tempo.

Contextualmente, o profeta estava advertindo o povo de Israel sobre a inutilidade da aliança militar que seus governantes vinham fazendo com o Egito. Pois, temendo a invasão do exército assírio, os príncipes de Judá enviaram uma comitiva de embaixadores ao faraó, buscando um apoio do país que era considerado a maior super potência do antigo Oriente Próximo. E, certamente, tal proteção envolveria o pagamento de pesados tributos que representariam a perda de uma boa parte da riqueza nacional (verso 6 do cap. 30).

Segundo o texto, Deus não estava aprovando aquele pacto, o qual demonstrava desespero ao invés de fé. Os filhos de Israel estavam voltando as suas expectativas para o auxílio humano ao invés de exercitarem a confiança no Onipotente, no Deus de relacionamento de seus ancestrais libertos da escravidão egípcia. Estavam esquecendo-se Daquele que tem em suas mãos o controle soberano da História.

Se avançarmos um pouco mais no livro, veremos nos capítulos 36 e 37 que o reino de Judá livrou-se da opressão do exército assírio sem receber nenhuma ajuda do Egito ou das forças armadas de qualquer outro país. Através de uma milagrosa intervenção divina, o acampamento inimigo foi aniquilado e Jerusalém conseguiu resistir à maior ameaça que enfrentaram no século VIII a.C.

"Então, saiu o Anjo do SENHOR e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil; e, quando se levantaram os restantes pela manhã, eis que todos estes eram cadáveres. Retirou-se, pois, Senaqueribe, rei da Assíria, e se foi; voltou e ficou em Nínive" (Isaías 37:36-37)

Diz-se, com base na Bíblia, que Deus não divide a sua glória com ninguém e esse proceder tem a sua razão relacional para que o homem aprenda a ter fé. As profecias de Isaías, cujo ministério ocorreu mais de 700 anos antes de Jesus, ainda servem de encorajamento para as experiências que temos hoje em dia. Tanto coletivamente (para a Igreja) quanto para a peregrinação pessoal de cada um.

Quantas vezes não nos sentimos ansiosos para resolver um problema grave? Se somos ameaçados por alguém, ou confrontados por qualquer circunstância desafiadora, logo tememos e, ignorando a fé, pensamos somente nas soluções humana possíveis. Dobrar os joelhos e colocar a cara no pó são umas das últimas coisas que costumam vir na cabecinha incrédula das pessoas. Principalmente de quem ainda não teve uma experiência de conversão ou, em algum momento, anda relaxando neste processo de se voltar para Deus (em muitas vezes este autor também se inclui entre os que vacilam na demonstração da fé diante das dificuldades apresentadas).

Na sua advertência, o profeta convoca a nação de Israel para se converter e creio que tais palavras não estão ali registradas inutilmente. Pois não restam dúvidas de que o relacionamento com Deus, o Santíssimo, só pode existir a partir do momento em que o homem tem o seu coração transformado. É quando reconhecemos a nossa condição de pecadores e optamos por uma mudança de rumo. Quando passamos a dar ouvidos atentamente à voz do Grandioso Rei do Universo com toda a reverência que lhe é devida.

Sendo restabelecido o nosso relacionamento com Deus, a fé passa a ser exercitada. Quando atravessamos dificuldades, sentimos então o desejo de dividi-las com o nosso bendito Pai Celestial deitando em seu colo. O Eterno torna-se então um amigo inseparável a quem passamos a buscar em todo o tempo. E aí, se formos perseverantes, Ele se tornará tudo nas nossas vidas.

Toda essa confiança, quanto mais for exercitada, produz uma paz e uma tranquilidade infinitas no nosso interior. Tornamo-nos crentes maduros e já não tememos mais o homem ou as situações adversas. Tudo o que sofremos é levado a Deus nas orações ainda que o Onisciente já pré-conheça as nossas petições antes de serem pronunciadas por palavras ou formadas em pensamento. Só que o ato de orar vai servir justamente para que mantenhamos a nossa comunhão e direcionemos todo o nosso ser para um propósito espiritual visto que, até morrer, nunca deixamos de ser carne (ter emoções que nos abalam ou pensamentos duvidosos).

Como resultado dessa conduta espiritual contínua vem o fortalecimento. Um homem, uma família, uma congregação e um povo que agem com confiança podem ser chamados de fortes. E isto não vem deles, mas de Deus que nos anima, orienta e jamais abandonará as ovelhas de seu pasto. Tal como escreveu o poeta autor do Salmo 121, um crente de verdade reconhece que o Eterno é como a própria sombra ao seu lado. Ele nos guarda em todo o momento e para sempre.


OBS: A ilustração acima retrata o profeta Isaías. Trata-se de uma obra feita em 1509 por Michelângelo (1475-1564) no teto da Capela Sistina, Vaticano. Foi extraída através do acervo da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Michelangelo,_profeti,_Isaiah_01.jpg

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ainda existe tempo para denunciar ex-agentes da ditadura militar?



Conforme foi noticiado esta semana, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco agentes do regime militar que atuaram no antigo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Defesa Interna - Centro de Operações de Defesa Interna) acusando-os pelo crime de sequestro qualificado do militante político desaparecido Mário Alves de Souza Vieira. Pretendem os procuradores que os suspeitos pelo delito não apenas sejam condenados pela Justiça como também tenham seus cargos públicos cassados, percam a aposentadoria concedida há anos, bem como as medalhas e condecorações recebidas no decorrer da carreira. Foi requerida ainda uma indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor da família da vítima que os ex-funcionários deverão pagar, caso venham a ser condenados.

A tese do MPF é que, enquanto a vítima não for encontrada, não há prescrição e nem anistia para o crime de sequestro. Logo, seguindo esse raciocínio, os réus não poderiam se beneficiar da Lei n.º 6.683/79 que foi aprovada na época do governo do general João Baptista de Oliveira Figueiredo. A famosa Lei da Anistia como ficou popularmente conhecida.

Com toda sinceridade, isso é tudo o que os militares e pessoas sensatas do governo Dilma não queriam com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O objetivo de se abrir os arquivos da ditadura militar era para ter função meramente histórica afim de que a sociedade tenha a chance de conhecer melhor os acontecimentos ocultos naqueles anos de chumbo quando a imprensa era covardemente censurada. Os trabalhos da CNV podem virar agora um inquérito policial disfarçado para tentar punir pessoas mais de três décadas depois dos fatos.

Vale lembrar que, com a Lei da Anistia, a nação brasileira estabeleceu um pacto de perdão mútuo entre os representantes do regime militar e seus opositores. Todos os que praticaram crimes políticos entre 02/09/1961 e 15/08/1979 foram anistiados. É, portanto, uma via de mão dupla. Serve para o torturador e serve para o guerrilheiro terrorista que assaltou bancos, sequestrou e matou pessoas, explodiu bombas, etc. Inclui militantes como a nossa excelentíssima presidenta que hoje é uma privatista de esquerda liberal totalmente focada em assuntos do presente.

É certo que a Lei da Anistia foi aprovada ainda no regime militar em que as eleições para o Congresso não eram nem um pouco transparentes. Porém, vale lembrar que, em 1988, uma legítima Assembleia Constituinte eleita no ano anterior promulgou a atual Constituição. E aí a norma legal em questão foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, continuando a produzir eficazmente os seus efeitos sob os governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e também com a Dilma. Somente alguns dispositivos foram revogados na época do governo FHC pela Lei n.º 10.559/2002, como o artigo 2º, o parágrafo 5º do artigo 3º, mais os artigos 4º e 5º. Uma revogação que, a meu ver, pode ter violado alguns direitos adquiridos como no caso dos dependentes dos anistiados falecidos.

Em que pese o direito de sabermos acerca da verdade histórico sobre o que aconteceu nos porões da ditadura, penso que o momento oportuno para as punições já passou de modo que eu considero um absurdo e uma tamanha hipocrisia os nossos digníssimos procuradores estarem denunciando só agora ex-agentes do regime militar. Ainda mais tentando criar brechas na legislação que se mostram incompatíveis com o sentido teleológico das normas, isto é, remando contra a finalidade política e social da Lei da Anistia.

Pergunto. É justo o Estado perseguir pessoas idosas por supostos crimes cometidos há mais de quanta anos atrás?!

Conforme escrevi aqui neste blogue, no artigo Como exorcizaremos os fantasmas da ditadura?, publicado em 15/02/2011, tenho em meu íntimo o sentimento de que a retribuição a quem nos fez mal não tira de nosso interior o incômodo causado pela lembrança. Assistir o torturador sendo agora processado, julgado, preso e execrado publicamente jamais vai apagar a dor do passado, mas sim reacendê-la no coração das vítimas e/ou de seus familiares.

Será que a solução não pode ser encontrada na admissão desses antigos crimes por parte dos torturadores e na reconciliação entre estes e as vítimas perante a Comissão da Verdade?

Por que a sociedade não pode buscar dentro de si mesma uma re-edição dos fatos para cicatrizar todas essas marcas? Ou será que vamos encobrir os erros e omissões do presente punindo o passado?

A meu sentir, o passado deve ser confrontado, mas sem uma caçada às bruxas! Atualmente, tanto as vítimas quanto os agressores dos tempos da ditadura são pessoas que já fazem parte da terceira idade, em condições de serem avós e até bisavós. Trata-se de uma geração que já cometeu seus erros e acertos (em ambos os lados) e que agora deixa um país para ser governado por seus filhos que é a geração dos nobres procuradores do MPF. Deste modo, o melhor a se fazer no atual momento seriam todos re-anistiarem uns aos outros e ensinarem às crianças, adolescentes e jovens a construírem um país melhor, mais próspero, sem corrupção, menos desigualdades sociais, sem violência, com mais respeito ao meio ambiente e formando uma democracia amadurecida pela participação ativa do cidadão.

A família do desaparecido Mário Alves de Souza Vieira, sequestrado em 16/01/1970, certamente deve receber uma reparação vinda dos cofres do Estado brasileiro. Sua morte e as torturas que ele sofreu no quartel da Polícia do Exército, situado na rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, foram atos de extrema covardia. Só que nada disso consegue ser mudado mais e nenhuma vingança de cunho político contra ex-funcionários públicos vai amenizar a dor de seus entes queridos. Algo que só a própria pessoa é capaz de superar.

Eu, se fosse juiz federal num casos desses, não aceitaria a denúncia do Ministério Público e teria como fundamento de minha decisão a falta de justa causa penal pela falta de interesse de agir do Estado, quebra do princípio da razoabilidade e ofensa à dignidade da pessoa humana. Aliás, esse interessante tema sobre a justa causa foi o que aprendi com um falecido professor meu na Universidade Estácio de Sá e que era magistrado titular do Juizado Especial Criminal da Comarca de Nova Friburgo - o saudoso Dr. Ronaldo Leite Pedrosa. Certa vez, ele assim escreveu num de seus livros juntamente com outros autores de Direito Processual Penal:

"Para evitar a propositura de lides temerárias, em que se ofende o status dignitatis do indivíduo, faz-se imprescindível que verifique o juiz, quando da decisão do recebimento da denúncia ou da queixa, se está presente a justa causa, consubstanciada em provas mínimas da existência de indícios de autoria e existência do delito, no interesse de agir, na tipicidade, no respeito ao princípio da proporcionalidade que reclama uma adequada avaliação custo-benefício, na real e séria lesão ao bem jurídico a justificar a pretensão de punição estatal como ultima ratio para a defesa social." (PEDROSA, Ronaldo. et. all. Justa causa penal constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, pág. 111)

Não pode a Justiça brasileira ter dois pesos e duas medidas! Um processo contra os ex-agentes pode causar reações de muitos militares contra quem praticou crimes contra a nação naquela época. E aí vale lembrar que uma das funções da jurisdição estatal é a pacificação da sociedade. Não deve jamais o uso do Direito ser utilizado para criar novos conflitos sob o pretexto de estar fazendo "justiça histórica". O momento para as punições já passou e o nosso país tem é que olhar para frente somando forças na construção de um futuro melhor.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O processo eletrônico deve ter como foco o acesso à Justiça!




Pode-se dizer que hoje em dia o processo eletrônico já é uma realidade no cotidiano forense do país e que tende a se tornar a única forma de acesso à Justiça nos próximos anos. Tudo indica que, no decorrer desta década, os nossos tribunais deixarão de trabalhar com papéis. E até o que hoje existe em termos de autos físicos, provavelmente, já estará digitalizado depois de 2020.

Aqui no estado do Rio de Janeiro, cada tribunal tem o seu procedimento particular para os processos virtuais. Todos, exceto a Justiça Federal, trabalham com a certificação digital, obrigando que o advogado tenha gastos financeiros, instale programas no seu computador e memorize senhas para poder assinar eletronicamente as petições. E, além disso, é necessário fazer o cadastro junto ao tribunal (neste mês precisei ir até Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, para resolver um problema só por causa da invalidação da senha antiga no site do TJ).

Tendo em vista que muitos colegas advogados estão passando por dificuldades de adaptação aos sistemas de informática dos tribunais, o presidente da OAB/RJ, Dr. Felipe Santa Cruz, tem defendido uma transição gradual para o processo eletrônico, o que acho justo.



No entanto, devemos sempre ver o lado positivo de tudo isso. Atualmente, o fato da segunda instância no Tribunal de Justiça estar aderindo ao processo eletrônico poderá ser muito útil para o acesso à Justiça. Quem milita no interior do estado, por exemplo, já tem a chance de acompanhar o andamento de seu recurso digitalizado do próprio escritório e não precisa mais gastar tempo e nem dinheiro com deslocamento até à capital, desonerando o cliente. Só quando tiver um julgamento, ir despachar com o relator ou distribuir memoriais nos gabinetes dos magistrados.

Todavia, todas as queixas que tenho ouvido por aí dos meus colegas de profissão sobre o processo eletrônico, principalmente em relação à Justiça do Trabalho aqui do Rio, tem me levado a pensar sobre a necessidade de uma nova legislação que trate melhor do assunto.

Lendo atentamente o texto da Lei Federal n.º 11.419/2006, observo que foi um sério equívoco o legislador ter consentido que cada órgão do Poder Judiciário pudesse desenvolver seus próprios sistemas de processamento das ações judiciais (art. 8º). Isto, além de dificultar os trabalhos dos profissionais do Direito, permite que haja verdadeiros absurdos.

Uma das coisas que muito critico nos processos eletrônicos é que nem sempre os tribunais aceitam que a petição em papel seja apresentada pelo advogado ao serventuário e este faça a digitalização através de sua certificação digital. Neste sentido, eu diria que, no âmbito do Rio de Janeiro, a Justiça Federal é que melhor sabe trabalhar. Posso encaminhar a petição tanto pelo computador (no formato digital) quanto pessoalmente indo até o protocolo de qualquer Subseção da Seção Judiciária. E tendo muito documento para anexar, prefiro fazer através da moda antiga.

Todavia, o que muito critico é a dificuldade de acesso aos autos eletrônicos no site do Tribunal de Justiça por quem não esteja presencialmente cadastrado junto ao TJ e registre a sua senha em qualquer um de seus órgãos que já trabalhe com o processo eletrônico (como precisei fazer na semana passada viajando de Mangaratiba até à 6ª Vara de Campo Grande). Pois, sendo o processo coisa pública, deve-se permitir a visualização direita e imediata de qualquer cidadão aos autos virtuais independentemente de ele ter cadastro ou não.

Exceto quando for hipótese de segredo de justiça, pois não interessa a ninguém ficar consultando o divórcio do vizinho, entendo que deve haver uma total transparência no acompanhamento dos processos. No mês de abril, quando fui ao Rio de Janeiro sustentar oralmente um recurso do meu cliente, presenciei o julgamento de um mandado de segurança na 9ª Câmara Cível que foi impetrado pelos sindicatos dos médicos e dos enfermeiros contra um ato do governador Sérgio Cabral afim de anular um determinado edital que previa a transferência dos nossos hospitais para ONGs. Aquela ação eletrônica, que por sinal foi muito bem julgada pelos desembargadores presentes, interessa à toda sociedade acompanhar porque, dependendo do seu resultado, poderá comprometer a estrutura e o funcionamento do SUS. E aí, infelizmente, o cidadão, assim como a imprensa e os legitimados a ingressarem na demanda na qualidade de amicus curiae, ficam impossibilitados de pesquisar os argumentos que constam nos autos e as provas produzidas pelas partes, além de uma eventual perícia que venha a ocorrer.

Quero concluir dizendo que para os trabalhos dos advogados não virem a ser prejudicados, é preciso que o processo eletrônico funcione através de programas versáteis, compatíveis com o uso de todos os softwares e de fácil instalação para o internauta comum. O recebimento de petições jamais pode se dar exclusivamente pelo meio eletrônico de modo que todo tribunal deve manter um protocolo para que as peças e documentos, após a apresentação, sejam imediatamente digitalizados pelo serventuário, seguindo o bom exemplo da Justiça Federal aqui no Rio. No que se refere à visualização do processo pela internet, deve-se permitir o acesso de qualquer pessoa sem a exigência de cadastro prévio ou de senha tendo em vista o princípio da publicidade e a relevância para a coletividade de muitas ações que tramitam na Justiça. E, considerando que o processo eletrônico já deixou de ser novidade, importa que seja proposta uma nova legislação que unifique sob o comando do CNJ sistemas e procedimentos adotados nos tribunais do país assegurando os direitos de acesso à justiça.


OBS: Ilustração extraída do site da ENAMAT em http://www.enamat.gov.br/?p=4983

O Decreto nº 7962/13 e o direito de arrependimento nas compras feitas pela internet



Desde esta última terça-feira (13/05/2013), passou a vigorar o Decreto Federal n.º 7.962/13 que estabeleceu novas regras para o comércio eletrônico na internet ao regulamentar disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90).

A norma que, a meu ver, chegou tarde, trás coisas muito positivas e um ponto que considero preocupante. Buscando incentivar o desenvolvimento da nossa economia, a presidenta soube perceber a necessidade de que haja informações mais claras acerca do produto e do serviço oferecidos bem como da empresa ou da pessoa física vendedora. Também agiu com acerto em buscar assegurar um atendimento mais facilitado ao consumidor. Porém, equivocou-se quanto à banalização do direito de arrependimento pela falta de justificativa.

O direito de arrependimento já era previsto pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, permitindo que o consumidor possa desistir da compra no prazo de até sete dias "sempre que a contratação de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio". E, embora na época do então presidente Collor não existisse ainda o comércio eletrônico varejista, tal como se vê amplamente nos dias de hoje, obviamente que o citado dispositivo veio a se aplicar também às transações realizadas na internet haja vista a atualização das leis.

Todavia, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já vinham esclarecendo a sociedade brasileira sobre os limites da norma que não deve ser tomada de maneira absoluta para toda e qualquer situação. Criou-se o entendimento de que este dispositivo da lei só se aplicaria quando o cliente não tivesse condições de certificar-se quanto às especifidades do bem que está adquirindo. É o que leciona o jurista Nelson Nery Júnior, um dos autores do anteprojeto do CDC:

“(...) O Código protege o consumidor contra toda e qualquer contratação realizada fora do estabelecimento comercial, concedendo-lhe o prazo de sete dias para arrepender-se do negócio, sem nenhum ônus. O caso concreto é que vai determinar o que seja venda fora do estabelecimento comercial sujeita ao direito de arrependimento ou não. Se for dos usos e costumes entre as partes a celebração de contratos por telefone, por exemplo, não incide o dispositivo e não há direito de arrependimento. O consumidor pode ter relações comerciais com empresa que fornece suporte para informática e adquirir, mensalmente, formulários contínuos para computador, fazendo-o por telefone. Conhece a marca, as especificações, e o fornecedor já sabe qual a exigência e preferência do consumidor. Negociam assim há seis meses continuados, sem reclamação por parte do consumidor. Nesse caso, é evidente que se o contrato de consumo se der nas mesmas bases que os anteriores, não há o direito de arrependimento. Havendo mudança da marca do formulário, ou das especificações sempre exigidas pelo consumidor, tem ele o direito de arrepender-se dentro do prazo de reflexão. O direito de arrependimento existe, independentemente de o produto haver sido encomendado por pedido expresso do consumidor. O Código lhe dá esse direito porque presume, juris et de jure, que possa não ter ficado satisfeito e ter sido apanhado de surpresa quanto à qualidade e outras peculiaridades do produto ou serviço.” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, págs. 550 e 551)

Considero fundamental que as compras realizadas na internet tenham um regramento próprio afim de que haja o estabelecimento de um padrão uniformizador nas relações virtuais capaz de proporcionar mais segurança ao consumidor e dando maior solidez às relações de compra e venda. Porém, se analisarmos cuidadosamente o texto do decreto da Dilma, veremos que tudo isso já está satisfatoriamente contemplado pelas múltiplas exigências dos artigos 2º ao 4º. E aí, se o site da empresa atende a todos esses requisitos, não vejo razões plausíveis para o cliente arrepender-se da compra. Causa-me preocupação o que diz, por exemplo, o parágrafo 2º do artigo 5º da norma infra-legal:

"O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor" (destaquei)

Como já garante o código, segundo o parágrafo único do artigo 49, os valores eventualmente pagos devem ser devolvidos de imediato e monetariamente atualizados. E o caput diz que o termo inicial para a contagem do prazo de sete dias começa da assinatura do consumidor ou do ato de recebimento do produto. Logo, se a compra é feita à distância, é inegável que houve da parte do fornecedor uma despesa postal. Então, sendo exercitado o arrependimento, além da empresa devolver a quantia paga, ainda terá que suportar os gastos com os Correios para enviar o produto e depois tê-lo de volta ressarcindo assim ao consumidor.

Ora, se o empresário induziu o consumidor em erro na aquisição de produtos, não há o que se discutir. Deve indenizar o cliente até pela devolução porque o teria ludibriado ou faltado com as informações básicas que deveriam constar no site. Porém, se for mero capricho da pessoa que, agindo de má-fé, decide pegar de volta o dinheiro só porque achou outra promoção mais barata na loja do concorrente, ou percebeu que andou gastando em excesso, não vejo razões plausíveis para o Direito encobertar comportamentos assim.

O que vai acabar acontecendo no mercado com essas novas regras? Sinceramente, temo que as vendas na internet acabem ficando mais caras por causa da inclusão do fator risco nos preços e penso que isto acabará favorecendo as grandes empresas, as quais poderão dispor de preços melhores e de funcionários para proporcionarem um atendimento mais amplo. O pequeno comerciante poderá se meter em terríveis encrencas caso resolva entrar nesse meio onde a formalidade prevalece sobre a acessibilidade dos contatos presenciais entre as pessoas propiciando atitudes dissimuladas.

Mais do que nunca deve ser lembrado à sociedade brasileira que o arrependimento de uma compra é situação de excepcionalidade. Quem deseja adquirir um produto ou contratar um serviço, deve primeiramente pesquisar, procurar todas as informações necessárias, ver os prazos máximos de entrega, conferir preços, modalidades de pagamento, taxas de juros do financiamento, e, se necessário, entrar em contato com o vendedor antes de confirmar a compra. Pois esse é o comportamento de pessoas maduras e as políticas governamentais devem sempre priorizar a educação do consumidor. Jamais favorecer a irresponsabilidade.


OBS: Ilustração acima extraída do site do SEBRAE em http://www.sebraefinancas.com.br/?p=10