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quarta-feira, 24 de abril de 2013

O outro lado da França

Nesta manhã do dia 24, quando estava assistindo ao telejornal Bom Dia Brasil num quarto de hotel em Barra Mansa (precisei dormir no caminho ao voltar da viagem que eu e Núbia fizemos para Araraquara), surpreendi-me com uma notícia acerca de protestos violentos ocorridos na França. Foram manifestações organizadas após o parlamento daquele país ter aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, bem como a adoção de crianças por duplas de gays e de lésbicas.

Confesso que fiquei perplexo com o que a TV mostrou, visto não ser nenhum acontecimento em países como Arábia Saudita, Irã, Uganda ou mesmo no interior dos Estados Unidos como a radical região do Bible Belt repleta de cristãos fundamentalistas. Tais protestos estavam ocorrendo justamente na França, a república que consideramos como uma das mais libertárias do planeta. Terra do pensador Jean-Paul Sartre (1905-1980) e de muitos outros filósofos e ativistas políticos que contribuíram para a formação da sociedade ocidental na qual vivemos.

Desculpem a minha ignorância, mas eu já imaginava que o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse coisa comum na França aprovada há décadas, mas percebo que nós, brasileiros, podemos ter ideias bem equivocadas a respeito dos franceses. No final dos anos 90, quando tive condições de viajar pelo exterior, chamou-me a atenção o fato de ter visto casais homossexuais passeando de mãos dadas pelas ruas de Paris. Cansei de ver homem dando beijinhos afetuosos na boca de outros homens sem que isso causasse uma revolta explícita nas demais pessoas. Quando esperava pelo ônibus, no aeroporto Charles De Gaulle, estranhei a cena de duas mulheres que se abraçavam sentadas sobre a calçada. Elas agiam de uma maneira tão lasciva que, talvez, perderam completamente a noção de que estavam em público a ponto de praticarem ali um ato de tribadismo de roupas. Um suíço que estava ao meu lado aguardando o coletivo mostrou-se também espantado e, ao mesmo tempo, achando aquilo patético.

Curioso... Como que, mais de quinze anos após ter passeado uma semana pela Europa, vieram a ocorrer tantos protestos reacionários na França?

Pois é. Eu diria que é um grande erro generalizarmos um povo ou mesmo as características de uma só pessoa. Desenvolvemos o péssimo hábito de fazer análises simplistas das coisas conformando-nos com pequenas frases capazes de substituírem livros por uma rápida mensagem de torpedo SMS. Isto porque preferimos não pensar. E daí criamos as imagens distorcidas baseadas nas primeiras impressões.

Verdade seja dita que a França não é essa maravilha toda que achamos. Lá existem expressivas quantidades de fascistas (e de racistas também). Numa certa eleição, por motivo de abstenção de muitos eleitores (o voto entre eles é facultativo), o ultranacionalista Le Pen conseguiu ir para o segundo turno, forçando os socialistas a apoiarem estrategicamente o continuísmo de Nicolas Sarcözy.

Outrossim, observo que o fato da França ter produzido pensadores tão libertários deveu-se à presença de tantos reacionários naquele país. Pois foi justamente numa nação neocolonialista da Europa (e parcialmente colaborou com o regime nazista de Hitler durante a 2ª Guerra), que homens como o existencialista Sartre posicionaram-se de maneira tão formidável numa interessante reação dialética.

Neste mesmo sentido é que consigo compreender esses protestos vergonhosos na França hoje governada pelos socialistas. No caso dos homossexuais, eu diria que foram justamente as abusivas atitudes praticadas  em público por alguns militantes que tem despertado reações violentas por parte dos autodenominados "defensores da família". Em suas manifestações, há gays e lésbicas que extrapolam a ponto de ofenderem a moral comum. Não pelo fato de exigirem direitos iguais e sim porque uns resolvem agredir a sociedade com a nudez, palavrões e até com atos sexuais.

Acredito que François Hollande saberá lidar com essa situação dos grupos reacionários. Afinal, por mais que sejam expressivos, não passam de uma minoria e, no futuro, poderão ser varridos pelo processo histórico. Aliás, quando a união por pessoas do mesmo sexo for vista como coisa comum dentro da sociedade, os protestos de extrema direita perderão força porque a pauta do momento já será outra. Tanto na França como no nosso Brasil.

Um comentário:

  1. Não seria contra o Congresso brasileiro aprovar o casamento entre homossexuais. Uma vez que a Justiça já reconhece amplamente a união estável de gays e de lésbicas, o matrimônio civil só iria dar mais segurança jurídica à sociedade no que diz respeito a partilhas de bens e ao pensionamento do companheiro falecido pela Previdência Social. Certamente que as religiões não poderão ser obrigadas a celebrar uniões desse tipo. Casa numa igreja quem quer...

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