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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Quando a injustiça vem de baixo...

Aquele conhecido ditado sobre ter "cada povo o governo que merece" trás em si uma boa dose de verdade.

Numa democracia com eleições diretas, escolhemos candidatos com os quais nos identificamos. Exceto quando se vota completamente enganado em que o cidadão define quem será o seu representante na política esperando o bem geral da nação.

Quais seriam as reais motivações do eleitor brasileiro? Estaria ele tão interessado em corrigir as injustiças sociais ou as pessoas seriam o tempo inteiro manipuladas para idealizarem algo na figura de um candidato através de inteligentes jogadas de marketing?

Penso haver vários fatores influenciando a decisão popular no momento das urnas. Não pretendo com este texto abordar todas elas. Porém, quero lembrar que o eleitor pode ser tão iníquo quanto os seus representantes eleitos que o oprimem. E isso fica mais claro ainda quando temos as proporcionais para deputado e vereador. É aí que surgem as trocas de favores num nível mais pessoal, compra de votos, aquelas promessas de emprego, festinhas regadas a álcool (ou quiçá drogas ilícitas), concessões de aposentadoria por meio de esquemas corruptos no INSS, a prestação de serviços de saúde com cartas marcadas no SUS, falta de transparência nas concessões do comércio de rua tipo licença para ambulante, etc.

Certamente que o eleitor, ao aceitar submeter-se a esse sistema, está, em maior ou menor grau, compactuando com a injustiça procurando tirar proveito próprio. E aí não condeno aqueles cidadãos que se acham num verdadeiro estado de necessidade. Porém, critico as pessoas que ganham com a corrupção mesmo levando uma menor vantagem ou sofrendo prejuízos maiores na execução de outros serviços públicos como sempre mal prestados.

Segundo a legislação criminal brasileira (art. 24 caput do Cód. Penal), o "estado de necessidade" ocorre quando a pessoa pratica algo para salvar-se de um perigo atual inevitável não provocado por sua vontade. Eu, porém, prefiro até alargar esse conceito legal e entendo que situações extremas de pobreza podem mesmo condicionar o ser humano na escolha de uma decisão eticamente incorreta. E aí devemos sempre levar em conta o aspecto da auto-disciplina diante da impulsividade. Ou seja, não se pode exigir genericamente um padrão elevado de comportamento por causa de um conservadorismo cego.

Por outro lado, a pobreza não pode servir de desculpa capaz de justificar as atrocidades cometidas pelo próprio povo em que muitas das vezes assistimos na novala da vida real: o pobre massacrando outro pobre. Diz a Bíblia que Moisés precisou fugir do Egito quando tentou acalmar certa briga entre dois compatriotas seus. Primeiramente, ele tinha livrado um hebreu de ser espancado por um egípcio. Porém, no dia seguinte, quando tentou corrigir uma situação de injustiça entre dois israelitas, verificou que estes mesmos o teriam traído entregando-o ao rei pelo episódio anterior  (o texto de Êxodo 2:11-15 deixa implícito que  somente um hebreu poderia ter testemunhado o fato e delatado Moisés ao faraó).

Curioso como o sofrido povo é capaz de apunhalar quem resolve defender as suas causas coletivas! Por acaso muitos brasileiros não fizeram o mesmo na época do regime militar, na ditadura de Vargas e em outros períodos opressores da nossa triste história?Em que seríamos de tão diferentes daquela antiga geração de escravos do monarca egípcio, os quais foram relatados nas Escrituras da Bíblia como exemplos negativos para toda a posteridade?

Semelhante a Moisés, Jesus foi traído por quem o seguia de perto como discípulo e teve a sentença de morte confirmada pela multidão que estaria presente no seu julgamento perante Pilatos. Multidão esta que teria sido destinatária de suas mensagens de libertação por uns três anos de ministério pelas terras de Israel. Multidão que ali foi incapaz de reconhecer a figura de seu Salvador, optando pela escravidão do sistema político, econômico e religioso iguais aos seus ancestrais no Egito.

Sem dúvida que essa é a realidade a ser enfrentada por todos nós quando abraçamos as causas populares. Corremos o risco de ser mal compreendidos, ridicularizados, traídos e injuriados por quem estamos servindo. Só que, se formos incapazes de superar  tal desafio, jamais faremos diferença alguma na história. Pois os verdadeiros revolucionários são aqueles que  não apenas lutam contra a opressão de fora ou de cima, mas combatem autenticamente toda forma de injustiça. Inclusive a que vem de baixo e dentro de nós.

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