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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A esposa que aprendeu a gostar

Era uma vez um tempo que já foi. Um tempo cheio de injustiças, escravidão, autoritarismos familiares e de monarcas absolutistas, mas que tinha lá suas compensações com menos violência nas ruas e poluição ambiental. Um tempo em que as mulheres raramente poderiam escolher seus maridos, mas que eram capazes de amar muito mais do que nos dias de hoje.

Naqueles tempos dos avós dos nossos tataravós, viveu uma jovem entre tantas outras chamada Maria, nome este que sempre foi comum na nossa civilização de cultura cristã em homenagem à mãe de Jesus, o Salvador.

Nascida alguns anos depois da formal independência brasileira, Maria sempre viveu submissa a seus pais que atravessaram as águas do Atlântico seguindo as embarcações de D. João VI. Por estas terras, resolveram ficar junto com o príncipe herdeiro de Portugal. Com rigidez brutal, seu Manoel e dona Carminha educaram a menina debaixo de princípios católicos, preocupando-se sempre com as vantagens que iriam obter quando fossem entregar a moça pura e virgem ao futuro marido.

Certa vez, num banquete promovido pela família a um proprietário de terras que desejava conseguir títulos de nobreza junto ao imperador, muitos assuntos foram tratados. Então, como parte do negócio, seu Manoel comprometeu-se em dar Maria ao filho mais velho do fazendeiro chamado Antonio, o qual retornara recentemente da Europa afim de advogar perante a já corrompida Justiça do país e captar poderosos clientes.

Sem que Maria e Antonio se conhecessem, ambos somente foram apresentados no dia do casório. Entre os convidados estavam somente os que constavam na lista dos pais dos noivos sem que Maria pudesse ao menos sugerir a presença de alguém de seu grupo de amizade. Durante o almoço promovido pela família, políticos do Partido Conservador estavam mais preocupados em fazer suas alianças para a futura disputa eleitoral dando pouca importância ao evento sacramental que acabara de ser realizado.

Decepcionante foram os primeiros dias de casada para Maria assim como a terrível noite de núpcias. Antonio foi incapaz de demonstrar compreensão e carinho, querendo apenas que a mulher lhe desse o devido prazer conjugal. Levou-a para morar na residência dada pelos pais e logo começaram os desentendimentos com agressões verbais do marido, as quais fizeram a esposa chorar copiosas lágrimas pelos cantos da casa.

Triste com a sua situação, Maria foi procurar a sua irmã Tereza que havia se tornado freira para cumprir uma promessa feita por dona Carminha. As duas se abraçaram e Maria contou-lhe tudo sobre as dificuldades enfrentadas no matrimônio.

- “Ai, irmã minha. Como eu queria estar aí em seu lugar. Por que mamãe prometeu você e não a mim? Preferiria que o meu esposo fosse o Salvador...”

- “Preste atenção, Maria. Somos todos muito amados por Deus que deu a vida de Jesus por nossa causa. Se já é amada pelo Senhor, apenas transmita este amor ao seu esposo, mesmo que ele não reconheça o seu esforço com gratidão. Lembre-se que nenhuma pessoa é capaz de ser grata a Deus pela vida que recebemos. Procure seguir a obediência submissa de nossa mãe Maria e se sujeite em tudo ao seu marido como se estivesse servindo ao Salvador.”

- “Mas eu não gosto dele, Tereza. Papai escolheu este homem sem que eu fosse consultada.”

- “Em compreendo e aconselho que apenas ame. Agora vai pois preciso retornar logo para a clausura.”

Depois daquela ida ao convento, Maria decidiu que amaria incondicionalmente Antonio como se ele fosse o próprio Senhor Jesus e começou a fazer o que estava ao seu alcance para agradá-lo. Tornou-se caprichosa no serviço doméstico, resolveu que suportaria o seu mau humor e que tentaria viver bem. Para isto, passou a cultivar somente coisas boas dentro de si e a observar as poucas qualidades positivas do marido perdoando-lhe as falhas. Nem sempre foi fácil, mas, com o decorrer dos anos, tudo foi se encaixando.

O tempo passou. O casal harmonizou-se, teve filhos, educou as crianças, prosperou, obteve reconhecimento na sociedade, enterrou os pais e envelheceu. A sofredora Tereza jamais deixou de aconselhar Maria entusiasmando a irmã quanto ao matrimônio, recebendo as proibidas visitas familiares no convento graças à sua cumplicidade com a madre superior.

Finalmente, quando a escravidão foi abolida e a República estava próxima de ser proclamada, as duas encontraram-se por mais uma vez:

- “Como vai o seu casamento, Maria?”

- “Muito bem, mas a saúde de Antonio não anda legal. Estou sofrendo muito com isto e hoje sinto o quanto ele é importante pra mim. Gosto demais dele e isto se tornou também recíproco entre nós.”

- “Rezarei por ele, querida, mas fico feliz em perceber agora o milagre que o Salvador fez em seu casamento guardando o melhor vinho para ser servido no final da festa.”

- “É verdade. Graças às suas inspiradoras orientações, passei a amar Antonio sem trocas e agora percebo o quanto estou gostando dele.”

- “Isto é bom, Maria. Quando vim parar no convento, jamais desejava ser religiosa e acho que, na verdade, ainda não sou. Se dependesse de mim, talvez nunca chegaria a assistir missas numa igreja e preferia ter me casado e criado filhos. Se fosse mãe, não mandaria uma filha para este lugar de jeito nenhum! Só que, aceitando o amor de Deus em Cristo, aprendi a gostar das condições de vida que me foram impostas e hoje sou feliz.”

Assim, aquilo que era apenas uma água na vida de Maria virou um saboroso vinho transparente. Seu amor por Antonio que, no começo, fora só uma decisão, tornou-se presente também nos sentimentos dela e do marido. Como tantas outras mulheres de sua época, Maria aprendeu a gostar de quem ama.

3 comentários:

  1. O BRASIL OITOCENTISTA ERA UMA M.

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  2. Descordo com o Anonimo acima... Acredito que há verdades que Deus guarda e que não é acessível à nossa capacidade de entendimento. Tenho certeza que a Maria da história amava seu marido de todo o coração, pois aceitava as limitações dele, o amando como o homem limitado que era, assim como todos os homens e mulheres. Talvez seja isso que falte nos dias de hoje.

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  3. Naqueles tempos, o amor precisava prescindir os sentimentos para que um casamento desse certo.

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