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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Precisamos aprender a reciclar vidas!


Esta semana, depois do frustrante passeio de domingo (ver o artigo Prefeitura do Rio dá informações desatualizadas ao turista e fecha a Casa de Banho de D. João aos domingos), passeei em dois outros lugares da cidade. Nenhum deles por motivo de lazer. A caminhada que eu tinha pra manhã de ontem (14/06), acabou sendo cancelada.

Um dos passeios foi na conferência Rio+20, dia 13/06. Por sugestão de um amigo no Facebook, eu me inscrevi numa mesa sobre sustentabilidade e as comunidades pacificadas do Rio de Janeiro que contou com a presença dos secretários estaduais de meio ambiente e de segurança pública, senhores Carlos Minc e José Mariano Beltrame.

Andando pelo Parque dos Atletas, área próxima ao Riocentro, onde também estão ocorrendo os eventos da conferência, notei a presença de uma exposição bem interessante por ali. Trata-se de uma usina de reciclagem montada pela indústria petroquímica produtora de resinas termoplásticas, Braskem, a qual se aliou à Centrel, marca especializada em engenharia ambiental, para transformar resíduos plásticos em peças de mobília feitas a partir de "madeira plástica". Lá os resíduos plásticos são transformados em bancos, lixeiras e floreiras, permitindo que o público presente possa acompanhar de perto o processo de confecção das peças.

Entretanto, não estive apenas transitando pela Rio+20. Houve um dia em que precisei prestar assistência a uma pessoa que foi encaminhada ao Instituto Municipal Phillippe Pinel.

Considerado como um dos maiores hospitais de referência na área de saúde mental, o Pinel atende grande parte da cidade do Rio de Janeiro, desde a Tijuca, na Zona Norte, até o Vidigal, na Zona Sul. Suas atividades incluem tanto as internações psiquiátricas como também o atendimento a alcoólatras e pessoas que fazem o seu tratamento morando em sua casa, além de dispor de uma emergência funcionando 24 horas.

Pode-se dizer que as pessoas internadas num hospital desses ainda são consideradas como sendo o lixo da sociedade. Muitos estão ali esquecidos pela família e sem receber o apoio de pelo menos um parente próximo, apesar do longo período de visitas. Porém, observei gente que não é do mesmo sangue que os internos fazendo um trabalho voluntário ali. Vi também um local de terapia ocupacional onde é possível produzir trabalhos artísticos com papel e tinta.

Atualmente, no Rio de Janeiro, qualquer internação nos hospitais públicos e conveniados da região entre a Tijuca e o Vidigal é decidida no Pinel. E, em conformidade com o contexto da reforma psiquiátrica, ali a abordagem é bem interessante dispondo de formas alternativas de atendimento substitutivas ao manicômio.

"A proposta traz uma significativa mudança de abordagem. No lugar de um só médico, equipes. Em vez de atendimento exclusivamente individual, grupos. Ao invés de hierarquia de posições, horizontalização (...) A RIPP é formada por vários profissionais, como psicólogos, psiquiátricas e assistentes sociais, que recebem os pacientes para encontros terapêuticos em grupo. A filosofia do trabalho é a de que cada paciente tem sua história e os sintomas que o levaram ao hospital psiquiátrico precisam ser analisados sob um amplo ponto de vista antes de serem caracterizados como sintomas de doença mental."
(extraído de http://www.sms.rio.rj.gov.br/pinel/media/pinel_ripp.htm)

Confesso que estou de acordo com esta visão de trabalho. Sei o quanto é difícil para uma família lidar com alguém com problemas psiquiátricos, mas não vejo outro jeito. A meu ver, a internação só deve ocorrer em casos bem extremos quando a vida e a integridade física estão mesmo em rico. Tanto da sociedade quanto do paciente. Assim como o lixo que a sociedade sempre descartou na natureza é trabalhado para tornar-se uma interessante mobília de nossas casas, acredito que as pessoas com transtornos psíquicos também podem fazer parte do nosso meio ambiente através de um processo de convivência verdadeiramente inclusivo.


OBS: As imagens desse artigo foram extraídas respectivamente de http://www.ecycle.com.br/component/content/article/37-tecnologia-a-favor/894-usina-de-reciclagem-sera-instalada-durante-a-rio20.html e http://www.insight.psicologia.ufrj.br/visualizarPortifolio.asp?idPortifolio=9  .

5 comentários:

  1. “A filosofia do trabalho é a de que cada paciente tem sua história e os sintomas que o levaram ao hospital psiquiátrico precisam ser analisados sob um amplo ponto de vista antes de serem caracterizados como sintomas de doença mental."

    Rodrigão

    Graças, que hoje, já existe uma política nacional de saúde mental, correndo em sentido contrário ao que outrora era realizado.

    Os Centros ou Hospitais Psiquiátricos, reconheço, eram verdadeiros depósitos de doentes, sem que se tivesse um esquema de análise de cada caso, com relação a família e os que conviviam de perto com o paciente

    A grande maioria dos casos de perturbação mental, hoje se sabe, não requer internamentos com internação, e sim, acompanhamento por uma equipe multidisciplinar, in loco, isto é, no próprio habitat do portador de distúrbio psíquico.

    O seu artigo veio em boa hora, para disseminar o que de bom já existe no que concerne à saúde mental do brasileiro.

    Abraços,

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  2. Interessante a ligação que você fez da reciclagem com a "reciclagem de gente".

    Cono diz o Levi, hospitais desse tipo já foram de fato, depósitos de gente. Também tive conhecimento de vários programas de inclusão dessas pessoas através da arte com resultados surpreendentes.


    Abraço

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  3. OPS!

    Onde está escrito "internamentos com internação", LEIA-SE: tratamentos com internação

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  4. Caros Levi e Eduardo,

    Esta é uma questão que muito preocupa nos dias de hoje porque mais pessoas têm "surtado" e saído dos padrões da nossa sociedade e do seu exigente mercado de trabalho.

    No entanto, tenho uma severa crítica ao governo. Nossas autoridades fizeram bem em promover o fim dos manicômios. Porém, isto não significou que os políticos estivessem mesmo preocupados com o bem comum. Muitos motivaram-se porque estavam mesmo era cortando verbas e, ao mesmo tempo, não investiram naquilo que o Levi muito bem colocou: "acompanhamento por uma equipe multidisciplinar, in loco, isto é, no próprio habitat do portador de distúrbio psíquico."

    Gente, será que isto existe hoje no Brasil?!

    Lamentavelmente, o que temos é justamente o contrário. São famílias desesperadas por nem sempre conseguirem um atendimento satisfatório nas redes de saúde mental existentes nos municípios.

    Recentemente, eu ingressei com uma ação judicial aqui no Rio de Janeiro para que uma pessoa pudesse ter acesso a tratamentos de psicoterapia porque o posto de saúde perto de sua casa, no bairro de Vila Isabel que fica vizinho ao meu, não dispunha de vagas no momento. Apenas duas psicólogas estavam (ou estão) dando conta de uma área a metrópole que corresponderia a uma cidade de milhares (ou de dezenas de milhares) de habitantes. Esta foi a decisão do juiz, sendo que ainda precisarei retornar ao Fórum esta semana para exigir a aplicação de medidas mais severas, tipo a fixação de prazo para cumprimento da obrigação com a imposição de uma multa diária porque, até o momento, a paciente nem ao menos foi chamada para começar o seu tratamento e acabou tendo uma crise na semana passada:


    "1) Defiro a gratuidade de justiça à autora. 2) Trata-se de ação ordinária em que a autora pleiteia a realização de psicoterapia necessária ao tratamento de sua doença. Alegando perigo de dano irreparável, pede a antecipação dos efeitos da tutela para lhe ser disponibilizada, prontamente, o tratamento apontado. A doença está comprovada pela apresentação da prescrição médica de fls. 39. Com a comprovação da doença, indicia-se também o perigo na demora da concessão do provimento, diante do risco à integridade física da parte autora, tanto que se atestou a necessidade de imediata intervenção médica específica. Resta apenas a verificação da viabilidade da concessão, em seu aspecto jurídico, que realizo em juízo de cognição sumária, inafastável, entretanto. A verificação resolve-se pela vinculação dos entes estatais à efetivação do direito social em epígrafe. Assim, a atividade judicial reclamada cinge-se à realização do tratamento referido o qual já se tinha obrigado o ente, e ao reconhecimento da prevalência da tutela do direito à saúde e à existência da solidariedade dos entes da Federação no atendimento desse direito, entendimento majoritário da jurisprudência desse Tribunal de Justiça. Por este motivo, e atenta a urgência acima referida, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA para determinar a realização do tratamento de psicoterapia indicada segundo prescrição médica, dirigindo a ordem a ambos os réus, em razão daquele princípio. Citem-se e intimem-se."


    Lamentavelmente, é assim que as coisas têm funcionado no Brasil. O cidadão e sua família têm que entrar na Justiça para conseguir tratamento. O Estado simplesmente nos abandona...

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  5. Em tempo!

    E se depender dos planos de saúde, a saúde mental do brasileiro vai muito mal também porque a ANS só determinam 12 sessões que podem chegar a 42 em casos previamente determinados.

    Na prática, quando um caso é grave, nem 12 ou 42 sessões adiantam. A pessoa acaba mesmo tendo que procurar o SUS quando não dispõe de dinheiro para pagar um psicólogo. Isto sem falar que as agendas dos psiquiatras que atendem os planos de saúde vivem lotadas e nem todos têm o compromisso de atender o paciente pelo período necessário durante uma sessão. Acho um absurdo pessoas ficarem menos de 15 minutos dentro do consultório sendo atendidas muito depois do horário marcado.

    Muito triste a situação do país e obrigar planos de saúde a atenderem mais de 12 sessões ainda é algo incerto, tendo em vista as diferentes jurisprudências (ainda devo escrever sobre isto).

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