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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um evangelho bem simples

“Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los de dois a dois, dando-lhes autoridade sobre os espíritos imundos. Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, exceto um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro; que fossem calçados de sandálias e não usassem duas túnicas. E recomendou-lhes: Quando entrardes nalguma casa, permanecei aí até vos retirardes do lugar. Se nalgum lugar não vos receberem nem vos ouvirem, ao sairdes dali, sacudi o pó dos pés, em testemunho contra eles. Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliram muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo.” (Evangelho de Marcos 6.7-13; ARA)


Eu estava lendo esta passagem do segundo evangelho da Bíblia, durante o período do recesso forense (de 20/12 a 06/01), e fiquei meditando sobre a simplicidade como as boas novas foram anunciadas durante os ministérios de Jesus e de seus discípulos.

O Evangelho de Marcos destaca muito as ações praticadas pelo Filho do Homem. Logo no primeiro capítulo, quando Jesus é batizado nas águas do rio Jordão por João Batista e este é preso por Herodes, o seu aguardado ministério se inicia nas aldeias da Galileia. A mensagem pregada parecia focar num convite ao arrependimento e no anúncio da vinda do Reino de Deus (Mc 1.15), o que pode ter sido uma continuidade dos trabalhos de João, com o acompanhamento de curas milagrosas e da expulsão de influências espirituais malignas sobre as pessoas.

No decorrer das narrativas do 2º evangelho, serão estes os principais acontecimentos nas atividades de Jesus, além das controvérsias com os mestres da lei (mosaica), com os fariseus e com a própria família. Então, depois de ter feito muitos prodígios, curado um paralítico em Cafarnaum (Mc 2.1-12), acalmado a tempestade nas águas do Tiberíades (Mc 4.35-41), libertado um endemoniado em Gerasa (Mc 5.1-20), realizado o milagre duplo da mulher com fluxo de sangue e a ressurreição da filha do chefe da sinagoga (Mc 5.21-43), finalmente Jesus resolve enviar seus doze apóstolos, organizados em seis duplas, para uma missão de estagiários pelos povoados de Israel.

Nesta primeira experiência evangelística, sem a presença do Mestre, os discípulos precisaram aprender a depender somente da Divina Providência. Não poderiam carregar recursos em excesso, devendo levar tão somente um bordão, a roupa do corpo e o calçado que usavam. Nada de malas, mantimentos para o dia seguinte ou dinheiro para as despesas na viagem. A hospedagem seria na casa de quem os acolhesse.

Pensando sobre esta incrível simplicidade, concluí que o sucesso missionário reside justamente na leveza da bagagem. Quantos menos bens os discípulos administrassem, mais disponíveis estariam para se dedicarem à tarefa de evangelizar.

Trazendo este ensino para os dias atuais, fico observando o peso das instituições religiosas e de muitos ministérios que têm por aí. Os escritórios das grandes denominações evangélicas ocupam várias salas ou andares, necessitando de funcionários remunerados para gerenciarem a própria estrutura. A Igreja Católica, igualmente, também precisa administrar uma penca de imóveis neste país, investir seus recursos financeiros, cuidar da manutenção dos prédios velhos, contratar advogados para defender seus interesses, etc. Até mesmo uma congregação independente, depois que cresce, passa a acumular preocupações que já não estão mais ligadas diretamente ao propósito principal do Evangelho e aí problemas começam a surgir da própria gestão institucional.

A primeira missão dos doze apóstolos, embora pareça romântica aos olhos de muitos, alcançou o seu resultado esperado (Mc 6.12-13). A mensagem de arrependimento e de anúncio da chegada do Reino foi pregada ao povo com alcance de muitas vidas. Os milagres de cura e de alívio espiritual, ocorridos por intermédio de Jesus, também se manifestaram nas viagens empreendidas pelos discípulos.

Não quero criticar os ministérios atuais pela falta de milagres a exemplo de curas físicas e supostos acontecimentos sobrenaturais. Para mim, fenômenos deste tipo não precisam ocorrer o tempo todo na História e acredito que Deus não trabalha só com demonstrações de poder como se a abertura do Mar Vermelho e a alimentação dos israelitas com o maná tivessem que se repetir a cada geração.

Todavia, critico a inoperância e cegueira de muitas atividades ministeriais de hoje que se deixam absorver pelo gigantismo da estrutura criada. Isto porque vidas deixam de ser alcançadas pela luz do Evangelho dentro das igrejas e as equipes perdem um tempo precioso com reuniões administrativas.

Ora, será que agente não consegue desenvolver uma evangelização mais simples e que dependa mais da direção divina do que dos recursos financeiros?

Quanto nos custa dizer palavras de encorajamento a alguém ou abraçar pessoas carentes de afeto?

Tenho pra mim que, se a Igreja conseguir trilhar o seu caminho cada vez menos dependente de templos, inscrição no CNPJ do Ministério da Fazenda, papeis, serviços contábeis e valores financeiros, melhor será para a obra de Deus. E assim, os recursos arrecadados passariam a ser empregados em maior volume para a assistência dos pobres e no sustento de missionários em dificuldades no estrangeiro. Afinal, poucas são as congregações cristãs neste país que levam a sério os compromissos com ações sociais e colocando em prática a distribuição de riquezas na época da Igreja primitiva.

“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam asa suas refeições com alegria e singeleza de coração” (Atos dos Apóstolos 2.44-46; ARA)


OBS: A ilustração acima trata-se do Sinaxário dos Doze Apóstolos, datado do século XIV e que se encontra, atualmente, no Museu de Moscou. Foi extraído por este blogueiro do Wikimedia Commons, um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation, o qual pode ser utilizado por outros projetos.

10 comentários:

  1. Rodrigo,

    de fato, o evangelho profissionalizou-se; virou empresa, ficou gigante, burocrático; mas será que poderia ser diferente nestes nossos tempos? Seria possível termos uma igreja que não "seria igreja"? É possível hoje anunciar aquele mesmo evangelho sem as estruturas que temos hoje?

    Sua crítica é pertinente; taí um assunto que deveria preocupar os mega ministérios que temos hoje no Brasil.


    p.s - você é o próximo a postar lá na Logos e mythos.

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    1. Caro Edu,


      Penso que poderia ser diferente, sim, meu brother! QUando uma congregação crescesse, ao invés de se construir novos templos, a comunidade e seus líderes poderiam ponderar sobre a possibilidade de se espalharem pela cidade através de núcleos ou células independentes. Sò que isto signficia que o líder precisa abrir mão do seu controle sobre a obra e permitir que o controle seja de Deus...


      "Seria possível termos uma igreja que não 'seria igreja'?"

      Sinceramente, Edu, acho que igreja poderia ser visto mais como um adjetivo do movimento de Cristo. Penso que o uso do termo igreja em Mateus 16 foi circunstancial e daí ela exprimir mais uma qualidade. Ou seja, um movimento que se reúne em assembleia popular, em deliberações coletivas para tratar dos assuntos do Reino. Logo, eu poderia chamar do movimento eclesial do Reino de Deus...


      "É possível hoje anunciar aquele mesmo evangelho sem as estruturas que temos hoje?"

      Bem, o Evangelho não mudou. Sua aplicação sim porque vivemos em momentos diferentes e daí a necessidade de soluções diferentes para os respectivos problemas. De qualquer modo, a essência será a mesma.

      A meu ver, o evangelho não precisa de quase nada para ser comunicado. Às vezes, ele dispensa palavras. E, neste sentido, entendo que quanto mais ligados estamos à essência, menos iremos depender de técnicas de evangelismo, de locais, de supostos cargos, seminários teológicos, mídia, etc. No fundo, será o papo com cada pessoa, no toque de sua consciência, que fará ela se despertar para o kerigma, para a transformação da realidade pelos valores do Reino. Uma realidade que ela começa a repensar dentro de si mesma e tudo vai ficando mais claro quando começamos a encontrar dentro de nós mesmos a paz, a felicidade e a importância de manifestarmos o amor.

      Acredito que, durante todo este processo, a convivência em grupo com outros irmãos antenados nos assuntos do Reino será importantíssima. E aí o grupo deve se tornar um ambiente capaz de haver entendimento entre as pessoas, trocas de ideias, de informações, participação de um na vida do outro, diálogo.

      Nestas horas, questiono se aa escolaa dominicais, por exemplo estão atendendo a este objetivo. Questiono se grupos muito grandes realmente permitem às pessoas conversarem com transparência. Questiono se o excesso de atividades não atrapalha também o desenvolvimento dos pequenos grupos de comunhão?!

      Como se vê, já não estou nem falando das picaretagens que se vê por aí usando o nome de Cristo. Falo das faltas de oportunidades que a própria estrutrura impede com o seu gigantismo sufocante.

      Abraços.

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  2. Rodrigão, muitos não discernem a manisfestação do sagrado, pela casualidade e despretensão do momento. Nem sempre, ou, bem pouco, a manifestação do que transcende vem acompanhado de alarido bombástico.

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    1. Caro Franklin,

      Bem lembrado!

      O que coclocou fez-me lembrar da ocasião em que o profeta Elias subiu ao Monte Sinai e lá percebeu o sagrado no chamado suave e tranquila (1Reis 19.11-13). Pois Deus não estava no vento forte, nem no fogo ou nem no terremoto. E aí, as vozes, os trovões e o fogo manifestados quando Moisés e os israelitas estiveram ali simplesmente não se repetiram daquela vez.

      Quando será que estaremos preparados para ouvir Deus no silêncio?!

      Valeu!

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  3. Rodrigão, eu vejo por outro lado, que as instituições chamadas igrejas, poderiam sim ter assistência social a idosos, dependentes de drogas, alcoólatras, creches e tantos outros órgãos e para isto seria necessário dinheiro e funcionários. Para mim, o real problema é que, os em essencialmente pastores, fazem vista grossa para os dons, segundo 1 Coríntios 12. Os pastores, ainda que em detrimento da obra, querem ser o homem "bombril" porque para ele convergirão todos os holofotes. Normalmente, quando alguém tenta desenvolver um ministério com sucesso, começa a ser hostilizado. E os medos, ciúmes, invejas, terminam sempre por puxar o tapete de quem apenas "parece" ser uma ameaça, no entanto, está com sinceridade, tentando fazer com amor e dedicação seu trabalho, mesmo não tendo nada haver com púlpito.Isto é doloroso, mas é comum em creio que todos os ministérios.
    Concordo também que a dependência absoluta de Deus em todas as áreas, trás perfeito sucesso, que redundaria em fortalecimento da fé, ética e consequentemente credibilidade.

    Você nunca mais deu o ar da sua graça no meu blog buaaaaaaaaaaa

    Beijo amigo.

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    1. Olá, Guiomar.

      Como vai, amiga?

      A questão que colocou remete-nos ao problema enfrentado pela Igreja Primitiva em Atos 6 (sobre o não atendimento das viúvas dos helenistas) e também por Moisés em Exôdo 18, versos 13 em diante, quando ele recebe a visita do seu sogro Jetro e este propõe a descentralização dos julgamentos.


      "Procura dentre o povo hoens capazes, tementes a Deus, homens de verdade que aborreçam a avreza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez" (Ex 18.21; ARA)


      Como se vê, o princípio de Jetro inclui, dentre outras coisas, a delegação. E outra observação a ser feita seria a escolha de pessoas certas. E o mesmo sucede à Igreja:


      "Mas irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço." (At 6.3; ARA)


      Acho que nisto estamos de acordo, cosniderando suas colocações acima. Porém, há algo importante a ser ponderado que é o fator motivacional. Pois creio que, quando uma pessoa encontra-se realmente "cheia do Espírito", ela não fica tanto na dependência de dinheiro e de funcionários. E aí, como consequência do trabalho que ela realiza, penso eu, ainda que utopicamente, na possibilidade de outros virem a apoiar de um modo voluntário na obra realizada.

      Por outro lado, entendo que a vida cobra de quem se dedica a um ministério. Surgem necessidades de alimentação, moradia, vestimenta, cuidados com a família, etc. Nestas horas, a fé chega a ser testada, mas fico a ponderar se, na hora do aperto, corvos virão até à torrente sustentar o profeta como ocorria com Elias (1Reis 17.1-7). Então, acho que deve haver um equilíbrio. Nem o agingantamento da estrutura a ponto de fazer com que a Igreja se perca dentro dela e nem um romantismo. Pois, afinal, quando Israel atravessou o Jordão e passou a comer do produto da terra, o maná cessou (Josué 5.12).

      Enfim, reconheço que este tema é inconcluso para npos ainda, mas me parece que Deus tenha algo a nos falar a respeito dessas questões. E, neste caso, acho fundamental buscarmos sua vontade, lembrando aqui que a desconstituição de pesadas administrações na Igreja tende a torná-la mais "leve" para agir.


      Abraços.

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  4. Em tempo!


    Vou ver se visito seu blogue, Guiomar! Ando meio sumido por lá.


    Edu, obrigado pelo lembrete. Já vou pensar no que escrever para a Confraria.


    Abração a todos!

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  5. "Pois creio que, quando uma pessoa encontra-se realmente "cheia do Espírito", ela não fica tanto na dependência de dinheiro e de funcionários."

    Eu diria que o fato de você ter funcionários e dinheiro para a obra, não deixa de depender também de Deus, já que, como você mesmo citou Atos 6.3, só quem realmente conhece os capacitados espiritualmente é Deus.

    Estou sem mais tempo agora, mas dirigindo Centros de Recuperação, tivemos experiências de provisão de Deus tremendas, grandiosas. Não tenho dúvidas de que Ele é o mesmo Deus de Elias e do Maná, quando as fontes naturais param.

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    1. "Eu diria que o fato de você ter funcionários e dinheiro para a obra, não deixa de depender também de Deus (...)"


      Olá, Gui.

      Concordo com você! Não posso radicalizar a ponto de ir contra a remuneração de pessoas que atuam na obra de Deus. Afinal, as Escrituras mesmas dizem que "digno é o obreiro do seu salário" (Lc 10.7; 1Tm 5.18) e "não atarás a boca do boi que debulha" (Dt 25.4; citado duas vezes por Paulo em 1Co 9.9 e 1Tm 5.18).

      Todavia, a motivação do trabalho do obreiro não deve depender da remuneração. Ele precisa aprender a extrair seu entusiasmo da fé e do amor. E aí o exeplo de Paulo que, a princípio, não quiz depender da remuneração dos irmãos, não pode ficar esquecido.

      Neste sentido, considero a possibilidade de que pessoas que trabalham e levam suas vidas comuns podem muito bem envolverem-se com a obra e atuarem onde seus braços alcançam. E, sme generalizar, acho que, quando temos um campo de atuação menor conseguimos ser mais atenciosos e participar mais dos problemas da comunidade onde vivemos.

      Abraços.

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    2. Em tempo!

      Também creio que Deus não mudou, minha irmã!

      Todavia, sempre precisamos discernir os relatos bíblicos que nem sempre podem ser tomados literalmente pois suponho que muitos eventos narrativos constituem meios de comunicar algo que ultrapassa a compreensão humana. Daí os milagres de Elias e o maná da época de Moisés, bem como as aparições divinas e outros acontecimentos, precisam ser lidos mais como figuras simbólicas ou como textos que exigem interpretação de fundo ético.

      Valeu!

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