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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Reflexões sobre o assédio

Um dos maiores problemas na convivência humana chama-se assédio. Este pode ocorrer de várias formas dentro das nossas relações sociais. Fala-se, por exemplo, no assédio moral, no assédio sexual, no assédio publicitário, no assédio religioso, político, profissional, estudantil e cultural. E já existe até mesmo o assédio consciencial que consiste numa invasão ou intrusão doentia de ideias, de emoções e de motivações de uma pessoa sobre a outra.

Nem sempre é possível punir ou responsabilizar um assediador. E, por um lado, acho até bom certas condutas de assédio não serem criminalizadas pelo direito brasileiro afim de evitarmos o desenvolvimento de paranoias dentro da nossa sociedade semelhante ao que ocorre há algum tempo nos Estados Unidos. A meu sentir, não é pela repressão, mas sim pela educação, que as pessoas aprenderão sobre a importância de se respeitar a vontade e o jeito de ser das outras para podermos viver melhor.

Muito ainda impressiona o público as notícias que falam no assédio sexual. Acertadamente, a nossa legislação já protege o funcionário de uma empresa contra os assédios do empregador e do superior hierárquico. Principalmente para que a empregada não fique constrangida a ir pra cama com o chefe contra a própria vontade, sob a ameaça de ser dispensada do trabalho.

Se pensarmos bem, há outros tipos de assédio sexual que não estão restritos às relações trabalhistas.

Será que o fato de uma moça receber indesejados e repetidos convites para sair com um vizinho, internauta, conhecido do trabalho ou colega de escola também não caracterizaria algum assédio?

Mesmo que com um baixo potencial ofensivo, a conduta assediadora existe nas mais simples situações do cotidiano. Até mesmo com insistentes olhares não discretos dentro de um coletivo, um homem pode estar incomodando uma passageira com sua atitude perturbadora. E acho que nada justifica a manutenção da conduta se a outra pessoa demonstrou desinteresse ou repulsa à cantada.

Mas seria possível falar em assédio dentro de uma relação de namoro ou mesmo no casamento?

Bem, eu diria que, no companheirismo, é o que mais ocorre por causa do elevado grau de intimidade entre os parceiros. Inclusive em relação ao sexo! Só que nem sempre o assédio sexual será aquele que mais incomodará um dos cônjuges. Muitas das vezes, o assédio irá se tornar manifesto quanto ao desejo de querer mudar o comportamento do outro, no convencimento de ideias a respeito de crenças religiosas, na maneira da pessoa vestir-se, no jeito de ela se expressar, bem como no direito da mulher trabalhar ou estudar.

Graças à insubstituível experiência do casamento, tenho verificado o quanto nós homens ainda somos tremendos assediadores das nossas mulheres. É muito fácil respeitar a liberdade das pessoas de fora e sufocarmos quem vive debaixo do mesmo teto que nós. No íntimo não queremos uma parceria realmente livre na comunhão conjugal porque pretendemos dominar ou suprir carências emocionais.

Verdade é que, quando o homem assedia sua mulher, ele acaba ignorando a sua co-dependência em relação à esposa, recusando-se a evoluir. Pois a beleza do relacionamento está justamente na apreciação da natureza espontânea e quase selvagem do outro, o que exige de nós uma renúncia à posição de domínio. Ou seja, devemos lidar com a pessoa amada dando-lhe espaços sem esperarmos uma egoísta satisfação imediata das nossas expectativas. E aí só uma atitude realmente amorosa de um em relação ao outro é que poderá nos ensinar.


OBS: A ilustração acima refere-se ao filme Assédio Sexual (1994) dirigido por Barry Levinson e que contou com a participação dos atores Michael Douglas, Demi Moore, Donald Sutherland e Caroline Goodall na composição de seu elenco.

sábado, 28 de abril de 2012

Conhecendo mais do Rio

Nestes quatro meses e meio que estou morando no Rio de Janeiro, posso dizer que várias coisas já vi. E há quem diga que já conheço a cidade melhor do que muitos cariocas (se bem que eu sou carioca de nascimento, mas vivi boa parte de minha vida em Juiz de Fora e depois em Nova Friburgo).

Sempre que tenho uma oportunidade, aproveito para colorir meu dia, saindo da entediante rotina. Este mês, quando fui levar minha esposa ao seu homeopata, na movimentada Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, aproveitei para dar um passeio até à orla, caminhar pela areia, molhar meus pés na água do mar e contemplar o Arquipélago de Cagarras com suas quatro ilhas distantes em uns 4 a 8 quilômetros da praia. Já na quarta-feira passada (25), fiz algo semelhante enquanto minha esposa estava aguardando a consulta dela com outra médica na Tijuca, aproveitando para caminhar por algumas tranquilas ruas do bairro que quase ninguém conhece e acabei indo até o morro do Salgueiro (o mesmo daquela famosa escola de samba). E, nesta sexta-feira (27), tendo chegado ao aprazível Alto da Boa Vista faltando quase duas horas para um compromisso em São Conrado, resolvi embarcar numa kombi que conduz passageiros perto do Corpo de Bombeiros até o ponto final, uns 5 quilômetros depois, de onde é possível desfrutar de uma incrível visão da Barra da Tijuca.

Além dos pontos turísticos e das aventuras ecológicas que tenho realizado, conforme já andei compartilhando em postagens anteriores neste blogue, estou buscando conhecer o Rio por outros aspectos. E um deles tem sido conversar com gente. Interessa-me conviver com pessoas de todas as classes sociais, profissões diferentes, turistas, lideranças comunitárias, artistas (não necessariamente os famosos que aparecem na TV) e com o cidadão comum assim como eu. Logo, quando não dependo de meus próprios pés para ir nos lugares, dou preferência ao meios de transporte coletivo (ônibus, metrô, trens e barcas) onde é possível ter uma convivência ocasional com o carioca.

Esta semana que passou, fui recebido por um ex-prefeito da cidade em seu escritório. Com 66 anos, o economista César Epitácio Maia já administrou o Rio de Janeiro em dois períodos (de 1993 a 1997 e de 2001 a 2009) até ser sucedido pelo atual mandatário. Dando continuidade ao papo que tínhamos iniciado na internet sobre o sistema das eleições proporcionais no país, acabamos conversando sobre política internacional, depois política municipal, administração pública, o problema da favelização e os conflitos do choque de ordem, abortando questões históricas de relevância. Ao final, fui presenteado com um livro sobre o Rio, editado em 2007 pela Scriptus Editora, onde encontrei valiosas informações para a minha pesquisa pessoal.

Foi justamente folheando o livro do César Maia que, neste sábado (28), descobri mais uma opção de passeio cultural aqui bem pertinho de casa, num bairro bem próximo ao Grajaú chamado Muda. Trata-se da Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola, situado na Rua Conde de Bonfim, n.º 824, entre a Muda e a Tijuca:

“E que tal estudar música em um palacete art nouveau? É assim na Muda, no recém-inaugurado Centro de Referência da Música Carioca. Construída em 1920, a residência senhorial é um dos últimos casarões do bairro e hoje foi transformada em escola de choro, núcleo de pesquisa e documentação para cuidar do inventário da produção musical do Rio de Janeiro através dos séculos. O espaço inclui ainda um auditório e um café-concerto, além de uma área de exposições” (págs. 101 e 102 da obra César Maia no coração do Brasil: uma homenagem aos 15 anos da primeira eleição à prefeitura do Rio de Janeiro)

Numa caminhada que havia feito anteriormente, indo a pé do Grajaú à Tijuca passando pelo Morro do Andaraí, eu já tinha passado por este interessante local que minha esposa Núbia amou. Só que, naquela ocasião, o velho casarão estava fechado. Desta vez, porém, demos sorte em achar o local aberto ao público e ainda contar com umas jovens musicistas que se disponibilizaram a nos auxiliar numa visita guiada. Foi assim que conhecemos a Isabela, a qual nos apresentou as seis salas interativas do Centro Municipal de Referência da Música Carioca juntamente com a exposição.

Quando recordo do passado e me lembro dos desenhos da família Jetson, os quais tanto assistia na infância, chego à conclusão de que o futuro já chegou. É certo que não vemos carros voando por aí, mas temos celulares com câmeras e que também são pequenos televisores portáteis, como também podemos usufruir de um novo tipo de museu onde o velho se junta à recente tecnologia produzida. E de certo modo posso afirmar que o Centro de Referência da Música Carioca é um lugar onde o antigo se concilia com o moderno.

Apesar das novidades tecnológicas estarem presentes em todos os cômodos visitados do velho imóvel reformado pela Prefeitura, a que mais costuma prender a atenção do público parece ser a de número 3, chamada de “Tempo”. Ali, uma tela interativa permite o acesso às informações, áudios e vídeos de obras dos principais compositores que trabalharam na cidade do Rio de Janeiro. Pode-se pesquisar desde os primeiros músicos e compositores da época dos descobrimento até os mais atuais, envolvendo todos os estilos. Contudo, como os primeiros maestros da música carioca foram os índios, o Centro de Referência da Música Carioca também disponibiliza um espaço para o canto dos tupinambás, conforme as anotações feitas pelo francês Jean de Léry em sua visita ao continente no ano de 1577.

Para agradar a vontade da esposa, fomos lanchar no outro lado da rua, no Mister Pizza, e terminamos o passeio tomando café no terceiro piso do Shopping Tijuca, numa loja chamada Mestre Cookie, onde trabalha como barista o seu amigo Douglas. Como o dia e o horário estava agitado, quase não pudemos conversar, mas creio que o rapaz ficou feliz pela nossa presença ali.

Assim encerrei mais uma semana aqui no Rio em que, desta vez, não deu para fazer longas caminhadas pela floresta, mas pude encaixar pequenos passeios nos momentos disponíveis, realizar programações culturais e, principalmente, bater papo com pessoas.


OBS: A primeira foto acima, mostrando uma das ilhas do Arquipélogo de Cagarras, foi extraída do site da ONG Viva Rio em http://vivario.org.br/ enquanto que a última, sobre o Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola, eu a encontrei na página da Prefeitura do Rio de Janeiro. O melhor ponto de observação de Cagarras na praia de Ipanema fica próximo ao Posto 9.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Evangelho que sobreviveu às cortinas de ferro da URSS

É impossível não crer que Deus de alguma maneira age no curso da História!

Na Rússia, o povo viveu debaixo de um totalitarismo aniquilador por sete décadas do século XX. Após a revolução bolchevique de 1917, junto com a repressão política, vieram também as perseguições religiosas do regime soviético combatendo duramente as igrejas cristãs e tomando todas as medidas ao seu alcance para tirar a Bíblia de circulação. No lugar da fé esperançosa num Deus amoroso, o governo pregava o estéril ateísmo pois a religião era vista como uma “estrutura do capitalismo” pelos comunistas.

Entretanto, no século XIX, dois escritores russos parecem ter sido divinamente inspirados para anunciarem o Evangelho para as gerações seguintes através de suas letras. Eram eles Leon Tolstoi (1828-1910) e Fiodor Dostoievski (1821-1881). Ambos foram contemporâneos e escreveram seus brilhantes romances nas últimas décadas do czarismo, eternalizando-se na literatura universal.

Tolstoi foi sem dúvida um asceta. Um homem com seu interior perturbado e que tentou seguir o Sermão da Montanha (Mateus 5, 6 e 7) literalmente numa verdadeira ambição de santidade. Procurou, dentro de sua compreensão, atingir aquilo que acreditava ser o ideal ético cristão. Nesta busca, ele expôs em si mesmo (e nos seus escritos) o grande drama humano em praticar com retidão a lei divina. Mostrou para seus observadores o quanto somos pecadores, contraditórios, incapazes de alcançar a perfeição e carentes da graça.

Estudando um pouco da biografia de Tolstoi, descobrimos que ele ao menos buscou ser sincero em relação à crença que tinha. Tendo quase levado sua família à miséria ao libertar seus servos e tentar se desfazer de suas posses, eis que os últimos dias deste renomado escritor foi como um andarilho quando então morreu numa estação ferroviária rural. E, por várias vezes, ele desejou dar fim em sua vida, provavelmente em decorrência da angústia por não conseguir atingir os elevadíssimos ideais de Deus.

Praticamente o oposto de Tolstoi, viveu Dostoiévski num ambiente de carnalidade e de jogatina. Foi um homem que aproveitou a vida conforme os seus desejos e se apegou imensamente às letras e de uma maneira bem intensa em diversos momentos seus.

Ao invés de caminhar pelas vereadas do ascetismo, Dostoiévski seguiu uma visão mais liberal. Seus escritos revelaram um Deus bondoso e amoroso capaz de aceitar o ser humano com todas as suas terríveis falhas. É a graça divina se fazendo presente nas nossas fraquezas de uma maneira incondicional e acessível.

É possível que, por causa de sua a experiência de vida, Dostoiévski tenha conhecido a graça de uma maneira tão especial. Quando condenado à morte pelo czar, eis que, inesperadamente ele recebeu a notícia de ter recebido uma indulgência quando já estava diante do pelotão de fuzilamento. Aquele momento radical certamente que o marcou de maneira profunda, levando-o a perceber tempos depois a manifestação da misericórdia de Deus. Tendo sua pena convertida em anos de trabalho forçado na Sibéria e ganhado um exemplar do Novo Testamento de uma senhora, ele valorizou como nunca aquela sua segunda oportunidade de viver a ponto de ter escrito:

“Se alguém me provasse que Cristo estava fora da verdade (…) então eu preferiria permanecer com Cristo a aderir à verdade”.

Não é por menos que em seu livro Alma Sobrevivente, o escritor cristão norte-americano Philip Yancey chama Tolstoi e Dostoiévski de seus “mentores espirituais”. E, se pensarmos bem, ambos romancistas encarnam a mensagem de Paulo dada na epístola aos Romanos, o que os torna verdadeiros “profetas” para o povo russo (e para o resto da humanidade).

Com Tolstoi, aprendo que sou pecador e que minhas boas obras não passam de um "trapo de imundície", como bem disse o profeta Isaías. Compreendo o quanto sou reincidentemente falho, mesquinho, hipócrita, avarento e carnal. Mas com Dostoiévski conheço o Deus que me ama e que me aceita com todos os meus pecados. O Deus que me dá sempre uma segunda chance para aprender a viver com alegria e satisfação diante de sua Santa Face.

Enfim, por mais que os stalinistas tivessem tentado calar a voz divina tirando a Bíblia de circulação, a Palavra continuou viva e operante na Rússia pelos 70 anos de comunismo. E, mesmo que a História não tenha muitos registros a nos relatar, creio que pessoas vieram a conhecer o Evangelho de Cristo por meio das obras desses dois nobres escritores sobreviventes à censura do regime soviético e, com isto, se converteram.


OBS: As fotos acima foram extraídas da Wikipédia. A primeira (de Tolstoi), tirada em 1908, tem sua autoria atribuída a Sergey Mikhaylovich Prokudin-Gorsky (1863-1944). Já a segunda mostra Dostoiévski em 1863 sendo desconhecida a origem do material.

Refletindo sobre o futuro da 7ª geração após a Independência

Segundo Heráclito, o período de uma geração, "o espaço de tempo no qual o pai vê o seu filho tornando-se pessoa capaz de engendrar", seria de 30 (trinta) anos. Já a Bíblia prevê 40 (quarenta) anos como correspondendo à duração de uma geração. E, atualmente, no entender de alguns, a cronologia que separa cada o grau de filiação já teria caído para 25 (vinte e cinco) anos.

Todavia, considero mais adequada a versão do citado filósofo pré-socrático, tido também como o "pai da dialética", já que um século acaba contendo mesmo três gerações, pelo que se consolidou o seu pensamento muito bem lembrado pelo gramático romano Censorinus:

“Um século é a maior duração da vida humana, que é limitada pelo nascimento e pela morte. Aqueles, por consequência, que reduziram o século a um espaço de trinta anos, cometeram manifestamente um grande erro. É Heráclito que chama este lapso de tempo de ‘geração’, já que ele envolve uma revolução da idade do homem; e ele chama de revolução da idade do homem todo o período durante o qual a natureza humana faz o retorno do semeado à semeadura”

Aplicando estes conceitos à idade do jovem país Brasil, nascido não em 1500, mas sim com sua emancipação política (07/09/1822), fico a indagar a respeito da nossa evolução coletiva no decorrer das seis gerações de lá para cá.

Não é fácil abandonarmos de uma vez por todas a mentalidade de um povo colonizado para enxergarmos a nós mesmos como nação livre com grande potencial de se desenvolver. O melhor testemunho disso foi que, segundo a Bíblia, Moisés precisou que praticamente toda aquela geração que saiu do Egito, no êxodo, fosse substituída por uma nova criada ali no deserto do Sinai e sem mais a mentalidade de escravos.

Diferente da história bíblica do povo de Israel, nós brasileiros passamos por um processo tranquilo de independência formal e fomos conduzidos pela família real portuguesa durante quase setenta anos até à proclamação da República, quando ainda estávamos no começo da terceira geração "livre".

No entanto, o golpe militar que impôs a forma republicana de governo não foi capaz de formar uma geração com um alma verdadeiramente emancipada. Continuamos submissos aos interesses estrangeiros por décadas, deixando que os "coronéis" mandassem nos rumos da política nacional. E, se conseguimos nos industrializar no século XX, foi pura sorte por causa da primeira guerra mundial e da revolução de 1930 (período da quarta geração). Isto porque as fábricas europeias não puderam mais atender ao nosso mercado e, por necessidade, o Brasil teve que ter sua própria produção. Além disto, a quebra da Bolsa de Nova Iorque foi ótima para diminuir o poder das medíocres oligarquias rurais.

Depois de terem suicidado Getúlio Vargas, a nossa autonomia econômica não durou muito. Tão logo os interesses das multinacionais articularam-se com os das elites brasileiras e, deste modo, tivemos o desenvolvimento do país freado na segunda metade do século passado. Por mais que a quinta geração (1942-1972) tivesse lutado pelas liberdades políticas, predominou o "cale-se" ditado pelos generais da terceira e quarta gerações, conforme bem compôs o Chico Buarque nas suas inteligentíssima letras.

Pode-se afirmar que o pior momento da história recente do nosso país teria sido a época dos militares. Foi nesta época que o nosso povo sofreu um danoso impacto em sua formação cultural por causa do sistema repressivo que foi montado. Se a escola já não poderia mais ensinar o aluno a pensar, criou-se uma geração bem propícia para a manipulação feita pela mídia, com um gosto alienígena de coca-cola.

Apesar da brilhante música cantada pelo grupo Legião Urbana, os "filhos da revolução" e "burgueses sem religião" não derrubaram reis. A grande maioria foi intoxicada pelo lixo enlatado que lhes fora empurrado. E, passada a ditadura, o povo brasileiro elegeu Collor de Mello, sendo que os heróis da resistência também se corromperam e falharam quando chegaram ao poder.

Pois bem. Daqui a uma década, o Brasil estará completando seus 200 anos de independência. Será governado pela sexta geração (a minha) e estará criando uma sétima nascida a partir de 2002. Estas moças e rapazes, filhos século XXI, já não trarão mais as marcas da ditadura militar em suas mentes. Só que há algo bem preocupante nisso tudo. É que está faltando a verdadeira educação.

O que é educar? Seria somente oferecer escolas para adolescentes e crianças afim de lhes transmitir um conteúdo programático desenvolvido pelo MEC?

Tenho pra mim que educar é algo muito maior do que isto, pois requer o investimento dos pais, da sociedade e do governo na formação de uma pessoa. Algo que não está ocorrendo nem nas instituições de ensino e muito menos nas famílias. E aí lamento muito em ver esta garotada solta, alimentando-se das informações expostas na mídia e na internet, sendo aprovada nos períodos letivos sem ao menos terem realmente aprendido. Uma maquiagem só para que o Brasil melhore a sua imagem no exterior.

Creio que o nosso país precisa muito mais do que aumentar os investimentos estatais na educação. Precisamos de um trabalho sério nesta área já que, atualmente, as mulheres trabalham fora e não podem mais colaborar tanto na educação das crianças como foi nos tempos de nossas avós. Devido a isso, a ensino em horário integral (manhã e tarde) faz-se necessário assim como a ministração de aulas sobre Cidadania, Ecologia, Sexualidade, Controle de Emoções, e Ética, as quais não podem continuar dependendo da transversalidade nas disciplinas de História e de Geografia.

Só ensino em horário integral, com professores entusiasmados e bem remunerados, é que poderá contribuir para a educação dessas nossas crianças. Por isso, uma pessoa precisaria também de uma formação mais sólida para então dar aulas, o que envolveria um comprometimento maior com a profissão.

E aí? O que nós, homens e mulheres adultos, faremos?

A pena da História está hoje em nossas mãos!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A solução é liberar o jogo do bicho!

Neste mês de abril, a edição número 514 do jornal Tribuna do Advogado, publicado pela OAB do Rio de Janeiro, trouxe um debate bem interessante acerca da criminalização do jogo do bicho em sua coluna PontoContraPonto, envolvendo as opiniões do penalista Dr. Renato de Moraes e da chefe da Polícia Civil Dra. Martha Rocha.

Como eu já havia comentado num outro artigo de minha autoria, falando sobre os passeios feitos perto de casa, eis que o jogo do bicho foi inventado no final do século XIX (1892), pertinho do lugar onde moro, pelo então mineiro itabirano João Batista Viana Drummond, o Barão de Drummond. Criador do primeiro jardim zoológico do país (hoje chamado Parque Recanto do Trovador), situado no popularíssimo bairro carioca de Vila Isabel, Drummond viu-se em grandes dificuldades financeiras para manter o zoo após a proclamação da República em 1889. Ainda mais sendo ele um monarquista e admirador da princesa Isabel.

Com isso, Drummond, que também foi um dos presidentes do Jockei Club do Brasil, resolveu inventar uma inteligente bolsa de apostas em números para incentivar a frequência do público. O visitante que portasse o ingresso contendo a figura de um dos 25 animais sorteado no fim do dia, receberia um prêmio pago em dinheiro. E, desta maneira, foi criado o Jogo do Bicho que, em pouco tempo, espalhou-se pelo Brasil inteiro e passou a fazer parte de nossa cultura.

Por razões de conveniência política, baseada num falso moralismo de que a tal loteria de azar estivesse conduzindo pessoas a uma conduta viciosa de prodigalidade (como se o governo federal não fizesse o mesmo através da Caixa Econômica), o Jogo do Bicho veio a ser proibido. Quem o praticasse, ou o promovesse, estaria cometendo um ato de contravenção penal, sujeito à punição pela Justiça. Porém, o resultado da repressão estatal foi justamente a multiplicação do jogo na clandestinidade, formando verdadeiras quadrilhas que, durante muito tempo, atuaram numa relação corrupta com as autoridades policiais e com políticos.

Argumentando favoravelmente à criminalização do Jogo do Bicho (em que sua promoção deixaria de ser contravenção penal para receber uma punição mais severa), assim expôs a delegada Martha Rocha em seu artigo:

“As ações desenvolvidas pela Polícia Civil a partir de 2011 demonstram que há muito se foram os tempos românticos do Barão de Drumond. Basta citar a Operação Dedo de Deus, iniciada com a notícia de que comerciantes eram intimidados a manter máquinas caça-níquel em seus estabelecimentos. Dentre as prisões decretadas, estavam “banqueiros”, políticos e policiais. Documentos apreendidos na casa de um dos contraventores mostram que em setembro de 2011 apenas o grupo que atuava na Baixada arrecadou mais de R$ 3 milhões, acrescidos da apreensão de R$ 3,9 milhões em mansão de parentes do mesmo contraventor. Durante a operação, descobriu-se que no subsolo de um prédio no Centro do Rio ocorriam os sorteios e a manipulação dos resultados. Quando sabiam que muitos apostadores haviam jogado em um único número, os contraventores alteravam o resultado ou impediam que o número fosse sorteado para não causar prejuízo à banca.”

Por sua vez, o advogado criminalista Renato de Moraes manifestou-se contrariamente à ideia de criminalizar o jogo, falando sobre a “ilusão da fúria legiferante” e fazendo um interessante comparativo com a lei dos crimes hediondos:

“De há muito, impera a panaceia de que, com a criminalização de condutas ou o endurecimento de penas, serão solucionados os males que atormentam a sociedade, no âmbito da segurança pública (…) As recentes prisões e solturas de bicheiros e de apontadores animaram autoridades a defender a proposta, que ecoou na Comissão de Reforma do Código Penal do Senado Federal. As estatísticas, porém, mostram que a opção pelo Direito Penal não tem dirimido a celeuma da insegurança. Desde 1990, o fenômeno da obsessão punitiva, quer com a criminalização, quer com o agravamento de penas, tem prevalecido, no Brasil, às vezes, devido a reações oportunistas ou emocionadas a eventos lamentáveis. Passados, por exemplo, mais de 20 anos de vigência da Lei dos Crimes Hediondos, algo mudou? Infelizmente, nada. Os índices de criminalidade, é certo, subiram (...) A experiência já evidenciou que a profusão de leis penais, além de afrontar o corolário da intervenção mínima, tem fomentado o oferecimento/recebimento de vantagens ilícitas e as disputas sangrentas por territórios onde há hiatos negligenciados pelo Poder Público (…) Todos, minimamente compromissados com a paz social e o bem-estar coletivo, queremos dar cobro à impunidade, contudo, não será, decerto, pela ilusão da fúria legiferante, alimentada por políticos ou candidatos vindouros, sobremodo em ano eleitoral.”

Refletindo acerca dessas questões, fico pensando sobre como seria muito melhor se o Estado liberasse logo o Jogo do Bicho, bem como bingos, cassinos e máquinas de caça-niqueis, legalizando a sua prática e exploração.

Imaginemos, por exemplo, como que um cassino legalizado e pagando impostos poderia criar emprego e renda numa cidade pobre do sertão do Nordeste! Poderíamos ter, por exemplo, uma Las Vegas no interior do nosso país atraindo anualmente milhões de turistas estrangeiros, os quais iriam se hospedar em hotéis, gastar dinheiro nos restaurantes e gerando novas oportunidades de trabalho.

Da mesma maneira, o Jogo do Bicho, que já é praticado no Brasil inteiro, teria um quarto de sua arrecadação caindo nos cofres da Receita Federal e permitindo que, em tese, o governo possa investir mais em educação, saúde e outros benefícios para a população. Quem trabalhasse para uma banca desta loteria teria que ter sua carteira assinada com todos os direitos previstos pela CLT.

O problema é que uma solução dessas pode não interessar nem aos empresários do jogo ilegal e nem às autoridades do governo. Por um lado, os banqueiros ganham mais na ilegalidade e com menos concorrência até. E, de outro lado, os políticos que administram o país certamente aproveitam-se da ilicitude afim de obterem mais grana para o caixa dois de suas campanhas eleitorais através das propinas cobradas pelos agentes oficiais, mantendo a referência da Caixa Econômica Federal onde muitos deputados já ganharam diversas vezes na loteria. Aliás, para irmos mais fundo nesta análise, devemos pensar também que, se muitos jogos de azar já estivessem legalizados, também não haveria o monopólio estatal da lavagem de dinheiro porque ninguém é ingênuo de acreditar que os sorteios da CEF jamais são direcionados.

Para concluir, compartilho a ideia de que, se o Jogo do Bicho for criminalizado, não só o valor da propina será maior como a violência poderá aumentar. Aí, neste caso, mesmo quem não faz suas apostas ilegais passa a ter motivos de sobra para defender a legalização.


OBS: A ilustração acima encontra-se em vários sítios na internet, tratando-se, pois, de algo de domínio público.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Candidaturas municipais sem partido


Lendo a Constituição portuguesa de 1976, encontrei um dispositivo bem interessante que fala sobre a possibilidade de haver candidaturas formadas por simples agrupamentos de cidadãos nas eleições locais. O texto assim diz:

“As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em congregação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei.” (atual artigo 239°, item 4, da CRP)

Vale dizer que as “autarquias locais” em Portugal referem-se a três categorias de entidades públicas dentro da sua divisão administrativa interna. Seriam as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, em que estas, a grosso modo falando, corresponderiam a pequenos “estados” num país cuja área territorial é de 92.090 km² com pouco mais de 10 milhões e meio de habitantes (censo de 2011).

Refletindo sobre a referida norma constitucional dos portugueses, pensei como seria bom se, cá no Brasil, pudéssemos ter eleições municipais em que a filiação partidária não fosse mais obrigatória?!

Será que uma oportunidade dessas não tornaria a política dentro das cidades brasileiras mais acessível e menos viciada?

Diferente de Portugal, muitos municípios brasileiros são verdadeiros feudos. Principalmente nas cidades pequenas. Enquanto que na Europa parece existir mais possibilidade de participação do eleitor na condução da política local, aqui é o contrário. A começar pelo elevado percentual de assinaturas de 5% de adesão do eleitorado exigido para que pessoas interessadas possam apresentar à Câmara Municipal um projeto de lei de iniciativa popular.

Já em Portugal, a Constituição de lá prevê meios mais amplos para a população participar ativamente da política de sua cidade. Os cidadãos portugueses, além de terem o direito de formar chapas independentes de partidos nas eleições municipais, podem também requerer um referendo local para que questões de competência dos órgãos autárquicos sejam decididas pelo povo e não por seus representantes eleitos. Já nas freguesias pequenas, o seu organismo deliberativo pode ser substituído por um plenário de cidadãos eleitores (art. 245º, item 2, da CRP), mais ou menos como nos tempos da democracia direta dos antigos gregos, além de que há uma articulação bem interessante com as associações de moradores quanto à execução de tarefas administrativas (art. 248º).

Certamente que eu precisava viver por uns tempos na terra dos nossos patrícios para saber como a política local funciona de fato por lá. Porém, pensando nos meios de democratização do poder dentro dos municípios brasileiros, vejo que não seria uma má ideia tirar das mãos dos partidos o oligopólio das eleições municipais. Não que eu seja contra a existência de agremiações partidárias, pois entendo que uma democracia se faz com partidos fortes, mas é que, lamentavelmente, a nossa política está organizada de cima para baixo ao invés de ser algo feito de baixo para cima.

Só para ilustrar, vou revelar uma coisa que ocorre nos bastidores nos partidos políticos brasileiros. É que, mesmo havendo os diretórios municipais e as suas convenções, eis que, no fim das contas, manda mesmo é o intervencionismo das executivas estaduais. Quando um cacique estadual resolve que na cidade "X" não haverá candidatura própria nas eleições majoritárias e que, por razões de conveniência, o seu partido apoiará o prefeito da legenda do seu aliado, tal coligação acaba sendo empurrada por goela abaixo. Aos descontentes fica aquele recado autoritário da época dos militares: Partido da Liberdade, ame-o ou deixe-o.

Até quando a política brasileira será comandada por muitos caciques e poucos índios?!

Acho que já chegou a hora de se promover uma reforma verdadeira na política brasileira, começando pelas nossas cidades. É no município o lugar onde o cidadão realmente vive e a partidarização não deve jamais se tornar um obstáculo para que grupos de eleitores interessados possam se organizar livremente e concorrerem aos cargos de vereador e prefeito em defesa do bem estar comum da coletividade. Então, mais do que nunca, deveria surgir uma emenda constitucional prevendo que, em conformidade com as leis, isso se torne juridicamente possível. Pois só assim construiremos uma democracia de proximidade capaz de reforçar a influência da população brasileira sobre o seu cotidiano e nas atividades comunitárias.


OBS: A ilustração acima, com os símbolos dos 27 partidos registrados na Justiça Eleitoral foi extraída do site do TRE de Santa Catarina em http://www.tre-sc.gov.br/site/noticias/noticias-anteriores/lista-de-noticias-anteriores/noticia-anterior/arquivo/2011/julho/artigos/pelo-menos-20-novos-partidos-tentam-registro/index.html

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Direito de ir e vir violado

Até que ponto as privatizações não são capazes de violar os direitos mais basilares do ser humano?!

Esta foi a situação que enfrentei na tarde de hoje (19/04/2012) ao acompanhar minha esposa na rodoviária Novo Rio, quando ela embarcou no ônibus da 1001 para visitar suas amigas em Nova Friburgo.

O terminal rodoviário Novo Rio é administrado há bastante tempo pela concessionária SOCICAM TERMINAIS RODOVIÁRIOS E REPRESENTAÇÕES LTDA. Trata-se de uma empresa remunerada pelo nosso dinheiro para manter a limpeza e a conservação do local, podendo obter suas receitas alternativas através de serviços prestados por ela e de terceiros.

Até aí, nada contra. Porém, há excessos que se tornam absurdos como cobrar pelo uso dos sanitários (felizmente de uns tempos pra cá já existe um banheiro gratuito no térreo) e também quanto ao acesso dos acompanhantes dos passageiros às plataformas de embarque.

Na presente data, tive que desembolsar a importância de R$ 2,00 (dois reais) para poder ir junto com Núbia até a plataforma 38 da rodoviária. E como nós questionamos a conduta adotada pela empresa e não chegamos a um acordo com os funcionários ali presentes, chegaram até a chamar os seguranças.

Por mais que a importância de R$ 2,00 pareça ser baixa, sabemos muito bem que “de grão em grão a galinha enche o papo”. E, refletindo sobre o poder aquisitivo da média dos brasileiros, tal valor é quase o preço da passagem de ônibus urbano em muitas cidades.

Ora, e se eu não tivesse os R$ 2,00 para pagar a SOCICAM?!

Acontece que tal cobrança viola o direito constitucional de ir e vir, o qual deve ser livre, não havendo uma base jurídica capaz de justificar a errada conduta praticada pela SOCICAM. Esta gerencia um espaço que é público e de uso coletivo e, portanto, não pode privar ninguém de se locomover numa rodoviária.

Saí dali e, por volta das 13:30 horas, ainda tentei falar com o CODERTE, órgão público que fiscaliza a SOCICAM. Porém, a sala estava trancada e nenhuma alma estava no local para me atender. Nem ao menos havia uma placa informando sobre o horário do seu funcionamento, um telefone de contato do fiscal, etc.

Indignado com o fato, já estou entrando em contato com o Ministério Público e acho que toda a sociedade carioca deveria se importar pois, afinal, estão restringindo um direito fundamental do ser humano, previsto no artigo 5º, inciso XV da Carta Magna, e que está relacionado com a nossa liberdade de um modo geral.

Como ensinava o jurista pátrio Eduardo Espínola (1875-1968), em seus comentários à Constituição de 1946 (tão democrática quanto a de 1988), a liberdade de locomoção consiste no poder que todos têm de coordenar e "dirigir suas atividades e dispor de seu tempo, como bem lhes parecer, em princípio, cumprindo-lhes, entretanto, respeitar as medidas impostas pela lei, no interesse comum, e abster-se de atos lesivos aos direitos de outrem".

Já que estamos vivendo em tempos de paz, devemos ter respeitado o direito de nos locomovermos livremente pelas ruas, praças e lugares públicos, sem qualquer tipo de privação ao ato de nos locomovermos. E isto certamente inclui o nosso direito de acesso às plataformas de embarque dos terminais rodoviários na qualidade de acompanhantes dos passageiros.


OBS: A ilustração acima foi extraída da página do CREA de Minas Gerais na internet, em http://www.crea-mg.org.br/eventos/Paginas/irevir.aspx

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um evangelho bem simples

“Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los de dois a dois, dando-lhes autoridade sobre os espíritos imundos. Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, exceto um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro; que fossem calçados de sandálias e não usassem duas túnicas. E recomendou-lhes: Quando entrardes nalguma casa, permanecei aí até vos retirardes do lugar. Se nalgum lugar não vos receberem nem vos ouvirem, ao sairdes dali, sacudi o pó dos pés, em testemunho contra eles. Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliram muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo.” (Evangelho de Marcos 6.7-13; ARA)


Eu estava lendo esta passagem do segundo evangelho da Bíblia, durante o período do recesso forense (de 20/12 a 06/01), e fiquei meditando sobre a simplicidade como as boas novas foram anunciadas durante os ministérios de Jesus e de seus discípulos.

O Evangelho de Marcos destaca muito as ações praticadas pelo Filho do Homem. Logo no primeiro capítulo, quando Jesus é batizado nas águas do rio Jordão por João Batista e este é preso por Herodes, o seu aguardado ministério se inicia nas aldeias da Galileia. A mensagem pregada parecia focar num convite ao arrependimento e no anúncio da vinda do Reino de Deus (Mc 1.15), o que pode ter sido uma continuidade dos trabalhos de João, com o acompanhamento de curas milagrosas e da expulsão de influências espirituais malignas sobre as pessoas.

No decorrer das narrativas do 2º evangelho, serão estes os principais acontecimentos nas atividades de Jesus, além das controvérsias com os mestres da lei (mosaica), com os fariseus e com a própria família. Então, depois de ter feito muitos prodígios, curado um paralítico em Cafarnaum (Mc 2.1-12), acalmado a tempestade nas águas do Tiberíades (Mc 4.35-41), libertado um endemoniado em Gerasa (Mc 5.1-20), realizado o milagre duplo da mulher com fluxo de sangue e a ressurreição da filha do chefe da sinagoga (Mc 5.21-43), finalmente Jesus resolve enviar seus doze apóstolos, organizados em seis duplas, para uma missão de estagiários pelos povoados de Israel.

Nesta primeira experiência evangelística, sem a presença do Mestre, os discípulos precisaram aprender a depender somente da Divina Providência. Não poderiam carregar recursos em excesso, devendo levar tão somente um bordão, a roupa do corpo e o calçado que usavam. Nada de malas, mantimentos para o dia seguinte ou dinheiro para as despesas na viagem. A hospedagem seria na casa de quem os acolhesse.

Pensando sobre esta incrível simplicidade, concluí que o sucesso missionário reside justamente na leveza da bagagem. Quantos menos bens os discípulos administrassem, mais disponíveis estariam para se dedicarem à tarefa de evangelizar.

Trazendo este ensino para os dias atuais, fico observando o peso das instituições religiosas e de muitos ministérios que têm por aí. Os escritórios das grandes denominações evangélicas ocupam várias salas ou andares, necessitando de funcionários remunerados para gerenciarem a própria estrutura. A Igreja Católica, igualmente, também precisa administrar uma penca de imóveis neste país, investir seus recursos financeiros, cuidar da manutenção dos prédios velhos, contratar advogados para defender seus interesses, etc. Até mesmo uma congregação independente, depois que cresce, passa a acumular preocupações que já não estão mais ligadas diretamente ao propósito principal do Evangelho e aí problemas começam a surgir da própria gestão institucional.

A primeira missão dos doze apóstolos, embora pareça romântica aos olhos de muitos, alcançou o seu resultado esperado (Mc 6.12-13). A mensagem de arrependimento e de anúncio da chegada do Reino foi pregada ao povo com alcance de muitas vidas. Os milagres de cura e de alívio espiritual, ocorridos por intermédio de Jesus, também se manifestaram nas viagens empreendidas pelos discípulos.

Não quero criticar os ministérios atuais pela falta de milagres a exemplo de curas físicas e supostos acontecimentos sobrenaturais. Para mim, fenômenos deste tipo não precisam ocorrer o tempo todo na História e acredito que Deus não trabalha só com demonstrações de poder como se a abertura do Mar Vermelho e a alimentação dos israelitas com o maná tivessem que se repetir a cada geração.

Todavia, critico a inoperância e cegueira de muitas atividades ministeriais de hoje que se deixam absorver pelo gigantismo da estrutura criada. Isto porque vidas deixam de ser alcançadas pela luz do Evangelho dentro das igrejas e as equipes perdem um tempo precioso com reuniões administrativas.

Ora, será que agente não consegue desenvolver uma evangelização mais simples e que dependa mais da direção divina do que dos recursos financeiros?

Quanto nos custa dizer palavras de encorajamento a alguém ou abraçar pessoas carentes de afeto?

Tenho pra mim que, se a Igreja conseguir trilhar o seu caminho cada vez menos dependente de templos, inscrição no CNPJ do Ministério da Fazenda, papeis, serviços contábeis e valores financeiros, melhor será para a obra de Deus. E assim, os recursos arrecadados passariam a ser empregados em maior volume para a assistência dos pobres e no sustento de missionários em dificuldades no estrangeiro. Afinal, poucas são as congregações cristãs neste país que levam a sério os compromissos com ações sociais e colocando em prática a distribuição de riquezas na época da Igreja primitiva.

“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam asa suas refeições com alegria e singeleza de coração” (Atos dos Apóstolos 2.44-46; ARA)


OBS: A ilustração acima trata-se do Sinaxário dos Doze Apóstolos, datado do século XIV e que se encontra, atualmente, no Museu de Moscou. Foi extraído por este blogueiro do Wikimedia Commons, um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation, o qual pode ser utilizado por outros projetos.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Turismando perto de casa

Desde o feriado da Semana Santa, tenho feito meus últimos passeios perto de casa, sem nem ao menos precisar tomar um ônibus. Dependendo somente dos meus pés, tenho conhecido com detalhes este pedacinho do Rio de Janeiro onde estou morando há quatro meses, apesar de já ter vivido aqui duas vezes: na infância (1976-1983) e adolescência (1988-1992).

Sou um cara que gosto de ir longe, mas também aprendi a viajar para perto. Na época de colégio, um professor de Matemática ensinou-me que o infinito não é encontrado apenas na grandeza dos numerais inteiros ou naturais. Entre zero e um, por exemplo, cabem incontáveis decimais: 0,1; 0,01; 0,001, 0,0001...

Assim, se falta a um viajante dinheiro e/ou tempo para sair do Rio de Janeiro rumo a Búzios, Porto Seguro, México, Europa e Austrália, ele tem a opção de conhecer com riqueza de detalhes a sua própria cidade. Pode visitar seus bairros, praias, ruas, praças, parques, museus, monumentos, prédios históricos, feiras, cachoeiras, picos, restaurantes, igrejas, ilhas, bibliotecas, etc. E ainda tem a oportunidade de pesquisar a respeito da história local afim de estabelecer ligações entre o presente e o passado, aprendendo sobre a essência do Universo tal como o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) que, durante seus quase 80 anos de vida, praticamente não saiu da cidade onde nasceu na Prússia – Königsberg.

Diferente de Kant, o qual costumava dar seus passeios britanicamente às três e meia da tarde, não faço nada dentro da rotina. Vario bastante nas caminhadas e tenho procurado sempre um novo visual da minha cidade e, em especial, do Grajaú e de toda a região da Grande Tijuca. Para isto, tenho subido os morros do Rio de Janeiro, tanto nos parques ecológicos como nos bairros ricos e comunidades carentes. E acho que dei uma tremenda sorte em ter voltado para cá pouco depois da política de “pacificação”. Caso contrário, se ainda fosse na época do domínio territorial das facções de drogas, restariam poucos lugares para ir.

O Grajaú é um pacato bairro carioca e que dispõe de um belíssimo parque ecológico estadual de 55 hectares administrado pela Prefeitura Municipal. Suas matas integram-se com as do referenciado Parque Nacional da Tijuca. Próximo ao maior pico da localidade, com seus 444 metros, existe um vale cheio de cachoeirinhas do rio Joana e que agora estão podendo ser visitadas sem risco de balas perdidas decorrentes das guerras entre grupos criminosos rivais pelo controle dos pontos de venda de drogas.

Além do seu incrível potencial ecoturístico, o Grajaú oferece oportunidades de uma boa convivência social na principal praça do bairro. Caminhando pelas suas arborizadas ruas, pode-se deparar com lindas casas que passaram a valer milhões depois da política pacificadora. E até os apartamentos dos prédios antigos e sem elevador passaram a despertar um charme das décadas douradas de 50 e 60. Uns com pastilhas e outros com aconchegantes varandas. Isto sem esquecermos das pacatas vilas que, infelizmente, foram fechadas com portões de ferro nos tempos mais violentos.

Contudo, os meus passeios têm sido extensivos aos bairros próximos também. O Grajaú, como já dito, faz parte da Grande Tijuca. Do quarto andar onde fica meu apartamento, na Praça Edmundo Rego, avisto tanto o pico do bairro junto com as matas do Parque da Tijuca como também vejo para o outro lado uma parte do Morro dos Macacos, o Andaraí e do Sumaré com suas altas torres. E, mesmo com a explosão imobiliária de edifícios ocorrida nas últimas décadas do século XX, felizmente a minha janela não chega a ser apenas um “quadrado” de onde somente se “vê cimento armado” a exemplo da Rua Nascimento Silva 107 na famosa música Carta ao Tom de Vinicius de Moraes (1913-1980) com Toquinho.

Sendo vizinho a Vila Isabel e ao Andaraí, o Grajaú fica ao lado da Nova Divineia, uma das comunidades carentes do então denominado Complexo do Andaraí. Desde que retornei ao Rio, eu já tinha em meu coração o desejo de ir ao encontro de tais comunidades e de conhecer aquelas mais próximas do Grajaú nas quais jamais havia andado. Porém, foi durante a Semana Santa deste ano que resolvi caminhar além da rua Borda do Mato, na outra margem do rio Joana, onde conversei com pessoas da Divineia buscando informações sobre novas cachoeiras, trilhas, roteiros para trekking e mirantes naturais.

Naquele dia, primeiro subi um pontilhão bem no alto da Divineia, mas fui orientado a não entrar para dentro da mata sozinho rumo ao Morro do Encontro porque lá ainda não estaria pacificado. Retornei e acabei fazendo uma caminhada mais tranquila indo até o Andaraí onde fui sair no ponto final da linha 217 logo depois da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Na conversa que tive com uns rapazes da Divineia, pude perceber o envolvimento do grupo com interessantes projetos comunitários. Um deles contou-me que havia feito curso de guia turístico na região do Tinguá (Nova Iguaçu) e que pretendia levar pessoas para conhecer as cachoeiras daqui. Também compartilhou outras ideias tipo reabrir uma antiga trilha que já ligou o Grajaú ao Alto da Boavista hoje fechada.

Tão logo cheguei no Rio, comecei a indagar sobre a existência de algum caminho por dentro da floresta que pudesse servir de acesso ao portão principal do Parque Nacional da Tijuca prosseguindo depois até às praias da Zona Sul. Quando subi o pico do bairro em fevereiro, descobri um vale que daria caminho até o Alto da Boavista, mas que carece de uma trilha e, desde então, tenho defendido que haja um projeto ecoturístico aqui neste sentido.

Enquanto não realizo esta sonhada caminhada, vou inventando outras que são mais acessíveis no momento. Ainda no feriado, mais precisamente no Sábado de Aleluia, tomei um delicioso banho de cachoeira no rio Joana. E, no Domingo de Páscoa, fui com Núbia ao Parque Recanto do Trovador, entre Grajaú e Vila Isabel. Andando por ali, fiquei olhando para as caras e demoradas obras de revitalização empreendidas pela Prefeitura no local. Lembrei-me dos gostosos tempos de infância quando cheguei a correr livremente por aquela espaçosa área com mais de 35 hectares junto com coleguinhas de escola.

O Parque Recanto do Trovador foi o primeiro jardim zoológico do país construído na segunda metade do século XIX pelo abolicionista Barão de Drummond (1825-1897) quando criou o bairro de Vila Isabel em homenagem à filha do imperador D. Pedro II. Porém, como ele começou a amargar prejuízos financeiros com o sustento dos animais, após perder a ajuda do governo com a proclamação da República, Drummond teve a genial ideia de inventar uma loteria para arrecadar recursos financeiros. Nascia a poucos metros de minha casa o popular jogo do bicho...

Desejoso por conhecer melhor Vila Isabel, resolvi outro dia subir até o alto da Igreja de Santo Antônio de Lisboa, construída no comecinho do século XX no topo de um morro. Encontrei-a em obras de restauração e, com o consentimento dos pedreiros, fui até o alto da torre onde fica o sino da qual pude contemplar uma incrível vista da área. Pude ver tanto o Grajaú quanto a Tijuca, Vila Isabel e o Centro com a Ponte Rio-Niterói cruzando a Guanabara. E quanto à Vila Isabel, era possível reconhecer dali de cima a Praça Drummond, o Boulevard 28 de Setembro com suas calçadas musicais, o convento Nossa Senhora da Conceição da Ajuda onde ainda viviam as freiras enclausuradas, o prédio da Igreja Metodista (1920), a quadra da escola de samba que leva o nome do bairro e o shopping Iguatemi.

Mesmo após subir as escadas da Igreja de Santo Antônio, eu ainda encontrei fôlego para ir mais alto. Desejei conhecer o Morro dos Macacos que, assim como a Divineia e o Andaraí, está também pacificado. Então segui até uma unidade dos bombeiros, na Rua Oito de Dezembro, e iniciei a dura caminhada até o cruzeiro onde o BOPE certa vez havia colocado uma bandeira do Brasil.

Sinceramente, a vista do Morro dos Macacos é show de bola! Perto desse cruzeiro há um campo de futebol que fica iluminado à noite dando para avistá-lo da janela de um dos quartos do meu apartamento. Lá de cima, dá para ver não só a região da Grande Tijuca como pude reconhecer a outra parte da Zona Norte no outro lado, identificando a Igreja da Penha e o Morro do Alemão, lugares onde estive com Núbia no finalzinho de março.

http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2012/03/um-tur-pelos-bairros-da-zona-norte-do.html

Fiquei um pouco de tempo lá em cima olhando minha cidade de um ponto de vista que até tempos atrás não era possível olhar. Uma visão que, num duplo sentido, as pessoas eram incapazes de vislumbrar nas décadas anteriores a ponto do termo “morro” tornar-se sinônimo de favela no vocabulário usado pelo carioca ao invés de significar somente um relevo da geografia despido de qualquer preconceito. E, se os políticos que nos governaram tivessem tido um pouquinho mais de visão, lugares como o Morro dos Macacos já fariam parte dos roteiros turísticos do Rio de Janeiro há bastante tempo com uma estrutura básica para receber visitantes.

Meu último passeio foi neste sábado (14/04) pelas matas do Sumaré. Sai do Grajaú a pé e cheguei até à deliciosa rua Saboia Lima, tida como um símbolo dos anos dourados da Tijuca. Sem saída para carros, este logradouro é também o acesso para a represa do rio dos Trapicheiros, hoje de propriedade da CEDAE. Bem à direita do portão de entrada da represa fica a Praça Hans Klussmann com sua exótica floresta embelezada por esculturas de bichinhos de cerâmica feitos pela iniciativa de um morador local.

Sem estar consciente de que o acesso à represa estivesse proibido, passei pelo portão, peguei informações com um morador e fui andando pela trilha que segue pelo rio dos Trapicheiros. Depois segui por um caminho bem íngreme pelo lado direito até chegar a uma bifurcação onde novamente escolhi entrar à direita chegando à comunidade do Morro da Formiga.

Lá de cima pude desfrutar de mais um ângulo da vista do Rio voltado também para a região da Grande Tijuca. Foi possível contemplar o outro lado do Morro do Andaraí onde fica a comunidade do Borel e aproveitei a oportunidade para conversar com moradores do local sobre como de prosseguir por meio de trilhas até o Alto da Boavista. Entretanto, algumas pessoas dali desaconselharam-me a continuar o passeio, contando-me que o comando da UPP teria fechando o acesso para o Alto da Boavista por dentro da mata e que também já não era mais possível chegar às cachoeiras que existem neste sentido.

Passando do meio dia e com o sol forte, desci o Morro da Formiga através das escadarias que dão na rua da Cascata onde, coincidentemente, mora o namorado de minha irmã Marina. E, retornando a pé para o Grajaú, concluí este meu último passeio exausto deixando para conhecer a cachoeira no rio dos Trapicheiros, entre a Formiga e o Salgueiro, numa próxima ocasião Assim, passei o domingo descansando, saindo de casa só para assistir o culto numa igreja evangélica do bairro, pegar o finalzinho da feira orgânica que teve na pracinha daqui e fazer compras no mercado.


OBS: A primeira ilustração, a representação cartográfica da Grande Tijuca, tem sua autoria atribuída a Paulo Dornelles e foi extraída da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:GRANDETIJUCA.jpg.
A autoria da segunda, extraída também da Wiki, é atribuída ao usuário Abrivio e se encontra em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Grajau4.jpg
Já as outras três imagens foram extraídas do site UPP Repórter em http://upprj.com/wp/, sendo que a autoria das ilustrações são atribuídas, respectivamente, a Moskow (Blog da Pacificação), Priscila Marotti e Analder Lopes. A policial militar desta última foto trata-se da capitã Alessandra Carvalhaes.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A compulsão de cada um

Geralmente os homens que se tornaram ícones da composição da história da humanidade foram sujeitos compulsivos.

Tenho pra mim que muitos políticos poderosos, empresários que ficaram bilhonários e líderes religiosos de grandes instituições, bem como famosos artistas, padecem dessa terrível doença. Algo que pode muito bem estar ligado a alguma fobia, desejos narcísicos ou de afirmação pessoal.

O livro de Eclesiastes suscita uma interessante reflexão ao relacionar as realizações dos homens com a competição que surge entre eles, considerando como futilidade insistir em tal postura:

“Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento.” (Ec 4.4; ARA)

De fato, conquistar algo inspirado pelo desejo de superar o seu semelhante trata-se de uma motivação baixa e que contraria o princípio de satisfação das necessidades reais. Ambicionar um carro de luxo para ter um falso símbolo de status social na vizinhança é uma mediocridade tola. Contudo, é através de alvos assim que muita gente procura preencher-se emocionalmente, caindo nas armadilhas do mercado de consumo.

Até aí podemos dizer que a compulsão consumista seria um dos menores males cujo resultado acaba sendo, em via de regra, a adaptação do indivíduo ao sistema em que vive, ocasionando um infeliz endividamento. Só que o problema das compulsões torna-se mais ainda preocupante quando o sujeito vira um sociopata megalomaníaco e começa a influenciar a vida política da coletividade com um comportamento doentio. Então o seu descontrole passa a por em rico o bem estar de uma cidade e até mesmo da nação.

Personalidades históricas como Nabucodonosor, Júlio César, Gengis Khan, Napoleão ou Hitler foram exemplos destrutivos do que a compulsão descontrolada é capaz de causar. Todos eles ambicionavam conquistas militares e provocaram a morte de milhões de pessoas. Insaciáveis, queriam cada vez mais e mais até se depararem com a dura realidade da vida e serem derrotados pela própria egolatria.

Felizmente nem todos chegam ao ponto extremo desses caras. Ainda bem! Porém, há pessoas que estão destruindo a si mesmas e aos que convivem com elas porque simplesmente recusam-se a se tratar.

Um pai de família viciado em corridas de cavalo, um fanático religioso com loucas ambições de santidade (ou de proselitismo), um chefe perfeccionista e uma mulher maníaca por estética que fica até altas horas na madrugada de domingo pra segunda assistindo o Doutor Hollywood na Rede TV, mesmo tendo que levantar bem cedo no dia seguinte para trabalhar, seriam alguns exemplos de gente que carece de paz no seu interior. Suas buscas infrutíferas demonstram que tais pessoas ainda não conheceram a felicidade e a projetam em coisas ilusórias. Construir este ou aquele castelo de areia nunca será o suficiente para suprir o vazio que há nelas.

O Evangelho de João, em seu capítulo 4, fala de uma mulher samaritana que se encontrou com Jesus num poço. Ela havia ido para lá debaixo do forte calor do meio dia e ficou por alguns instantes conversando com o Senhor. Este, percebendo a sua necessidade de busca interior e o quanto ela era infeliz nos instáveis relacionamentos com os homens, ofereceu-lhe metaforicamente uma “água” para saciar a sua “sede” para todo o sempre.

“Quem beber desta água [do poço] tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna.” (Jo 4.13-14; ARA)

Em outras palavras, Jesus estaria dizendo para a mulher samaritana (e também para todos nós) sobre alguém descobrir em seu próprio interior a fonte de vida, a qual sacia toda a sede de preenchimento. Sede esta que a humanidade tenta resolver com coisas erradas de modo que nenhuma conquista alcançada jamais será suficiente.

Verdade seja dita que dinheiro, poder, fama, carros, popularidade, prestígio, status, ter várias mulheres, frequência em festas, títulos, vitórias em jogos, uma coleção de fotografias, viagens, sensações emocionais produzidas pelas drogas, filhos, uma biblioteca particular ou uma multidão de artigos editados jamais poderão atender ao desejo real de nos unirmos com Aquele que enche todas as coisas. Pois é na sinceridade interior que nos conectamos com o Pai num culto de adoração genuína praticando uma conduta inversa a de Adão quando este escondeu-se da Divina Presença estando ainda no Paraíso (Gn 3.8).

Acredito que o verdadeiro segredo está em nos aproximarmos reverente e corajosamente de Deus, sem reservas. Precisamos desnudar o coração diante do Onisciente confessando ao Misericordioso todas as nossas motivações, inquietações, dúvidas, temores e sentimentos. E mais do que ninguém, o Pai Celestial quer que encontremos a Vida em nós mesmos fazendo do nosso relacionamento com Ele uma fonte vital para sempre.


OBS: A primeira ilustração acima trata-se de um retrato a óleo de Napoleão Bonaparte como o primeiro cônsul francês. Foi pintado por Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867). Encontra-se atualmente no Museu de Arte Moderna de Liège, Bélgica. Quanto à segunda ilustração, cuida-se de uma obra do italiano Giacomo Franceschini (1672-1745), mostrando Jesus e a mulher samaritana no Poço de Jacó.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Blogueiro completando seus 36 anos...



“Pois todos os nossos fios se passam na tua ira;
acabam-se os nossos cabelos como um breve pensamento”
(paródia do verso 9 do Salmo 90)

Recordo-me que, na igreja batista onde me congreguei nos anos de minha adolescência, no bairro São Francisco Xavier, aqui no Rio de Janeiro, vi alguns homens com seus 35 anos participando ainda do grupo jovem. Claro que, neste contexto, enquadravam-se mais os caras solteiros porque as pessoas casadas, nesta faixa etária, certamente iriam identificar-se com algum outro ministério.

Um homem depois dos 35 anos pode ser considerado quase um jogador sênior. No futebol, atletas nesta faixa de idade já estão se despedindo das chuteiras. Uns prosseguem por mais alguns anos e uma minoria ainda consegue durar nos gramados até os 40, conforme fazem algumas personalidades mais famosas na busca de marcarem o milésimo gol. Isto sem falarmos nos goleiros que, em via de regra, costumam se “aposentar” mais tarde do que o restante da equipe.

Nas outras profissões, contudo, não é assim. E, se dependesse dos nossos (des)governantes, trabalharíamos até os 70 anos ou mais. Porém, de qualquer modo, o encerramento de carreira dos conhecidos jogadores de futebol no final dos trinta é capaz de mexer com a cabeça de muitos homens.

Embora sexualmente potente e com mais experiência nos relacionamentos, o jovem trintão quase com 40 já não se sente tão atleta. Uns já estão carecas e barrigudos. Outros vaidosos demais. E ainda tem aqueles que começam a ficar encucados com uma velhice que nem chegou.

Completando nesta quinta-feira (12/04/2012) meus 36 anos, tenho percebido um pouquinho do avançar da idade numa lenta velocidade de 20 km/h. Nas curtas férias que tive no município de Mangaratiba, entre o final de dezembro e o começo de janeiro, senti pela primeira vez o sol forte do litoral fluminense queimando minha futura careca na região frontal da cabeça, quando caminhei pela linha do trem de até a localidade itaguaiense de Coroa Grande. Pois tendo feito um “corte raso” na cabeleira dias antes do Natal, pude constatar o estrago da natureza genética herdada provavelmente da família de minha mãe. Isto porque papai e vovó tinham bastante cabelo.

Eu que sempre fora um Tony Ramos, jamais passou pela minha mente há uns 13 anos atrás que viria a me tornar um homem calvo no futuro. E pra minha surpresa, um bebum chamou-me de “pouca telha” nos dias próximos ao Carnaval quando fui com Núbia levar minha avó ao médico. Todavia, eu já não me incomodo tanto com o inevitável processo de “desertificação florestal” pois dizem que uma das razões da calvície pode ser resultado de uma boa dosagem de testosterona no sangue, indicando talvez que a minha libido continuará em alta pelos próximos anos.

Se for assim, que sexo não me falte no decorrer de todo este século! Pois pior do que “a pipa do vovô” não subir mais é o velhinho ainda continuar na vontade e não ter com quem fazer.

Bem, não sou médico e entendo mais de gozação do que de saúde. Porém, no que depender de mim (espero que Núbia jamais perturbe minha paciência), não pretendo sofrer nem por um instante fazendo alguma cirurgia de implante de cabelo. Menos ainda ousaria tomar finasteride (propecia) arriscando ficar impotente. Afinal, como diz a letra daquela marchinha carnavalesca, “é dos carecas que elas gostam mais”.


Nós, nós os carecas
Com as mulheres somos maiorais
Pois na hora do aperto
É dos carecas que elas gostam mais

Não precisa ter vergonha
Pode tirar seu chapéu
Pra que cabelo? Pra que seu Queiroz?
Agora a coisa está pra nós, nós nós...



E viva o time dos carecas!


OBS: Eu com meu princípio de calvície estou no lado esquerdo da foto acima. Esta é a imagem mais recente sobre mim e foi tirada nos dias da comemoração do 54 anos de minha mãe, a qual faz aniversário neste mesmo mês, em 04/04. As outras pessoas são minha irmã Marina, seu namorado Mauro e o meu irmão Thiago (bem mais careca).

terça-feira, 10 de abril de 2012

O amor que triunfa sobre a apostasia

“(...) e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.” (1Coríntios 13.3; ARA)


Em sua obra mais aclamada, O Silêncio (1966), o romancista cristão japonês Shusaku Endo (1923-1996) trouxe novas luzes acerca da polêmica questão do martírio religioso ao refletir sobre o drama de dois apóstatas jesuítas do século XVII.

Após a bem sucedida evangelização empreendida pelos padres portugueses no Japão, durante o século XVI, eis que o país mergulhou numa triste fase de perseguição religiosa promovida pelo Shogunato Yokugawa. Este não só expulsou os jesuítas como obrigou cristãos japoneses a renunciarem a fé retornando ao budismo. Aqueles que se recusavam eram torturados e cruelmente assassinados. Já os que optassem pela apostasia recebiam a liberdade e para tanto muitos deles precisavam provar não serem mais cristãos pisando num fumi-e (uma imagem em bronze de Maria ou de Jesus enquadrada numa pequena moldura).

Ambientado neste período histórico é que se desenvolve o romance de Endo contando o drama de um sacerdote português chamado Sebastião Rodrigues. Ex-aluno do padre Ferreira no seminário católico, Rodrigues recebeu a triste notícia de que seu mestre havia apostatado e decide partir ao encontrou do missionário nas terras do sol nascente no fim da década de 1630.

Preso pelos shoguns, a princípio Rodrigues não negou confessionalmente a sua fé mesmo estando sob tortura. Porém, ele acabou sendo colocado diante de um insuportável problema ético. Debaixo de seus olhos, grupos de cristãos passaram a ser torturados e mortos. Caso ele concordasse em pisar no fumi-e de Jesus, as pessoas seriam libertadas. Do contrário, mais gente iria perder a vida por causa da recusa intransigente daquele missionário.

Situação complicada, não?

Como um missionário que tinha vindo ao encontro de um país com o objetivo de dar a sua vida por outros homens estava se tornando o motivo de tantas mortes?!

Por mais um tempo, Rodrigues ainda manteve-se firme em seu propósito de não renunciar a fé, seguindo a intrepidez dos antigos mártires da época romana. Contudo, num determinado momento, ele começa a refletir e permite que o amor possa ir além dos limites daquilo que a Igreja consideraria como apostasia. Então, numa noite, ao meditar sobre os gemidos de dor dos seus irmãos, o corajoso missionário português vislumbra a possibilidade de, finalmente, negar formalmente Jesus.

No encontro que tem com o padre Ferreira, seu mestre e mentor, este implora para que Rodrigues pisasse no quadro conforme havia feito antes, justificando ser aquilo apenas “um ato exterior, sem realmente ter significado”. Um ato, porém, que salvaria muitas vidas. E, assim, o aluno acabou seguindo as orientações de seu mestre por amor aos irmãos japoneses que estavam sendo brutalmente perseguidos:


“O padre levanta o pé. Sente uma dor profunda. Aquilo não era apenas uma formalidade. Ele está prestes a pisar naquilo que considerava a coisa mais linda de sua vida, no que acreditava ser puro, que estava cheio dos ideais e sonhos dos homens. Como seu pé dói! Então, o Cristo em bronze fala ao padre: 'Pise! Pise! Eu, mais do que ninguém, conheço a dor em seu pé. Pise! Foi para ser pisado pelos homens que vim ao mundo. Foi para compartilhar a dor dos homens que carreguei minha cruz'. O padre colocou o pé sobre o fumie. O dia amanheceu. E lá, bem longe, o galo cantou.”
(trecho de O Silêncio citado por Philip Yancey no livro Alma Sobrevivente: Sou Cristão Apesar da Igreja)


Na sua opinião, agiu corretamente aquele missionário jesuíta? O que você faria se estivesse no lugar do padre Sebastião Rodrigues? Também pisaria no fumi-e?

Até que ponto a idealização do sacrifício humano em defesa da fé não pode se tornar um fanatismo? Será que a concepção acerca do “martírio glorioso” não pode ser compreendida de uma maneira mais abrangente e essencial capaz até mesmo de incluir a aparente negação da fé?


OBS: A ilustração acima trata-se da foto de um fumi-e extraída do site da Wikipédia cuja autoria é atribuída ao usuário "Chris 73", podendo ser encontrada em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jesus_on_cross_to_step_on.jpg

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Tenham todos uma feliz Páscoa!


Eu comemoro a Páscoa!

Faço isto não porque nasci numa família católica ou por ter recebido uma sólida formação teológica no meio batista. Mas continuo celebrando a Páscoa porque vejo significado em manter esta importantíssima tradição judaico-cristã em meus costumes.

Não necessito ir a uma igreja ou a uma congregação para festejar a Páscoa. Posso fazer isto na companhia de meus familiares e me lembrando do que representa a ressurreição de Jesus bem como a libertação do povo hebreu da escravidão egípcia. Tão pouco preciso estar comendo ovos de chocolate, sendo que de modo algum sou contra quem se alimente de doces nesta época do ano. Muito menos me incomodam as maneiras tradicionalistas de pessoas ou grupos ortodoxos reunirem-se na Páscoa.

Lembrando-me de Moisés, a Páscoa é para mim uma declaração de liberdade. É o convite de Deus para não mais permanecer condicionado às escravizantes compulsões que alimentamos dentro de nós. As coisas erradas que praticamos e tanto nos impedem de escrever uma linda história de vida.

Recordando-me de Jesus, Páscoa representa novidade de vida. Também me diz que a nossa existência em Deus é eterna, multidimensional e acima das limitações físicas. Significa que, tal como Cristo, nós também não acabamos e recebemos o seu tranquilizador recado:

"Paz seja convosco!"

Assim, a Páscoa torna-se um especial momento de renovação das esperanças, uma oportunidade de encararmos os desafios com uma nova perspectiva. Refletindo sobre a ressurreição, podemos finalizar longos dias de luto, sairmos da caverna das emoções tristes e darmos a volta por cima. E, com fé, rompemos com aquelas dificuldades que tanto aprisionam a alma.

Que neste mês de abril, a Luz da Páscoa possa iluminar seu coração, trazendo ânimo novo e clareza para seus olhos. E, deste modo, reitero meus votos de feliz Páscoa, desejando que você a celebre com as pessoas próximas a si mas, primeiramente, em seu coração na busca de compreender melhor a profundidade do mistério pascal.


OBS: A ilustração acima trata-se de uma obra do pintor francês Noël Coypel (1628-1707) retratanto a ressurreição de Jesus.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um passeio ecológico e cultural pelo Morro da Urca

Quem foi que disse que segunda-feira não é dia propício para dar um passeio?!

Pois foi o que fiz na tarde de ontem (02/04), quando resolvi realizar uma bela caminhada pelas matas do Morro da Urca e do Pão de Açúcar, aproveitando-me de uma ótima oportunidade que a profissão liberal oferece – o direito de organizar a própria agenda. Se não posso gozar de férias de trinta dias, semelhante aos empregados da iniciativa privada e os funcionários públicos, por outro lado tenho a possibilidade de me dar ao luxo de escolher um dia na semana sem audiências no Fórum ou atividades necessárias para não marcar nenhum compromisso e aproveitar o dia.

Tendo almoçado com a esposa no boteco que tem perto de casa (ao lado da porta de entrada do meu edifício), saí daqui do Grajaú antes das 13 horas e fui sozinho de metrô para Botafogo afim de evitar o congestionado trânsito de veículos na rua. Desembarquei do coletivo e, como não estava com paciência de procurar onde fica o ponto do ônibus de integração da Urca com o Metrô, fui andando a pé.

A caminhada de Botafogo até à Praia Vermelha não é lá tão agradável por causa das movimentadas ruas. Fazer este trajeto a pé vale mais pelos prédios históricos da UFRJ situados no local antes de chegar até o local de embarque do teleférico que sobe para o Morro da Urca. Neste percurso urbano, é possível ver também o Instituto Benjamin Constant, situado em outro prédio antigo, além do Instituto Militar de Engenharia (IME) e a UNIRIO.

No entanto, eu estava mesmo era afim de curtir a tarde junto à natureza mergulhando naquelas matas que embelezam o Morro da Urca e o Pão de Açúcar. E, tão logo meus pés alcançaram a Praia Vermelha, refresquei-me bebendo uma gelada água de coco e, em seguida, fui seguindo em direção à Pista Cláusio Coutinho também chamada de “Caminho do Bem-te-vi” ou “estrada do Costão”. Na ocasião, um extenso grupo de aprendizes de guia turístico estavam também indo para lá.

O Caminho do Bem-te-vi é uma leve e bela caminhada que pessoas de todas as idades podem fazer na Praia Vermelha. Seu nome é uma homenagem ao ex-treinador da Seleção Brasileira de Futebol Cláudio Coutinho, formado pela Escola de Educação Física do Exército. Sua extensão é de 1,25 quilômetros. E, na marca dos 350 metros, fica o começo da trilha de acesso ao Morro da Urca. Aí, os que têm mais disposição para encarar subidas íngremes e gostam de natureza não podem deixar de fazer este roteiro alternativo.

Desde a tenra infância que eu já passeava no Pão de Açúcar. Só que, naquela época, sempre que ia lá na companhia de meus pais, utilizávamos o teleférico que é chamado também de “bondinho” pelos cariocas. Isto por causa da semelhança entre os primeiros veículos sustentados pelos cabos com os saudosos bondes urbanos. Em 1999, quando comecei a namorar minha mulher, refiz aquela viagem com ela, dando-lhe aquele inesquecível presente já que Núbia jamais havia subido neste famoso ponto turístico do Rio de Janeiro. Só que, desta vez, em 02 de abril de 2012, eu pude realizar o meu passeio a pé.

Ao concluir o íngreme trecho de subida, cheguei a uma bifurcação e dei de cara com a Baía da Guanabara. Após apreciar aquela vista surpreendente, resolvi tomar o caminho da direita indo em direção ao Pão de Açúcar com seus 396 metros de altura. Continuei e atrás de mim veio um casal de turistas estrangeiros que se enganaram pensando que eu, com toda a minha determinação, estivesse indo em direção do Morro da Urca. Tão logo eles me alcançaram, expliquei-lhes que estavam no rumo errado e esclareci que eu continuaria procurando por uma trilha que pudesse me levar ao topo daquele belo monólito. Curiosamente a moça sabia falar muito bem o português.

Minutos após despedir-me do gentil casal, eu já estava chegando à base da pedra do Pão de Açúcar. Dali apreciei as vistas dos dois lado: da Praia Vermelha e da Baía de Guanabara, incluindo Urca e Botafogo. Procurei incansavelmente por alguma trilha que prosseguisse até o topo, mas nada encontrei. Então, como não sou nenhum escalador de montanhas (e nem estava preparado com equipamentos especiais), tive que retornar pela mesma trilha, mas sempre atento para ver se acharia algum caminho.

Quase de volta ao ponto da bifurcação, encontrei uma picada na floresta que eu pensei que me levaria ao Pão de Açúcar. Segui por ela e comecei a descer o morro pelo lado da Baía de Guanabara. Continuei e não demorou muito para que eu ouvisse barulho de obra bem como de crianças.

Tendo passeado em outras oportunidades pela Urca e a praia do Forte São João, dava para perceber que eu estava caminhando em direção da unidade de direção de pesquisa do Exército onde está localizada a Escola Superior de Guerra (ESG). Provavelmente ali seria mais uma área de treinamento militar e eu fui sair nos quintais de um estabelecimento municipal de ensino que talvez sirva aos filhos dos oficiais e/ou das crianças moradoras da Urca. Trata-se da Escola Municipal Estácio de Sá, nome dado em homenagem ao primeiro governador da capitania do Rio de Janeiro.

Em falar no Estácio de Sá, eis que nem todo mundo sabe que a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se deu na região da Fortaleza de São João e não no extinto Morro do Castelo. Isto ocorreu no dia 1° de março de 1565, no contexto histórico da expulsão dos franceses, e ficou relatado pelo jesuíta José de Anchieta. Juntamente com a Fortaleza de Santa Cruz da Barra, em Niterói, o forte que veio a ser construído ali pelos portugueses serviu de base estratégica para defender a Cidade Maravilhosa de invasões estrangeiras durante os séculos seguintes.

Como errei o caminho para subir no Pão de Açúcar, aproveitei o momento para desfrutar daquele cenário da área militar do Forte São João. A praia ali é pequena e linda! Quase não vi pessoas, exceto uma mulher e um senhor idoso pescando. Do outro lado da Baía de Guanabara, dava pra reconhecer parte de Niterói com seus bairros costeiros como Icaraí, São Francisco, Charitas e Jurujuba. Sentindo sede, fui até uma cantina que serve aos soldados e bebi um mate tomando em seguida um picolé de chocolate.

Dali eu só teria duas alternativas. Ou sairia da área militar pela porta de entrada e encerrar meu passeio, ou então retornar pela trilha na qual desci e terminar a caminhada no Morro da Urca com seus 220 metros de altura. Ainda cheio de disposição, encarei novamente aquele caminho íngreme e, em menos de meia hora, eu já estava de volta ao ponto da bifurcação.

Quanto mais eu me aproximava do Morro da Urca, mais bonita ficava a paisagem e movimentado de pessoas o trajeto. Se na picada que leva até à área militar não encontrei ninguém, o percurso da Praia Vermelha ao nível intermediário do teleférico estava cheio de visitantes subindo e descendo. Mesmo numa segunda-feira de baixa temporada turística.

Foi ali, no alto do Morro da Urca, onde passei as últimas horas do meu passeio apreciando aquela vista deslumbrante da cidade. A área é extensa e oferece opções de alimentação, compras, entretenimento, informação cultural e até mesmo espaço para shows. Permaneci no local desde o fim da tarde até à noite, pelo que vi o Rio todo iluminado.

Durante este tempo, conversei com algumas pessoas lá e conheci um colega de profissão, o doutor Edgar, que estava ali fazendo um curso de guia turístico. Juntos tentamos conversar em inglês com duas professoras norueguesas e também observei uma conversa em castelhano entre o seu Edgar e um grupo de visitantes. Tendo chegado até lá com meus próprios pés, pude apreciar gratuitamente um show da cantora Ithamara Koorax. Do contrário, teria que pagar R$ 53,00 (cinquenta e três reais) que é o valor do ingresso do bondinho. E não me arrependo de ter esperado aquelas horas e assisti-la interpretando músicas do Villa Lobos.

Às oito e vinte da noite, voltei descendo no teleférico sem que também precisasse pagar. Isto porque eu tinha vindo pela trilha e aí para os amantes da aventura, após às 19 horas, o bondinho sai de graça. O motivo talvez seja porque, neste horário, o portão de acesso à estação já se encontra fechado não sendo mais possível retornar a pé para a Praia Vermelha. Ainda mais no escuro!

Ao chegar em casa, minutos antes das dez, levei uma bronca da esposa. Núbia já estava bem preocupada com minha demora e, como o meu celular ficou em casa, ela ficou mais nervosa ainda. Porém, valeu a pena! Tem dias que agente precisa sair da rotina, inventar coisas novas para fazer e se divertir. Do contrário, a nossa vida fica muito chata.


OBS: As fotos foram tiradas nos meus passeios anteriores (com Núbia em 1999 e na época de infância entre o fim dos anos 70 e o começo da década de 80). Já a ilustração, eu a retirei da Wikipédia, a qual refere-se à fundação da cidade do Rio de Janeiro e tem sua autoria atribuíada ao colaborador identificado por Junius, sendo permitida a sua divulgação: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Funda%C3%A7%C3%A3o_do_Rio_de_Janeiro.JPG