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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Deus também pode “sair da máquina”!?

Na Antiguidade clássica, havia uma interessante técnica no teatro grego em que um personagem era inserido de repente na peça apresentada através de uma máquina (um guindaste). Geralmente o ator baixado no palco estava representando algum deus e a sua participação, por vezes, tinha como finalidade dar solução à trama encenada (geralmente este recurso era muito utilizado na tragédia de Euripedes).

A partir daí originou-se a conhecida expressão latina originada do grego Deus ex machina (apò mēchanḗs theós) que o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) utilizou enquanto escrevia na prisão nazista. Em suas correspondências, Bonhoeffer comentou sobre a noção popular que os cristãos cultivavam sobre Deus, o qual é buscado em muitas ocasiões pelas pessoas nos seus momentos de maior dificuldade para resolver os problemas imediatos que aparecem.

Percebendo as expectativas das massas, surgiram então várias igrejas neo-pentecostais durante a segunda metade do século XX pregando aquilo que atualmente tornou-se muito comum no cenário religioso brasileiro – o “evangelho da prosperidade”. Homens se intitulando pastores começaram a prometer curas milagrosas, soluções financeiras para as dívidas, sessões de exorcismo, momentos de êxtase, felicidade na vida amorosa e a aquisição de riquezas, o que acabou se tornando um grande negócio passando a incluir elaboradas técnicas de marketing, casos de charlatanismo, delírios emocionais e as mais absurdas deturpações dos textos bíblicos.

Organizações como a Igreja Universal do Reino de Deus usaram de técnicas ainda mais rampeiras. Não só abusaram nos pedidos de ofertas, como um inconsciente instrumento de barganha, mas também chegaram a apelar para novos tipos de amuletos como rosas ungidas, óleo supostamente trazido de Israel, réplicas miniaturas da Arca da Aliança, sal consagrado, pasta de figo (lembrando a cura do rei Ezequias) e até o uso de arruda para atrair os macumbeiros aos “cultos de libertação”. E para substituir a “água benta” dos católicos, os “pastores” da IURD costumam frequentemente consagrar copos com água enquanto estão orando através de um programa de rádio ou na TV.

Apesar de toda a manipulação induzida pelos líderes evangélicos enganadores, não descarto a ocorrência de alguns milagres nas reuniões dessas “igrejas”. É claro que nem todo “testemunho” relatado seria real, visto que muitos frequentadores da IURD podem estar cometendo um auto-engano psíquico ao pensar ter sido curado. E não descarto a hipótese de que existam também casos que são pura armação dos tais “pastores”, “bispos”, “missionários” ou apóstolos”.

Todavia, uma questão deve ser considerada. Por que motivos Deus não agiria na vida de pessoas que O buscam com fé e na sinceridade do coração? Acaso todos os frequentadores da IURD, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja da Graça e outras coisas afins teriam culpa da falta de escrúpulo dos seus líderes?

Desde o começo dos tempos, o homem procurou Deus justamente para resolver as suas situações cotidianas, as quais, na época, estavam relacionadas a coisas tipo o sucesso das colheitas, os conflitos bélicos, a fertilidade de suas esposas e dos rebanhos de animais, o livramento de doenças, a proteção durante viagens marítimas, a aspiração ao poder político e o sentimento de prazer resultante dos divertimentos. Neste quadro ainda primitivo, exaltava-se a astúcia humana que podia valer-se até da mentira para ludibriar o adversário como teria feito o personagem bíblico Jacó ao interceptar a bênção de seu irmão Esaú quando tentou se passar por este perante o pai Isaque (Gênesis 27). Aliás, o voto tomado pelo patriarca em Betel demonstra muito bem como era a noção dos israelitas sobre a divindade há uns três mil anos atrás:


“Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo.” (Gn 28.20-22; ARA)


Igualmente pode-se confirmar a manifestação protetora de Deus no chamado de Abraão (Gn 12.1-3) como também em inúmeras outras passagens bíblicas também de Gênesis: 14.19-20; 15.18-20; 26.24. Em todas elas, Deus é apresentado como um garantidor da felicidade dos seus servos, manifestando-se poderosamente em favor dos patriarcas e castigando os seus adversários. Dificuldades surgem, mas todas são a seu tempo superadas como prova da assistência divina.

Contudo, aquilo que aos nossos olhos parece ser uma deficiência moral do homem primitivo é compreendido por Deus como sendo a mais pura manifestação da inocência de corações que buscaram amparo no Ser Supremo que comanda o universo ao invés se voltar para os inúmeros ídolos mudos. Invocar o Deus invisível era um passo de fé diante de tantas imagens esculturais cujo contato por meio dos sentidos da visão e do tato proporcionavam o engano psíquico de proteção por parte do adorador dos deuses.

Acontece que, do segundo milênio antes de Cristo até os dias de hoje, o homem não mudou tanto. Para muitos Deus só é buscado mesmo quando os problemas apertam e crises precisam ser superadas. Através da situação angustiosa gerada pelo sofrimento, o homem começa a clamar pelo auxílio de Deus e o Eterno pela sua misericórdia não se nega a ajudar conforme o seu misterioso propósito.

Surpreendentemente, Deus age da maneira como quer e no momento que lhe convém, o que constitui mesmo um mistério ainda incompreendido pela mente humana. Embora para mim o anseio de Deus deva ser o restabelecimento de um relacionamento profundo com a humanidade, a sua maneira de agir muitas das vezes faz lembrar um pedagogo. Um professor que penetra no mundo infantil de seus alunos para lhes introduzir nos primeiros passos da ciência.

Enquanto os lobos em peles de pastores usam de seus ardis para enganar as massas, Deus vai trabalhando do seu modo nos corações, mesmo dos frequentadores dessas “igrejas”. Os discursos dos teólogos da prosperidade parece não evoluir, mas a dialética da vida vai mostrando novas dimensões da realidade no decorrer do tempo. Então chega o momento em que as soluções imediatas deixam de se repetir e vem a hora do crente subir um novo degrau no relacionamento com Deus.

É nessas situações que o Jacó existente em cada crente prepara-se para o inevitável re-encontro com o seu irmão Esaú e se vê solitário da companhia de outras pessoas no vau de Jaboque lutando contra Deus e seus próprios sentimentos (Gn 32.23.33). No vau de Jaboque, o Deus protetor do peregrino chama-o para um corpo a corpo onde permitirá ser vencido mas também ferirá a articulação de sua coxa, marcando o seu relacionamento com o homem. Então, depois disto, Jacó já não é mais o mesmo e seu nome (seu caráter) se torna Israel.

Assim também somos nós depois que passamos por um confronto de maturidade espiritual. É quando o relacionamento com Deus deixa de ser baseado apenas na busca de respostas imediatas para se tornar algo mais facial e relacionado ao aprimoramento do nosso caráter. Somos cativados a deixar de lado a noção de um Deus ex machina para O conhecermos verdadeiramente. Então os ídolos precisam ser lançados para fora dos nossos corações afim de que nos tornemos uma Betel (casa de Deus), visto que fomos escolhidos para sermos a habitação santa do Eterno.

2 comentários:

  1. Rodrigo, penso o mesmo que vc em relação ao todo do texto e especificamente as frases:

    "Apesar de toda a manipulação induzida pelos líderes evangélicos enganadores, não descarto a ocorrência de alguns milagres nas reuniões dessas “igrejas”. É claro que nem todo “testemunho” relatado seria real, visto que muitos frequentadores da IURD podem estar cometendo um auto-engano psíquico ao pensar ter sido curado. E não descarto a hipótese de que existam também casos que são pura armação dos tais “pastores”, “bispos”, “missionários” ou apóstolos”.

    "Todavia, uma questão deve ser considerada. Por que motivos Deus não agiria na vida de pessoas que O buscam com fé e na sinceridade do coração? Acaso todos os frequentadores da IURD, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja da Graça e outras coisas afins teriam culpa da falta de escrúpulo dos seus líderes?"

    Minha irmã é casada com um pastor titular da Universal em Sampa, e apesar de muitas controvérsias e desafetos com as práticas universais e de seus pares, reconheço no menino (meu cunhado de 24 anos) um homem de Deus que ainda não ganhou consciência própria, mas que enganadamente faz tudo o que faz na simplicidade e imaturidade de quem se sente piscológicamente aterrorizado pelo simples fato de se imaginar indo contra o "homem de Deus", o "PEDIR MAIS CEDO".

    Gosto muito do meu cunhado apesar de não concordar quase em nada com as metodologias aplicadas pela IURD (Igeja Usurpadora Recolhedora de Dízimos).

    Um dia espero que ele cresça na consciência do Evangelho e comece a pensar por si próprio, pois por enquanto ele é um produto do meio em que vive, e faz suas atividades espirituais como consequência da gratidão do primeiro amor, haja vista a pouca idade com que foi consagrado a pastor (18 anos).

    Um ABRAÇÃO meu mano,

    Franklin

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  2. Gostei do que colocou, Franklin!

    Às vezes julgamos de maneira errada os pastores que trabalham para esses executivos da fé como o Sr. "PEDIR MAIS CEDO". Mas muitos deles são como o apóstolo Paulo nos tempos em que perseguia a Igreja achando que estavam fazendo algo pra Deus.

    É muito difícil ir contra a política da instituição religiosa onde nos encontramos. Tememos perder nosso conforto, nosso ganha pão e a consideração que os outros têm por nós. E, desta maneira, consigo me colocar no lugar de muitso pastores. Não só os iurdianos mas também de outras denominações tradicionais, bem como os padres católicos.

    Contudo, estas pessoas podem muito bem vir a nos surpreender e tomarem a consciência do Evangelho independentemente até de nós.

    Grande abraço!

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