Páginas

quinta-feira, 17 de março de 2011

Jejum pela vida


“Então, disse Ester que respondessem a Mordecai: Vai, ajunta a todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais, nem bebais por três dias, nem de noite nem de dia; eu e minhas servas também jejuaremos. Depois, irei ter com o rei, ainda que é contra a lei; se perecer, pereci. Então, se foi Mordecai e tudo fez segundo Ester lhe havia ordenado. Ao terceiro dia, Ester se aprontou com seus trajes reais e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte da residência do rei; o rei estava assentado no seu trono real fronteiro à porta da residência. Quando o rei viu a rainha Ester parada no pátio, alcançou ela favor perante ele; estendeu o rei para Ester o cetro de ouro que tinha na mão; Ester se chegou e tocou a ponta do cetro.” (Et 4.15-5.2; ARA)


A passagem bíblica citada acima narra uma célebre passagem do Livro de Ester em que os judeus, vivendo sob o domínio do Império Persa, corriam o sério risco de serem exterminados. E isto estava previsto para acontecer por um decreto real, conforme o planejamento de um maquiavélico funcionário do governo chamado Hamã.

No entanto, o rei era casado com Ester, uma mulher judia e que fora criada por seu parente Mordecai. Só que o monarca desconhecia a nacionalidade de sua esposa.

Ao tomar conhecimento da trama genocida, Ester propôs interceder pelo seu povo perante o rei e, naqueles tempos, se qualquer pessoa ousasse entrar na presença do soberano da Pérsia sem ser convocado corria o risco de receber uma sentença de morte. Mesmo se fosse a rainha a lei seria aplicada. Mas a única exceção seria se o rei apontasse o seu bastão para o súdito que quebrou o protocolo do palácio.

Sabendo dos riscos que corria, Ester foi corajosa e colocou em primeiro lugar a vida de uma coletividade de pessoas, mesmo ciente de que a confortável posição que tinha como rainha e o seu pescoço estariam em perigo. Só que, antes de encarar sua missão, aquela jovem judia resolveu se preparar através da milenar prática do jejum.

Em diversos trechos da Bíblia, o jejum é observado. De acordo com a Torah judaica, trata-se de uma obrigação a ser considerada no Dia do Perdão (Yom Kippur) que ocorre entre os meses de setembro e outubro do nosso calendário. E, além desta ocasião, muitos momentos de jejum extraordinários foram praticados, inclusive por povos pagãos, como fizeram os habitantes de Nínive ao ouvirem a pregação do profeta Jonas que os advertiu sobre um juízo divino que poderia ocorrer contra aquela cidade.


“Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum, e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor. Chegou esta notícia ao rei de Nínive; ele levantou-se do se trono, tirou de si as vestes reais, cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza. E fez-se proclamar e divulgar em Nínive: Por mandado do rei e seus grandes, nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem os levem ao pasto, nem bebam água; mas sejam cobertos de pano de saco, tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um do seu mal caminho e da violência que há nas suas mãos.” (Jn 3.5-8; ARA)


Também no Novo Testamento, o Livro de Atos dos Apóstolos fala que o envio de Barnabé e Saulo para a obra missionária que fizeram na Ásia Menor foi precedida de jejum (At 13.1-3), o que demonstra sua importância dentro da Igreja de Cristo. Porém, o certo é que muitos momentos de crise e de angústia levaram indivíduos e coletividades a buscarem um relacionamento com Deus através de um jejum com fervor, dentro de um propósito estabelecido em cada coração.

Nos dias de hoje, em que a questão ecológica vem se tornando cada vez alarmante, evidenciando o estado de risco em que a vida no planeta se encontra, temos um forte motivo para jejuar.

O terremoto no Japão, seguido de um tsunami avassalador e das preocupantes explosões na usina atômica de Fukushima, cuja situação ainda se encontra indefinida, fez o mundo parar diante dos telejornais. Tais notícias reacenderam o debate sobre o uso da energia nuclear, pois evidenciam o perigo que o modelo econômico da nossa civilização vem causando para ela mesma.

Ora, o que aconteceria com as usinas nucleares e o monstruoso arsenal atômico dos Estados Unidos caso o Yellowstone entrar em erupção como foi há 640.000 anos que é um tempo considerado recente em termos de geologia? E se as usinas de Angra dos Reis tiverem o mesmo infortúnio de Chernobyl? Neste caso, será que metrópoles como o Rio de Janeiro e São Paulo não entrariam na zona de risco?

Junto a esta discussão devem ser adicionadas as preocupações com o clima, visto que a emissão abusiva dos gases do efeito estufa, agravada com o desmatamento das florestas, vem contribuindo para que o planeta sofra com maior intensidade e frequência catástrofes naturais.

Cerca de dois meses antes do terremoto no Japão, eis que, aqui em Nova Friburgo, cidade da Região Serrana do Rio de Janeiro, ocorreu um dos mais graves deslizamentos de terra da história recente. Na madrugada de 12 de janeiro, um forte temporal deixou um rastro de centenas de mortes e muita destruição, as quais podem ser facilmente visualizadas com o auxílio do Google Earth.

Não há como negar a existência de fortes interesses econômicos e políticos que estão levando o planeta a um colapso ecológico através de um processo de destruição. Devido ao consumo excessivo de energia, a situação está se tornando incontrolável, sem que a fome de poder de uma minoria insana esteja sendo barrada.

Tudo indica que na base dessa crise ambiental esteja a questão ética, visto que o homem, há milênios, iniciou um processo de desrespeito à existência de todos os seres. Pois o que se tem visto a cada século é a mais absurda indiferença em relação à vida, tanto animal quanto humana, o que se evidencia com clareza nas guerras, fomes, genocídios e sistemas econômicos exploratórios. Inclusive, a própria história de Ester já alerta sobre a ameaça de um progrom que poderia ter ocorrido no século V antes de Cristo.


Assim, sendo a questão ecológica também uma crise ética do ser humano, vejo na prática do jejum um instrumento de paz colocado à disposição do cidadão comum nesses tempos de poder abusivo dos governantes mundiais. Junto com a oração e dentro de um propósito coletivo de resistência, o jejum torna-se a arma da fé, capaz de unir sentimentos e mudar o rumo da história. Pois será algo que em muito poderá nos ajudar em termos de preparação no tocante aos conflitos que precisam ser travados na defesa da vida.

Na data de 17/03/2011, em que os judeus comemoram a tradição do Jejum de Ester, penso que muito podemos aprender com a cultura dos povos orientais, os quais demonstram persistência e coragem na defesa de suas causas, apesar de chocarem muitas das vezes os valores que cultivamos aqui no Ocidente. Acredito que podemos nos espelhar nesses exemplos de perseverança, como a louvável conduta dos egípcios, os quais, continuamente, durante dias, foram aos milhares para a Praça Tahrir protestar e também orar ajoelhados pela queda de um presidente opressor.

Que possamos fazer o mesmo na defesa da vida em nosso planeta!


OBS: A primeira imagem acima refere-se ao quadro "Rainha Ester", de Edwin Longsden Long e pintado em 1878. Já a segunda gravura corresponde à obra de Rembrandt Harmenszoon van Rijn onde ele pinta o rei Assuero e Hamã no banquete de Ester (Et 5.1-14).

2 comentários:

  1. rodrigo, sua análise sobre a crise ecológica é perfeita mas não sei se o jejum teria todo esse poder que você diz. oriente e ocidente pensam diferente, logo, precisam chegar ao mesmo ponto de maneiras diferentes. só há um jeito do mundo mudar e é através da força dos homens e mulheres de boa vontade estando presente ou não a prática de jejuar.

    mas até que um jejum nacional de carne por dois dias na semana, creio, já fariam um bem danado ao ambiente. ou seja, o jejum, mesmo que fora dos padrões religiosos, pode mesmo ter um impacto significativo na questão ecológica.

    abração

    ResponderExcluir
  2. Olá, Eduardo!

    Eu vejo fortes semelhanças culturais entre o Oriente e o Ocidente em relação ao jejum. Pelo menos, no que se refere à greve de fome, recurso muito bem manejado por Gandhi na Índia. Mas, por outro lado, sei que a ideia do jejum pode não mobilizar mesmo a todos, ainda mais quem não tem uma visão religiosa ou é anti-religioso.

    A questão da abstinência carne, penso eu, poderia ser trabalhada com os católicos neste período da Quaresma, visto que, antigamente, eles ficavam os 40 dias sem ingerir este tipo de alimento. Mas aí como o Brasil já não tem mais uma cultura católica tão arraigada, co exceção de algumas cidades interioranas de Minas Gerais, Nordeste e determinados estados, penso que uma saída seria levar para o lado não religioso.

    Ainda sobre esta questão, acho que precisaríamos de leis e estímulos econômicos e culturais para que haja uma redução no consumo da carne, principalmente a bovina. Se o mundo inteiro parasse de se alimentar de carne, a agricultura poderia alimentar até 40 bilhões de pessoas e os danos ecológico seriam bem menores porque menos florestas iriam ser ocupadas com pastagens.

    Semanas atrás ouvi uma pregação do Caio Fábio comentando sobre a queda do ditador egípcio em que ele elogiou a atitude do povo de lá em fazer suas orações na sexta-feira e misturar o clamor a Deus com as manifestações. Achei interessante e isto tem me levado a ponderar sobre o efeito positivo da espiritualidade na questão política. Eu mesmo, quando me proponho a agir politicamente, penso em incluir Deus no meu propósito.

    Abraços e valeu pela contribuição.

    ResponderExcluir