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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Graciosamente novo


Foi mais um ano que passou e eis aí um outro que começa seguindo o calendário solar da civilização do Ocidente.

Geralmente, nesta época, as pessoas costumam fazer suas reflexões e elaborar planos para um novo período de suas vidas, às vezes com futuras metas a serem alcançadas. Também é comum elas desejarem boa sorte umas às outras para que os seus sonhos se concretizem, sendo que alguns têm o hábito de fazer simpatias, enquanto outros dão três pulos para frente na hora dos fogos, ou acreditam que serão bem sucedidos se comerem romã ou uva à meia noite, dentre outras superstições.

Ao lado das comemorações de feliz ano novo, creio ser indispensável refletirmos permanentemente sobre o bem e o mal que praticamos, removendo do nosso comportamento tudo aquilo que é capaz de gerar desconexões com a vida. Ou seja, precisamos arrancar coisas que só envenenam o nosso ser, as quais trazem tristezas, solidão, separação, amargura, inimizades, desilusões e morte.

A Bíblia nos ensina sobre todos esses contrastes, usando figuras como “luz” e “trevas”, “bem” e “mal”, “vida” e “morte”. Seus autores também nos falam no “novo” e no “velho” que se aplica a diversas situações, sob pontos de vista diferentes em cada passagem, mas que conduzem numa mesma direção: a vida, a eternidade, a união, a reconciliação, a paz, o amor, a alegria, a compreensão, a aceitação, a verdade, o nosso próximo e Deus.

Num mundo onde todos envelhecem, a Bíblia diz sobre sermos algo que inova (ou se renova), mesmo que, aparentemente, morra. Sua proposta é que internamente sejamos sempre jovens e revitalizados, não deixando que as situações do cotidiano façam de nós pessoas frustradas e que carregam consigo infelicidades. Porém, ao invés de sermos desgastados pelo tempo, somos convidados por Deus para nos tornarmos crianças novamente “porque o Reino dos Céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mateus 19.14; NVI).

Como alguém pode nascer, sendo velho?” - perguntou o mestre Nicodemus a Jesus, quando o Senhor havia lhe declarado que “ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo”. E, nesta passagem do Evangelho, Jesus estava dizendo a um notável estudioso das Escrituras que ele e os demais doutores da Bíblia precisavam nascer outra vez.

Todavia, a verdade é que o nosso estado de desconexão requer uma radical desconstrução afim de podermos enxergar a Vida, o que Jesus chamou de “novo nascimento”. E, certamente, aqui o Senhor não se referiu à re-encarnação, sobre alguém passar pela experiência ritual do batismo ou muito menos a pessoa tornar-se membro de uma igreja evangélica. Pois, estudando João 3.3 no seu idioma original (o grego koiné), pode-se verificar que o editor do quarto Evangelho tentou transmitir aquele ensino através da palavra “anóthen” que também significa “do alto” que, por sua vez, representa um nascimento que vem de Deus, conforme uma citação anterior que se acha logo no início do livro:

Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural (gr. de sangues), nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus.” (João 1.12-13; NVI)

Certamente que o nascer de novo não depende do nosso próprio esforço. É fruto gerado pelo Espírito Santo através da santa semente plantada em nossos corações – a Palavra de Deus. Logo, o novo nascimento só pode decorrer da mais pura graça, sendo um presente dos céus dado aos homens, os quais, mesmo envelhecendo na idade, resolvem retornar para a escola da vida e serem alunos outra vez. São homens que deixam o Espírito agir em seus corações sem oferecer resistência a Deus.

O segredo do novo nascimento está no acolhimento da Palavra de Deus como uma criança, conforme nos ensinou Jesus:

“Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse: 'Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele'. Em seguida, tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou”. (Marcos 10.13-16; NVI)

Com a mesma inocência humilde de um pequenino, Jesus, o Verbo encarnado, foi recebido em seu tempo pelas prostitutas, publicanos e pecadores. Porém, os religiosos, os caras cultos, os estudiosos das Escrituras e os homens poderosos tornaram-se cegos à presença do Messias. Só que a tais pessoas a escola da vida reprovou.

Finalmente quero compartilhar que o novo nascimento não pode ser compreendido como algo pronto e acabado a ponto do homem gerado pela semente espiritual não precisar submeter-se mais a um processo de desconstrução e reconstrução.

Muito pelo contrário!


O novo nascimento é também o contínuo processo que, figurativamente podemos comparar a um rio cujo mover das águas não cessa. É o que Paulo nos ensina nestes versículos da carta à Igreja em Éfeso para que os seus destinatários se revestissem do “Homem Novo”:

“Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como os gentios, que vivem na inutilidade dos seus pensamentos. Eles estão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento do seu coração. Tendo perdido toda a sensibilidade, eles se entregaram à depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza. Todavia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo. De fato, vocês ouviam falar dele, e nele foram ensinados de acordo com a verdade que está em Jesus. Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade prevenientes da verdade.” (Ef 4.17-24; NVI)

Este Homem Novo do qual Paulo fala é ao mesmo tempo o Messias e o protótipo da nova humanidade recriada. Uma nova criação que se faz na pessoa de Jesus, em sua morte e ressurreição, de modo que nos tornamos também a “nova criatura” de 2 Coríntios 5.17, sendo chamados para viver em justiça e santidade da verdade.

Ninguém que ainda se encontre neste mundo está imune ao pecado. Porém, aí está a grande diferença da nova criatura para a velha. Pois, mesmo sem alcançar perfeição, quem é nascido de novo edifica-se em santidade através da verdade, abrindo o seu interior para o tratamento de Deus porque nada pode ser ocultado aos olhos do Eterno. Assim, a autêntica santificação deve ser buscada pela sinceridade sem o fermento da religiosidade que é a hipocrisia, conforme ensinou Jesus:

“Nesse meio tempo, tendo-se juntado uma multidão de milhares de pessoas, ao ponto de se atropelarem umas às outras, Jesus começou a falar primeiramente aos seus discípulos, dizendo: 'Tenham cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido. O que vocês disseram nas trevas será ouvido na luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos telhados'”. (Lucas 12.1-3; NVI)

Deus quer que sejamos uma nova massa sem o nocivo fermento da religiosidade, a qual corrompe o homem impedindo-o de ser sincero e de apresentar-se sem máscaras. Pois, enquanto a pessoa esconde-se por trás de um falso comportamento religioso, o seu interior permanece fechado em trevas e ela mesma impede a iluminação da Divina Luz. Então, tal homem não se encontra mais num estado de permanente renovação e volta a envelhecer espiritualmente, fingindo apenas ter a aparência de quem um dia brilhou. E seu verdadeiro rosto passa a ficar encoberto para que os outros não vejam mais suas humanas expressões.

Não é por menos que Jesus exortou seus discípulos a ficarem atentos quanto ao fermento dos fariseus (leia-se hoje em dia a realidade). Conhecendo a natureza humana mais do que ninguém, o Senhor sabia o quanto somos capazes de transformar o seu Evangelho numa perniciosa doutrina legalista e que nega a graça salvadora. E a história do cristianismo está aí para provar o quanto a injustiça da Igreja excedeu em muito a dos fariseus, dos saduceus e dos herodianos juntos. Uma Igreja que até hoje vem assassinando de diversas maneiras os seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus, pelos quais Cristo morreu, mas se vangloria em de intitular a si mesma como “santa”. E tais homicídios ainda ocorrem quando tentamos impor sobre as pessoas um evangelho de culpas, ensinando mandamentos de homens e roubando a verdadeira adoração ao Eterno, a qual deve ser celebrada com a sinceridade de João 4.23-24, como o louvor das pequeninas crianças.

Seremos uma nova massa se tirarmos de nós o velho fermento, tornando-nos aquilo que de fato somos. Pois, em sua essência, o homem foi criado puro como um pão asmo e ficou levedado pela adição do corruptível ingrediente do pecado. Mas agora, em Cristo, somos chamados para uma nova vida de pureza interior sem nada a ocultar, sabendo que estamos amparados pela graça salvadora de Deus, o qual aceita-nos como somos, não pelo que temos ou fazemos.

Ora, é no caminho da graça que devemos sempre estar para que sejamos renovados a cada momento. Compreendendo o que é a graça, o homem pode sempre continuar sua trajetória, corrigir rotas, levantar-se de cabeça erguida, retornar ao seu ministério e adorar o Eterno Criador com total liberdade, sem nenhuma culpa.

Que neste 2011 que se inicia possamos verdadeiramente andar assim, amparando-nos na divina graça e permitindo que o Eterno nos ilumine interiormente.

Caminhemos na novidade da graça! E, como dizem os judeus, Shanah Tovah Umetukah.

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