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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quem disse que crente só pode votar em crente?

Até hoje me deixa perplexo um raciocínio ainda existente no meio evangélico de que crente deve só votar em crente, pensamento este que quase transformou o Rio de Janeiro num estado teocrático. Recordo-me que, nas eleições para o Senado de 2002, os dois candidatos vitoriosos foram o atual governador Sérgio Cabral e o "bispo" Marcelo Crivella da Igreja Universal do Reino de Deus, sendo que o então pastor Manoel Ferreira também foi muito bem votado apesar de não ter sido eleito.

Apesar dessa tendência ainda persistir (muita gente nas igrejas diz que vai votar no Crivella por ele se dizer cristão), tenho observado mudanças significativas no perfil do eleitor evangélico com o surgimento de duras críticas à manipulação dos eleitores pelas lideranças pastorais. Para esse grupo, a candidatura de um pastor a cargos eletivos, ou mesmo o seu comprometimento com um político ainda que seja a declaração de apoio ao candidato em púlpito, significa corrupção dos valores bíblicos.

Entre uma tendência e a outra, posiciono-me mais próximo da segunda do que da primeira, mas sempre evitando radicalizar para não me tornar um cristão alienado já que nenhum cidadão pode se considerar apolítico capaz de abster-se de qualquer pronunciamento acerca dos rumos de sua comunidade bem como da nação e do planeta.

Nosso reino não é deste mundo, como disse Jesus, mas o fato é que estamos no mundo. É certo que não implantaremos o Reino de Deus na terra através da política eleitorais ou de guerras santas como nos tempos passados. Só que se eu vivo numa democracia, sou chamado em alguns momentos para decidir coletivamente, o que, na qualidade de cidadão, obriga-me a agir com responsabilidade e com ética não dando o meu voto para qualquer pessoa.

Mas nesta escolha, tenho que votar necessariamente em alguém que também seja cristão evangélico? Claro que não!

Analisando a história bíblica, vejo que Deus em seus planos infalíveis usou tanto homens crentes quanto descrentes. Dos reis de Judá da descendência de Davi, muitos escolheram os caminhos da perversidade e poucos seguiram fielmente a Torá, conforme Moisés havia prescrito. Porém, quando os judeus retornam do cativeiro babilônico, por volta de 539 a.C., Deus usou Ciro para libertá-los de modo que as Escrituras referem-se a ele como um ungido do SENHOR:

"Assim diz o SENHOR ao seu ungido: a Ciro, cuja mão direita eu seguro com firmeza para subjugar as nações diante dele e arrancar a armadura de seus reis, para abrir portas diante dele, de modo que as portas não sejam trancadas: Eu irei adiante de você e aplainarei montes; derrubarei portas de bronze e romperei trancas de ferro. Darei a você os tesouros das trevas, riquezas armazenadas em locais secretos, para que você saiba que eu sou o SENHOR, o Deus de Israel, que o convoca pelo nome. Por amor de meu servo Jacó, de meu escolhido Israel, eu o convoco pelo nome e lhe concedo um título de honra, embora você não me reconheça. Eu sou o SENHOR, e não há nenhum outro; além de mim não há Deus. Eu o fortalecerei, ainda que você não tenha me admitido, de forma que do nascente ao poente saibam todos que não há ninguém além de mim. Eu sou o SENHOR, e não há nenhum outro. Eu formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o SENHOR, faço todas essas coisas. (Livro de Isaías 45.1-7; Nova Versão Internacional - NVI)

Ora, quem foi o rei Ciro? Por acaso ele era judeu e representava a dinastia de Davi?

Ciro II da Pérsia, mais conhecido como Ciro, o Grande, reinou entre os anos de 559 a 530 a.C. e pertencia à dinastia dos Aquemênidas. Uns sustentam que ele fosse seguidor do mazdeismo (ou zoroastrismo), a religião oficial dos persas, enquanto que outros defendem que Ciro desenvolveu uma espécie de sincretismo, na certa com a finalidade de promover uma boa convivência cultural entre os diversos povos conquistados.

De qualquer maneira, o texto bíblico é claro ao dizer que o homem mais poderoso daquela época não conhecia o Deus único e assim mesmo o autor menciona Ciro como um "ungido", termo que também é aplicado aos reis de Israel e ao Messias. Ou seja, Deus escolheu um incrédulo para liderar o seu povo naquele momento, mostrando que o Senhor dos senhores sempre esteve no controle da história.

Mas o que diremos do nosso Brasil? Por acaso Deus escolheu alguém para representar (ou castigar) o nosso povo?

Responder esta pergunta acho que ninguém tem condições de falar com sinceridade, embora alguns digam por aí que Deus teria escolhido o candidato A ou B. Porém, apenas posso dizer que cabe a cada eleitor cristão votar com consciência, procurando discernir sob os variados pontos de vista quem será melhor para o país. E, neste processo, entendo que a razão crítica não pode ficar de fora.

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