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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre as pedras derrubadas de um velho templo


Li ontem no blogue Púlpito Cristão que uma poderosa denominação evangélica pretende construir um mega-templo na cidade de São Paulo e que será uma espécie de réplica do prédio edificado por Salomão no século X a.C., conforme consta no texto bíblico.

Ainda que a estranha obra venha trazer alguns benefícios ao turismo e à paisagem da capital paulista (não tenho dúvidas de que também possa haver malefícios), não consigo encontrar um propósito divino neste projeto, parecendo-me mais uma expressão da vaidade humana aliada ao pernicioso marketing religioso.

Na contramão do que fazem as grandes denominações dos dias atuais, os cristãos do século I não tinham o hábito de construírem templos. Eles se encontravam nas casas dos irmãos, ainda que, no começo, a Igreja primitiva de Jerusalém, em seus primeiros momentos, tenha se reunido também no templo judaico que fora reformado por Herodes, o Grande e que fora destruído em 70 d.C. pelo general romano Tito.

Poucos dias antes de seu martírio, Jesus havia predito o fim do segundo templo judaico pouco antes do sermão profético do Monte das Oliveiras, dizendo que não ficaria “pedra sobre pedra” daquele incrível monumento religioso:

Quando ele estava saindo do templo, um de seus discípulos lhe disse: “Olha, Mestre! Que pedras enormes! Que construções magníficas!” “Você está vendo todas estas grandes construções?”, perguntou Jesus. “Aqui não ficará pedra sobre pedra; serão todas derrubadas.” (Marcos 13.1-2; Nova Versão Internacional - NVI)

Antes deste episódio, Jesus havia passado por um acirrado debate ideológico em Jerusalém com herodianos, saduceus e fariseus, os quais, ao invés de se arrependerem dos seus pecados e se converterem a Deus, procuravam sem nenhum sucesso apanhar o Messias em alguma contradição, planejando matá-lo. Além disso, Jesus havia expulsado do átrio do templo os cambistas e comerciantes que vendiam animais para o sacrifício, condenando, pela maldição da figueira sem frutos, a falência daquele sistema religioso.

Quase dois mil anos depois, os cristãos do começo do século XXI ainda reproduzem a mesma religiosidade infrutífera dos saduceus e fariseus, ainda que confessando com suas bocas Jesus como o Messias, o Filho de Deus. Os líderes das maiores denominações evangélicas brasileiras até hoje deixam de viver o cristianismo em sua essência quando se mostram incapazes de romper com o sistema herdado do catolicismo romano, o qual, por sua vez, representou um lamentável retrocesso em relação aos cristãos primitivos do primeiro século.

Dando uma expiada no Antigo Testamento bíblico, veremos que o templo do rei Salomão, idealizado por seu pai Davi, foi um projeto aceito por Deus e tinha previsão na Torá. Foi uma construção cara, cheia de detalhes decorativos e de extraordinária riqueza. De acordo com a lei mosaica, as ofertas sacrificiais não poderiam ser trazidas a outro lugar senão a tenda do tabernáculo que, depois, passou a ser o templo de Salomão. Todo ano, o cidadão israelita era obrigado a comparecer nas três principais festas: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Um dos objetivos parece ter sido a concentração do povo em torno do sacerdócio que somente poderia ser exercido pelos descendentes de Arão, irmão de Moisés.

Sem dúvida que havia um propósito divino para aquela Casa que, em vários momentos foi o palco de inesquecíveis avivamentos registrados nas Escrituras e, em outras situações, era um local onde terríveis pecados chegavam a ser cometidos às escondidas. No final, pouco antes da destruição promovida por Nabucodonosor, ocorrida cerca de 587 a.C., o profeta Jeremias protestou contra o ritualismo religioso de sua época que se contrapunha à verdadeira religião:

Esta é a palavra que veio a Jeremias da parte do SENHOR: “Fique junto à porta do templo do SENHOR e proclame esta mensagem: “Ouçam a palavra do SENHOR, todos vocês de Judá que atravessam estas portas para adorar o SENHOR. Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Corrijam a sua conduta e as suas ações, eu os farei habitar neste lugar. Não confiem nas palavras enganosas dos que dizem: 'Este é o templo do SENHOR, o templo do SENHOR, o templo do SENHOR!' Mas se vocês realmente corrigirem a suas conduta e as suas ações, e se, de fato tratarem uns aos outros com justiça, se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva e não derramarem sangue inocente neste lugar, e se vocês não seguirem outros deuses para a sua própria ruína, então eu os farei habitar neste lugar, na terra que dei aos seus antepassados desde a antiguidade e para sempre. Mas vejam! Vocês confiam em palavras enganosas e inúteis. “Vocês pensam que podem roubar e matar, cometer adultério e jurar falsamente, queimar incenso a Baal e seguir outros deuses que vocês não conheceram, e depois vir e permanecer perante mim neste templo, que leva o meu nome, e dizer: 'Estamos seguros!', seguros para continuar com todas essas práticas repugnantes? Este templo, que leva o meu nome, tornou-se para vocês um covil de ladrões? Cuidado! Eu mesmo estou vendo isso”, declara o SENHOR. (Jr. 7.1-11; NVI)

O segundo templo, construído após o retorno dos judeus do exílio babilônico, não alcançou o mesmo esplendor arquitetônico da primeira Casa. Por suas portas passaram o Filho de Deus, mas o sumo sacerdote Caifás não foi capaz de reconhecer a visita do Messias. Assim como foi na época de Jeremias, faltou mesma sensibilidade por de uma geração que, dias depois da entrada triunfal do Senhor em Jerusalém, pediu a Pilatos a condenação de Jesus. Quando o Senhor ressuscitou, ele deu ordem para que seus discípulos se espalhassem pelo mundo pregando o Evangelho a toda criatura.

Nos dias de hoje, grandes templos parecem não estar de acordo com o propósito de Deus para o seu povo nos dias atuais e muitas das vezes tais igrejas acabam refletindo a cópia de um modelo religioso falido que até hoje se repete. Observem o quanto é comum encontrarmos mendigos pedindo esmolas nas portas de uma igreja e, em certos horários, por causa da área deserta formada em determinadas regiões das cidades, vende-se até drogas ao lado das paredes laterais de um templo. Também é comum encontrarmos pessoas que se solitárias nas igrejas, sentindo-se isoladas no meio de uma multidão que se reúne sem estar consciente de sua presença no local.

Nós, cristãos, não fomos chamados para investir recursos em obras faraônicas e nem para concentrarmos atividades numa igreja central na cidade onde vivemos. Temos que nos dispersar e fazermos discípulos em todas as nações, como mandou Jesus! Se temos a necessidade de nos reunir, qualquer lugar serve, podendo ser a céu aberto, na casa de algum irmão, ou mesmo num salão alugado. Se a comunidade cresce e pessoas de outros bairros passam a fazer parte do nosso grupo, fica muito mais estratégico e barato incentivar que aqueles novos irmãos se encontrem num ponto mais perto de onde moram.

Muito mais importante do que os edifícios construídos pelos homens e as instituições são as pessoas. Deus escolheu os nossos corações para fazer sua permanente habitação, pois, quando alguém aceita a Cristo como o Senhor e Salvador, o seu interior é completamente lavado e santificado, de modo que o crente torna-se um santuário do Espírito Santo, conforme escreveu Paulo em sua carta aos coríntios: “Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo que habita em vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês não são de si mesmos?” (1Co 7.19)

Tal noção explicada por Paulo (de que o homem convertido torna-se um santuário do Espírito Santo) foi uma impactante notícia, tanto para os gregos de Corinto quanto para os compatriotas judeus do apóstolo, de maneira que a Igreja de Cristo não é outra senão o seu povo, formando um único corpo independentemente das diferenças de nacionalidade, sexo ou posição social. Assim, já não há mais a figura do sacerdote porque todos são chamados para o sacerdócio e se subordinam ao único sumo-sacerdote – o Messias Jesus.

É a comunhão pessoal que Deus busca estabelecer conosco afim de que possamos viver Nele e Ele em nós, pois somos chamados para ter um relacionamento contínuo, santo e amoroso com o nosso Criador. E isto certamente explica aquilo que João descreveu sobre a visão por ele experimentada acerca da “Nova Jerusalém”, dando a entender que, na eternidade, não haverá mais templos:

Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro (Apocalipse 21.22; ARA)


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OBS: A imagem acima, extraída do Flickr do Yahoo, é de autoria do Sr. André Confort Rodrigues que cedeu a foto ao autor deste blogue, desde que citando a fonte. Trata-se das ruínas da antiga igreja da localidade de São José da Boa Morte, situada no 3º Distrito do Município de Cachoeira de Macacu. Sua construção é datada de 1834, embora, um século antes, já existisse uma capela edificada no mesmo local. Devido às epidemias de febre amarela que ocorreram no século XIX, na Freguesia de S. José da Boa Morte (eis aí o motivo do nome do local) e região, houve um abandono da antiga vila, o que, na certa, explica o estado em que ficou a paróquia.

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