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domingo, 27 de junho de 2010

Conhecimento intelectual e amor ao próximo

Gosto muito de entrar em discussões na internet que falam sobre história, política, filosofia e teologia. Tem vezes que fico horas debatendo sobre tais assuntos e, frequentemente, acabo transformando minhas ideias em textos que compartilho no meu blog.

A busca do conhecimento pra mim é algo delicioso e não nego que às vezes chego a ficar meio que embriagado com esta “cachaça intelectual”, a qual considero como uma opção melhor do que sofrer pelos decepcionantes jogos do Flamengo em 2010. E não condeno quem goste de Copa do Mundo, novelas, filmes, Ratinho ou da "Dança dos Famosos" no programa do Faustão. Cada um descobre sua própria diversão.

Entretanto, quando passo bastante tempo debatendo a respeito dos citados temas, tem horas que me sinto confrontado com a angustiosa situação presente. Pergunto a mim mesmo o que tenho feito diante de tanta miséria, violência e falta de assistência social? Qual a minha postura quando vejo meu semelhante precisando de algum tipo de ajuda?

Penso que posso fazer uma coisa sem deixar de lado a outra.

Também sou um ativista social, mas, ao mesmo tempo, me interesso pela investigação histórica, por filosofia e por teologia. Não me considero um ativista nota 10, nem o melhor filantropo ou o marido mais dedicado do mundo. Conforme meu interesse e possibilidade, tenho denunciado os absurdos do SUS e da Unimed aqui em minha cidade. Frequentemente faço minhas representações ao Ministério Público, denunciando as irregularidades e desrespeitos que são praticados contra os interesses coletivos. Ter adquirido conhecimentos ao longo dos anos, ajuda-me a olhar para o caótico sistema de saúde e compreender melhor suas falhas, entender que o médico que atende aos idosos que ficam desde madrugada nas filas não está prestando nenhum favor e sim efetivando o dever estatal previsto no art. 196 da nossa Constituição Federal.

Contudo, atuo como militante político há bastante tempo e a conclusão que chego hoje é que, apesar das lutas coletivas nas quais me envolvo, nada se compara ao bem que podemos fazer pessoalmente a alguém. É dando uma atenção especial a cada pessoa, ouvindo-a e compreendendo sua situação que realmente podemos manifestar amor. Aí nenhum programa social do governo ou de ONGs substitui a prática do amor agape que encontramos muito bem registrado em Jesus lendo o Evangelho de João, quando o Senhor conversa com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó, curando o desamparado paralítico do tanque de Betesda, amando Marta e Maria pela morte de Lázaro a ponto de gemer e chorar (o versículo mais curto da Bíblia é "Jesus chorou") e depois morrendo numa cruz para redimir toda a humanidade de seus pecados.

Se o planeta anda desse jeito não é apenas porque faltam políticas públicas eficientes, pois estas sempre existiram (mesmo quando há omissão) e são direcionadas para o interesse dos que comandam o poder. Mas eu digo que o problema do sofrimento humano está ligado á falta de amor, o qual não é um sentimento e sim um comportamento que escolhemos. Neste sentido cito o apóstolo Paulo na sua brilhante carta aos Coríntios:

Passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais excelente. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor. (1Co 12.b-13.13; NVI)

Lendo o texto acima, percebo que o amor está acima das obras assistenciais, sejam elas filantrópicas ou políticas públicas, bem como supera qualquer tipo de conhecimento, os serviços prestados numa comunidade eclesiástica, a própria fé e até mesmo uma atitude de auto-sacrifício. É algo que ainda não tenho suficientemente na minha vida, mas que desejo aprender e para isto não vejo outro meio senão tentar aceitar e praticar o amor.

Mas como amaremos o próximo se não permitimos ser amados por Deus? Num mundo sem amor, como foi no primeiro século com injustiças não muito diferentes do que na atualidade, Deus manifestou todo o seu amor, dando seu único Filho para sofrer em nosso lugar a pena do pecado. Quando Jesus foi crucificado, era por nós homens pecadores, adúlteros, egoístas, omissos, blasfemos, homicidas e ladrões que ele estava sendo morto afim de que, uma vez cumprida a nossa sentença de morte, pudéssemos viver sem culpa para retribuir tão grande amor fazendo o bem ao nosso semelhante.

Que sejamos felizes olhando para Cristo, pois é apenas ele quem pode nos mostrar o imenso amor de Deus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pensamentos sobre o Livro de Rute



Uma interpretação do Livro de Rute tem causado algumas polêmicas no meio cristão ultimamente. Trata-se da passagem em que Rute, seguindo as orientações de sua sogra, Noemi, aproxima-se de Boaz com uma certa dose de ousadia, sendo sugerido que talvez eles tivessem chegado a um envolvimento sexual antes do casamento.

Quase todos rejeitam a tese, mas há uma minoria que afirma que sim. Entretanto, vejamos o que diz a tradução do nosso texto bíblico em português, segundo a Nova Versão Internacional (NVI):

“Certo dia, Noemi, sua sogra, lhe disse: “Minha filha, tenho que procurar um lar seguro, para a sua felicidade. Boaz, senhor das servas com quem esteve, é nosso parente próximo. Esta noite ele estará limpando cevada na eira. Mas não deixe que ele perceba você até que tenha comido e bebido. Quando ele for dormir, note bem o lugar em que ele se deitar. Então vá, descubra os pés dele e deite-se. Ele lhe dirá o que fazer”. Respondeu Rute: Farei tudo o que você está me dizendo”. Então ela desceu para a eira e fez tudo o que a sua sogra lhe tinha recomendado. Quando Boaz terminou de comer e beber, ficou alegre e foi deitar-se perto do monte de grãos. Rute aproximou-se sem ser notada, descobriu os pés dele, e deitou-se. No meio da noite, o homem acordou de repente. Ele se virou e assustou-se ao ver uma mulher deitada a seus pés. “Quem é você?”, perguntou ele. “Sou sua serva Rute”, disse ela. “Estenda a sua capa sobre a sua serva, pois o senhor é resgatador.” (3.1-9)

Igualmente, na edição revista e atualizada de João Ferreira de Almeida, talvez a versão da Bíblia mais utilizada no Brasil hoje em dia, a tradução também manteve a expressão “descobriu os pés”, conforme se lê no versículo 7: “Havendo, pois, Boaz comido e bebido e estando já de coração um tanto alegre, veio deitar-se ao pé de um monte de cereais; então, chegou ela de mansinho, e lhe descobriu os pés, e se deitou.”

Com toda sinceridade (não escondo a minha falta de conhecimento a respeito do idioma original das Escrituras hebraicas), jamais posso aqui afirmar cabalmente o que significa o termo “descobrir os pés”, mas continuo guardando minhas reservas sobre a certeza das alegações quanto à suposta relação sexual entre Boaz e Rute que alguns reputam ter ocorrido naquele dia em que todos estavam comemorando colheita da cevada na eira do bisavô do rei Davi.

Todo estudo bíblico requer cautela. E, sendo assim, considero prudente investigarmos o contexto que envolvem os acontecimentos da época afim de que possamos buscar conclusões fundamentadas.

O Livro de Rute fala da história de um casal com dois filhos que migrou da cidade judia de Belém para o país de Moabe (a fértil região da Transjordânia). Por causa de um período de fome, Elimeleque deixou a terra da promessa e veio a falecer num país estrangeiro. Seus dois filhos, Malom e Quiliom, ao invés de seguirem o costume de procurar esposas israelitas, casaram-se com mulheres moabitas, Rute e Orfa. Entretanto, Malom e Quiliom também vieram a morrer de modo que Noemi tornou-se uma viúva sem filhos.

Naqueles tempos, a vida de uma viúva não era nada fácil. Se ela fosse jovem ainda poderia arranjar um novo casamento. Se tivesse filhos, seu sustento dependeria da assistência de seu descendente. Mas, se fosse uma mulher idosa e sem filhos, poucas chances teria de sobreviver, ainda mais num país estrangeiro onde lhe faltariam parentes mais próximos para prestar algum tipo de ajuda. E, por causa disto, muitos órfãos e viúvas passavam necessidades numa sociedade onde as mulheres tinham poucos direitos e ainda não disputavam o mercado de trabalho com os homens.

Prevenindo determinadas situações de risco social, a lei mosaica adotava mecanismos que evitariam o desamparo total às viúvas sem filhos, impondo à própria família do marido o dever de prestar a assistência. Deste modo, a Torá acolheu o costume do casamento de levirato que já existia entre os povos do Oriente, assim determinando em Deuteronômio:

“Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer sem filhos, então, a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará, e a receberá por mulher, e exercerá para com ela a obrigação de cunhado. O primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu irmão falecido, para que o nome deste não se apague de Israel. Porém, se o homem não quiser tomar sua cunhada, subirá esta à porta, aos anciãos, e dirá: Meu cunhado recusa suscitar a seu irmão nome em Israel; não quer exercer para comigo a obrigação de cunhado. Então, os anciãos da sua cidade devem chamá-lo e falar-lhe; e, se ele persistir e disser: Não quero tomá-la, então sua cunhada se chegará a ele na presença dos anciãos, e lhe descalçará a sandália do pé e lhe cuspirá no rosto, e protestará, e dirá: Assim se fará ao homem que não quer edificar a casa de seu irmão; e o nome de sua casa se chamará em Israel: A casa do descalçado.” (ARA, Dt 25.5-10)

Voltando à história de Rute, eis que a narrativa prossegue informando que Noemi resolveu retornar para sua terra em Belém de Judá. Orfa conformou-se em deixá-la e permaneceu em Moabe, na certa retornando para a casa dos seus pais. Rute, porém, insistiu em acompanhar sua sogra, escolhendo o seu povo e também o seu Deus, o que foi uma verdadeira decisão de fé, sem saber o que lhe aguardaria na terra de seu falecido marido.

Pobre, retornou Noemi para Belém e, como não tinha recursos para comprar alimento, Rute precisou pedir aos fazendeiros da redondeza que lhe deixasse apanhar as espigas de cevada caídas pelo campos, conforme outro mecanismo de proteção social previsto por Moisés (Levítico 19.9-10; 23.22). Por acaso, Rute acabou entrando justamente nas terras de um parente do marido de Noemi que se chamava Boaz.

Tendo notado a presença de Rute nas suas roças de cereais, Boaz agiu generosamente com ela, permitindo não só a sua permanência naquelas terras como lhe ofereceu segurança, água para beber (em regiões do Oriente Médio este é um bem precioso) e alimento em quantidade suficiente tanto para Rute quanto para Noemi. Tal postura demonstra que Boaz era realmente um homem justo, pois conhecia também os seus deveres sociais como um parente próximo que tinha a obrigação de amparar pessoas do seu meio familiar nas situações críticas.


“Assim, passou ela [Rute] à companhia das servas de Boaz, para colher, até que a sega da cevada e do trigo se acabou; e ficou com a sua sogra.” (Rt 2.23)

Bem, com as explicações dadas até aqui, penso que temos uma certa base para compreendermos um pouco do que pode ter se passado no polêmico episódio do capítulo 3 do Livro de Rute, quando ela, ousadamente, descobre os pés de Boaz e se deita ao seu lado na eira.

Apesar do profeta Oseias ter se referido às eiras de cereais como lugares onde ocorriam frequentes imoralidades sexuais (Os 9.1), provavelmente por ocasião das festas de colheita durante a primavera do Hemisfério Norte, parece ser incompatível com o estilo de vida de um homem piedoso como Boaz incentivar o pecado da prostituição dentro de suas terras. E o próprio texto comprova a sua integridade quando Boaz havia dado ordens aos seus servos para que não a molestassem (Rt 2.9) e ainda se espantou quando acordou com uma mulher deitada aos seus pés (Rt 3.8).

Considerando uma possível interpretação literal, o ato de Rute ter descoberto os pés de Boaz pode ter sido um convite de casamento, lembrando-o acerca das obrigações quanto ao levirato, conforme a passagem citada em Deuteronômio 25.5-10. Numa época em que poucos conheciam a escrita, as pessoas também se comunicavam através de atitudes simbólicas de modo que a retirada dos calçados de Boaz por Rute, enquanto ele dormia, poderiam simbolizar um alerta quanto aos compromissos do parente próximo com a família dos falecidos Elimeleque e Malom.

Inegavelmente, a atitude de Rute foi bem diferente das práticas feitas pelas filhas de Ló (Gn 19.30-38), as quais, precisando gerar descendentes após a destruição de Sodoma, decidiram embriagar o próprio pai para dele conceberem, o que explica a origem incestuosa dos moabitas. O envolvimento entre Boaz e Rute baseou-se num relacionamento de compromisso e de amor, tendo tudo ocorrido conforme os planos de Deus. E, mesmo que Rute tenha se aproximado de Boaz com ousadia naquela eira, o que importa?

Atualmente, infelizmente temos visto o oposto nas relações entre homens e mulheres. As pessoas trocam determinados tipos de afeto e se relacionam sexualmente sem que haja qualquer tipo de compromisso. Sem estarem de fato se amando, as pessoas “ficam” numa só ocasião e depois um descarta o outro como se fosse objeto de consumo. Já não se vê mais santidade nos namoros e a relação sexual tornou-se algo banalizado, praticado num contexto meramente carnal onde se busca apenas o prazer.

Nos dias de hoje, para muita gente o casamento tornou-se mais uma celebração festiva do que um acontecimento de importância espiritual. Por motivo de tradição, é comum as pessoas casarem-se nas igrejas, mas nem sempre elas têm a consciência do compromisso que aquela união representa. Com pouco tempo de matrimônio, muita gente quebra a aliança com seu cônjuge pelos mais fúteis motivos.

Tenho pra mim, que o casamento não acontece apenas dentro das igrejas ou nos cartórios de registro civil. Em termos espirituais, basta que haja a união entre um homem e uma mulher para que o casamento ocorra perante Deus. Daí, tenho seguido a interpretação de que pessoas que já vivem em união estável devem ser acolhidas como se casadas fossem nas nossas comunidades cristãs, de maneia que devemos reconhecer e prestigiar a aliança já existente entre elas.

Alguém talvez possa perguntar: a Bíblia não rejeita a fornicação? Sim e este vocábulo é expresso nas nossas traduções em português, mas é preciso distinguir um casal que não assinou os papéis matrimoniais do comportamento imoral adotado pelo mundo em que pessoas solteiras transam sem nenhum compromisso umas com as outras. E, neste sentido, se, por acaso, houve algum envolvimento sexual entre Rute e Boaz antes do matrimônio, o que não acredito, obviamente que, nesta hipótese, estaríamos diante de uma situação bem diferente do que se vê hoje em dia por aí (na cultura judaica daqueles tempos até a violação de um noivado era considerada crime de adultério).

Finalmente, deixo a indagação se os acontecimentos da história de Rute foram mesmo coisas do acaso? Acredito claramente que não! Segundo a narrativa do livro, Boaz e Rute tiveram um filho, ao qual chamaram de Obede. Este veio a ser o pai de Jessé e, por sua vez, o bisavô do rei Davi. No Evangelho de Mateus, o autor faz menção expressa de Rute na genealogia do Messias de modo que uma simples história de fé tem grande relevância para as raízes humanas de Jesus.

Como se sabe, o Evangelho de Mateus não cita todos os ancestrais do Messias, pois omite vários nomes. Porém, propositadamente, o autor escolhe o nome de quarenta e dois ascendentes que se divide em três grupos: do patriarca Abraão até Davi, do primeiro monarca judeu até o último rei que foi deportado para o exílio na Babilônia e do cativo rei Jeconias até Jesus. No meio dos nomes de homens, são mencionadas algumas mulheres: a cananeia Tamar, a ex-prostituta Raabe, a moabita Rute, Bate-Seba com quem Davi traiu Urias e judia Maria que gerou o Cristo através de um nascimento virginal. Já o nome da perversa rainha Atália, mãe do rei Acazias, que tentou destruir a descendência da casa real de Judá, nem é citada pelo escritor de Mateus.

Creio que por mais simples que sejam determinados fatos, como o casamento entre um homem e uma mulher ou a procura de um emprego, não podemos deixar de ver o plano de Deus se cumprindo nos pequenos detalhes da vida. Através de gente humilde e, desconhecida, vieram grandes reis e sacerdotes de maneira que não podemos achar que coisas do nosso cotidiano sejam insignificantes para Deus. Assim, quem ainda não se casou, por exemplo, é importante pedir a direção de Deus para que a escolha seja conforme a vontade Dele, lembrando-se da história de Rute.


OBS: A ilustração inserida no artigo refere-se ao quadro Rute e Boaz pintado por Julius Schnorr von Carolsfeld (1828).

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Como podemos CONHECER a Mensagem da Bíblia?


Meus ancestrais gregos da Antiguidade souberam deixar importantes contribuições ao desenvolvimento inicial da Teologia cristã. Além de terem preservado, reunido e organizado as mensagens deixadas pelos apóstolos, formando o cânon do Novo Testamento, os gregos daqueles primeiros séculos do cristianismo elaboraram não só comentários aos textos bíblicos como também desenvolveram vários temas teológicos e métodos de interpretação.

Sem os gregos, não teria se formado a cultura cristã como nós a conhecemos. Sem eles, jamais existiriam as concepções eclesiásticas dos católicos e dos protestantes. A alegorização, por exemplo, foi muito utilizada por Orígenes para explicar a parte da Bíblica que chamamos de Antigo Testamento, conforme leciona Walter Wangerin Jr. em seu artigo “A Bíblia como uma história”, publicado em português pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB):

“Como método de interpretação, a alegorização entrou na igreja cristã por intermédio de Clemente de Alexandria (falecido por volta de 215 d.C.), que seguiu a linha de Filo. Orígenes (cerca de 185-254 d.C.), que foi discípulo de Clemente, a transformou numa sistemática de interpretação bíblica. Segundo Orígenes, havia três níveis de significado nas Escrituras: o literal, o moral e o espiritual. Estes correspondiam às três 'partes' do ser humano: corpo, alma e espírito.”

Por outro lado, toda essa tradição teológica, desenvolvida a partir da herança helênica, até hoje dificulta a compreensão do contexto cultural da Palestina de Jesus, sendo as nossas concepções bíblicas um sério obstáculo até para a propagação do Evangelho no Oriente porque nem sempre conseguimos estabelecer uma comunicação satisfatória com os outros povos. No Ocidente, segmentamos a pessoa humana em corpo, alma e espírito, criando uma desarmonia com a matéria entendimento baseado numa interpretação ampliativa da epístola de Paulo aos Romanos, quando o texto atribuído ao apóstolo diz que “com a mente” ele é servo da “lei de Deus”, mas “segundo a carne”, é escravo da “lei do pecado”.

Foi de grande proporção a desarmonia que os cristãos causaram em relação à saúde do próprio corpo e ao ambiente em que vivem, passando a ser escravos de falsas ideias sobre culpa com forte ênfase no pecado do sexo ilícito, ou então na subtração dos direitos patrimoniais, de modo que, por séculos, gerações inteiras viveram com medo de não entrar no céu. A noção temporal cronológica subordinada ao relógio foi outro ingrediente utilizado para aprisionar as pessoas, desintegrando a sociedade da natureza, sendo que também nos tornamos reféns de um conhecimento limitado ao campo da abstração, sem o aprendizado prático do cotidiano.

Melba Maggay em seu artigo “Perspectivas culturais – Oriente e Ocidente”, publicado também pela SBB, faz uma interessante comparação com a visão de mundo dos filipinos e a nossa tradição teológica, expondo uma considerável crítica a nós:

“Os filipinos, em sua cultura, ainda se impressionam com 'o poder... que pode ser claramente percebido... por meio das coisas que foram criadas'. Porém, o cristianismo ocidental se dirige a eles como se houvessem há muito passado da idade do misticismo e precisassem ser arduamente convencidos da existência de um Deus sobrenatural. Mosso povo [os filipinos] ainda não conhece a natureza 'desmistificada', desprovida do maravilhoso e do mágico. Mas o Ocidente defende a Bíblia na nossa cultura como se fôssemos todos racionalistas de uma era científica (…) Cada cultura tem um senso interno do que considera 'errado', ocasionando certa introspecção ou reflexão. Nas Filipinas, o rompimento da harmonia no nosso relacionamento com a sociedade ou com o cosmos é uma falha considerável. O Ocidente, que tende a individualizar e personalizar o 'pecado', considerando-o, antes de tudo, uma questão de traição e mentira e sexo ilícito, ou de coisas gerais relacionadas com violação da integridade interior e usurpação dos direitos de outras pessoas, precisa aprender a levar em conta a dimensão social e cósmica do pecado.”

Essa ideia de “dimensão social e cósmica do pecado” lida no artigo me chamou bastante a atenção, fazendo-me lembrar do profeta Daniel quando pediu perdão a Deus pelo seu povo. Lendo as Escrituras hebraicas (o Antigo Testamento), percebemos que os judeus tinham a noção do pecado coletivo, conforme aconteceu na época de Josué por causa do pecado de Acã, significando que a ação ou omissão de uma pessoa está em permanente interação com toda a sociedade, consciência esta que nós ocidentais perdemos.

É preciso que a Igreja se arrependa do pecado cometido pela cultura cristã gerada no Ocidente, a qual se contrapõe ao cristianismo em sua essência. Penso que, ao invés de alimentarmos temores infrutíferos acerca das ameaças com uma eternidade no inferno (sentimento que as suras do Alcorão ampliam), precisamos conhecer mais a Deus, o que só é possível cultivando um relacionamento reverente com o nosso Criador no nível da pessoalidade. Lembrarmos do aprendizado prático em nosso dia a dia, tal como ensinava Jesus através de suas parábolas, é o que hoje precisamos para compreendermos o Espírito da linguagem da Mensagem que os homens tentaram registrar na Bíblia durante os séculos.

Na atualidade, em que muitos acusam a Bíblia de ter sofrido modificações, pouco me importa se o texto de hoje guarda total fidelidade com os desaparecidos rolos originais deixados pelos autores das Escrituras. Não muito diferente de um contador de histórias do Oriente Médio, Jesus não escreveu livro nenhum e a semente de sua Mensagem oral produziu frutos nos corações dos homens, ficando bem registrada na memória de seus discípulos. Durante o período de três anos que seguiram o Mestre, os primeiros pregadores do Evangelho foram ensinados através da arte do discipulado, experimentando uma metodologia bem diferente dos nossos seminários teológicos.

Ora, do que adianta um acúmulo de informação se nos falta a habilidade de integrarmos o conhecimento com a vida? Penso que precisamos aprender a aplicar a sabedoria espiritual diante de cada situação e no relacionamento com as pessoas. Assim, ao invés de confiarmos tanto nas proposições teológicas, deveríamos meditar mais nas parábolas, nos enigmas e nos provérbios ricamente encontrados na Bíblia. Observemos, pois que, no primeiro Salmo, considerado como um poema de sabedoria, o autor considera feliz a pessoa que tem o seu prazer na lei de Deus, na qual medita de dia e de noite, sendo comparado a uma árvore plantada junto a um curso d'água:

“Bem-aventurado o homem
que não anda no conselho dos ímpios,
não se detém no caminho dos pecadores,
nem se assenta na roda dos escarnecedores.
Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR,
e na sua lei medita de dia e de noite.
Ele é como árvore
plantada junto a corrente de águas,
que, no devido tempo, dá o seu fruto,
e cuja folhagem não murcha;
e tudo quanto ele faz
será bem sucedido.” (Sl 1.1-3)

Mas o que significa o ato de meditar conforme consta na nossa tradução bíblica? Por acaso o salmista estava se referindo a uma atividade intelectual? Certamente não!

O meditar na cultura hebraica está associado com a obediência constante à vontade de Deus, pois o temor do SENHOR (reverência) é o “princípio da sabedoria”. E tal entendimento constitui a natureza do terreno espiritual onde está edificada uma casa segundo nos ensina Jesus nas palavras finais do Sermão da Montanha registradas em Mateus 7.24-27:

“Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, sendo grande a sua ruína”.

Em sua epístola, Tiago compara a pessoa que não pratica a Palavra de Deus ao homem que, depois de ver sua imagem no espelho, esquece da própria aparência:

“Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma. Tornai-vos, pois, praticantes e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.” (1.21-25)

A palavra, meus amigos, é algo vivo que não pode se prender às letras de um livro escrito pelos homens. Conhecer a Bíblia apenas através da mente não produz a transformação de caráter desejada por Deus (muitos ateus estudam os livros bíblicos e não se convertem). A palavra Torah do Antigo Testamento que em muitas das nossas traduções aparece como sinônimo de “lei” é também uma instrução, uma conversa entre Deus e o seu povo que revela qual a Sua soberana vontade para as nossas vidas. Por trás de cada mandamento, há uma direção que vai além da literalidade, apontando para o estabelecimento de uma vida amorosa na qual se inclui uma harmonia da criatura com o seu Criador.

Atualmente, judeus convertidos ao cristianismo têm feito uma releitura do Novo Testamento, o que considero muito proveitoso para que possamos conhecer melhor o estudo da Bíblia através de uma perspectiva oriental vinda através dos sucessores da cultura onde nosso Senhor Jesus nasceu há 2000 anos. E uma das novidades da editora Vida é o “Novo Testamento Judaico”, em que os seus autores, judeus, enfrentam o grande desafio de apresentarem o personagem central dos Evangelhos, Yeshua (Jesus), procurando a Mensagem além das letras gregas e, obviamente, ultrapassando a cultura helênica.

Todavia, mais do que aprendermos a ler a Bíblia “da direita para a esquerda”, conforme se escreve em hebraico, também é necessário conhecermos as Escrituras através de uma experiência prática cotidiana, tal como ocorreu com os cristãos do século I que foram alcançados por uma Mensagem transformadora. Milhares de homens e mulheres analfabetos, que se converteram nas regiões gentílicas do Império Romano, muito pouco (ou nada) conheciam a respeito das tradições judaicas, mas foram de fato transformados apenas por ouvirem a Palavra de Deus. E, como bem sabemos, aqueles irmãos do passado resistiram às duras perseguições de Nero e de outros monarcas perversos, tornando-se para os nossos dias um dos maiores exemplos do que significa seguir a Jesus, visto que eles verdadeiramente desenvolveram a fé, a perseverança, a paciência, a esperança e o amor.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nestas eleições, eu quero Marinar...

Conforme já preveni os leitores do meu blogue, aqui também se fala em política. E, nesta manhã de segunda-feira, acordei com uma forte vontade de escrever sobre dois assuntos: eleições presidenciais e leitura bíblica. Não sei se vou conseguir redigir os dois na mesma data, mas preferi começar pelas eleições antes de ir para o curso de língua inglesa.

Faz pouco mais de um ano que saí do PSDB. Desde então, estou sem partido, o que tem me deixado bastante livre para opinar a respeito dos candidatos que disputarão estas eleições de 2010. Tornei-me tucano por volta de 2003, através do Sr. César Iório, o qual foi vice-prefeito de minha cidade na gestão anterior e, na época, ocupava uma secretaria do governo municipal da ex-prefeita Saudade Braga (PSB). Ainda aluno de faculdade, eu pensava em ser candidato a vereador em 2004, mas acabei tomando a acertada decisão de me dedicar mais aos estudos, o que realizei com êxito nos três últimos períodos letivos. Já no ano de 2008, exercendo minha profissão há três anos, não pude por em prática meu projeto devido às mudanças de planos do então vereador do partido que antes afirmava suas pretensões pela disputa da Prefeitura, mas acabou tendo que buscar o caminho da re-eleição. Não somente eu, como muitos outros candidatos a candidato, fomos “pegos pelo pé” com aquela decisão de modo que a sonhada vaga na Câmara Municipal precisou ficar novamente postergada. Se bem que eu já conhecia as manobras da política e, ao contrário dos demais colegas, não me surpreendi com a esperada jogada.

Encontrando-me agora livre da filiação partidária, estou me sentindo mais a vontade para adequar o voto à minha consciência, servindo os meus envolvimentos passados de experiência para tomar uma decisão mais fundamentada quanto à escolha de um candidato este ano. Lógico que a corrida presidencial não se compara às medíocres disputas que ocorrem numa cidade do interior, mas quero dizer que, quando não temos mais obrigações partidárias, ficamos também livres de assumir compromissos eleitorais com quem não concordamos, o que é muito bom, porque, em tese, voltamos a ser nada mais do que simples cidadãos brasileiros.

Dentre os três principais nomes que têm apontado nas pesquisas eleitorais, Marina Silva parece ser a melhor opção. E não digo isto apenas pela sua pessoa, mas sim pelas forças que apoiam sua candidatura e pelo propósito ambientalista próprio do Partido Verde.

Há duas coisas que muito me preocupam neste país: (i) a preservação da nossa liberdade democrática e (ii) a necessidade de se desenvolver uma economia próspera que cresça respeitando o meio ambiente promovendo a inclusão social. Manter a moeda estável, atualmente, é um medo já superado e o que precisamos hoje é de um desenvolvimento que não repita os velhos paradigmas do passado, lixos ideológicos que continuamos a importar dos países ricos.

Fico perplexo em saber que, numa época em que o mundo se esforça para diminuir sua dependência energética dos combustíveis fósseis, o Brasil esteja inaugurando um novo ciclo econômico – a exportação do petróleo. Estamos dando uma menor importância ao desenvolvimento dos biocombustíveis e das fontes alternativas de energia para poluir mais ainda atmosfera do planeta através da exploração do pré-sal, utilizando de um recurso irrenovável e que, dentro de algumas décadas, obviamente irá acabar (se é que antes não seremos nós quem acabaremos primeiro).

Sempre que assisto na TV notícias sobre o derramamento de petróleo na costa leste dos Estados Unidos, fico imaginando que o mesmo pode vir a ocorrer por aqui pois não podemos nos considerar nem melhores e nem piores do que os norte-americanos em termos de poluição do meio ambiente. Depois do que já ocorreu com a nossa Baía de Guanabara, constantemente castigada por pequenos vazamentos de óleo, meu medo é que uma tragédia dessas venha a se repetir na Bacia de Campos, sujando as belíssimas praias de Búzios e de Arraial do Cabo.

Por outro lado, os recursos do petróleo acabam minando as mais genuínas iniciativas de desenvolvimento, incentivando a nociva guerra dos royalties entre estados e municípios. Olho para cidades como Macaé, que recebe vultuosas somas de dinheiro da Petrobrás, mas vejo umas das piores aplicações de recursos, pois a maioria dos prefeitos da Região dos Lagos fazem obras caras enquanto novas favelas proliferam atraindo cada vez mais violência. O estado do Rio de Janeiro que até hoje auferiu tanta receita em royalties, deveria ter os melhores hospitais, com os mais modernos equipamentos para cirurgia e médicos muito bem pagos. Porém, o que se encontra por aí são pacientes alojados pelos corredores instituições hospitalares porque as enfermarias estão lotadas, conforme já presenciei no Azevedo Lima de Niterói.

Além da acomodação dos entes federativos e da corrupção generalizada que impede o dinheiro do petróleo de chegar até o cidadão menos favorecido, temo ainda pelo declínio da produção industrial. Um país que vive da venda do petróleo costuma sobrevalorizar o câmbio, o que, por sua vez, dificulta a exportação de outros produtos arrebentando também o mercado interno com a entrada massacrante de importações. Com isto, a indústria perde competitividade e muitos empresários poderão fechar suas portas. O agricultor, desanimando com a produção rural, pode transferir suas terras para grandes latifundiários ou partir para a especulação imobiliária.

Quanto aos empregos, do jeito que as coisas vão, estes tendem ficar cada vez mais dependentes da atividade petrolífera e, consequentemente, do próprio Estado brasileiro, o que explica os excessivos gastos com o pagamento de funcionários. Acho lamentável que, nos dias de hoje, nossos jovens não tenham mais como ideal o exercício de uma profissão liberal, a abertura de um negócio ou a carreira de executivo dentro da iniciativa privada. A grande maioria, ao deixar suas faculdades, cai no objetivismo emburrecido das provas de concurso público, indo disputar cargos destinado para candidatos que tenham o 2º grau e ainda pagam melhor do que a iniciativa privada. E, infelizmente, tudo isto acontece não porque o governo valorize o profissional, mas sim porque boa parte da riqueza nacional se acha nas mãos do Estado.

Não me iludo pensando que Marina Silva, se eleita, desistirá do pré-sal, pois a maior burrada ambiental e econômica do governo Lula já foi tomada e não poderá ser revertida de imediato. Por sua vez, não sonho com uma Amazônia livre totalmente dos desmatamentos ou da mineração ainda nesta década. Contudo, acredito que, no governo de Marina Silva, haverá a possibilidade de se criar condições para o desenvolvimento de energias alternativas, a elaboração de melhores políticas de conservação da biodiversidade, serem destinados mais investimentos para reciclagem e quiçá estímulos maiores à revitalização das cidades.

Quanto à assistência, não temo retrocessos com a mudança de governo. Enquanto houver necessidade social, vejo que há uma tendência de ampliação dos benefícios assistenciais no Brasil, o que pode continuar a ser feito com sustentabilidade econômica e sem por em risco a nossa democracia. Aliás, esta é uma das minhas preocupações quanto à permanência do PT no poder, pois temo que a indispensável rotatividade dos cargos eletivos acabe sendo afetada como houve, por exemplo, na vizinha Venezuela.

Jamais podemos nos esquecer que o Partido dos Trabalhadores, após ter se estabilizado no poder, no segundo mantado de Lula, mostrou então suas unhas de gato. Para o PT interessa perpetuar-se no poder, o que pode levar a um fascismo de esquerda já que o “socialismo do século 21”, tão propagado por Chávez, nada mais é do que um pernicioso totalitarismo que condiciona a atividade empresarial ao controle estatal sobre a economia, retirando recursos do mercado pelo aumento da arrecadação sem uma justa distribuição da renda, bem como ampliando perigosamente a dívida pública. Com isto se vê a formação de uma nova elite de pessoas que se beneficiam do Estado. No lugar de empresas de alta tecnologia, ingrediente indispensável par ao desenvolvimento de um país, poderão restar somente aquelas sociedades que dependem das licitações do governo, obviamente que sujeitas a um repudiável direcionamento.

A princípio sou contra o voto útil no primeiro turno e acho que a oposição se iludiu com a vantagem inicial de José Serra, quando este aparecia destacado em primeiro lugar no começo do ano. Não diria que Serra seja uma má opção para o segundo turno, caso as eleições para Marina terminem no começo de outubro. Porém, sempre que converso nas ruas com as pessoas, percebo uma equivocada associação feita pelo eleitor com os traumas da primeira parte da era Fernando Henrique, quando foram feitas amargas reformas na previdência social, de modo que vejo grandes dificuldades para evitarmos uma vitória de Dilma logo no primeiro turno. Talvez se a oposição tivesse se dividido, com o DEM lançando César Maia e o PPS com Roberto Freire, mais votos seriam tirados da candidata governista. Isto porque um voto que poderia ser de César Maia, Freire ou Ciro Gomes tanto pode ir pra Serra quanto pra Dilma.

Independentemente de Marina ir ou não para o segundo turno, estou com ela. Nosso voto não pode estar condicionado apenas ao resultado de uma eleição e quero que, num posterior apoio a Serra, Marina tenha bastante “moeda de troca” para que os ambientalistas consigam influenciar o Ministério do Meio Ambiente através de integrantes do PV como foi no final do governo FHC quando gente talentosa, a exemplo de Aspásia Camargo daqui do estado do Rio de Janeiro, contribuiu para a magnífica apresentação do país na conferência Rio + 10, ocorrida em 2002 na África do Sul.

Para terminar, gostaria de dizer que voto em Marina Silva não pelo fato de ela ser cristã evangélica assim como eu. Acho um absurdo alguém escolher seu candidato por causa de identidade religiosa e hoje a bancada evangélica no Congresso é uma das grandes decepções neste país com deputados envolvidos em corrupção até o pescoço. Por mim, a Marina poderia ser católica, espírita, ateia ou até mesmo bebesse o chá do Santo Daime, pois nada disso tem a ver com a política. Já o caráter da pessoa influencia bastante, embora quase nunca podemos saber o que se passa por dentro de um político, exceto pelas suas atitudes manifestadas após a eleição. E, sendo assim, um dos poucos indícios a respeito de um candidato diz respeito às alianças políticas formadas e quanto à escolha das forças (ocultas ou não) que o apoiam durante a campanha.

E então? Vamos Marinar?

terça-feira, 8 de junho de 2010

Onde estará a torcida depois da copa?


Este mês de junho, igual a cada quatro anos, teremos o mundial de futebol. Boa parte dos nossos telejornais têm mostrado notícias da África do Sul, o país sede da copa 2010, divulgando eventos passados da seleção brasileira e um pouco da vida de cada jogador. Nas escolas, as crianças andam animadas com os jogos, sonhando com um futuro no mundo do esporte preferido da nação. As ruas das cidades, a cada dia, vão sendo mais enfeitadas com cores que lembram a nossa bandeira, isto é, com tiras verde e amarelo, bem como pinturas. Já nas lojas, são comercializados artigos específicos para a festa como chapéus, sacolinhas, balões, cornetas, sandálias havaianas, a tradicional camisa da CBF e até mesmo as irritantes vuvuzelas.

No final do ano passado, quando a cidade do Rio de Janeiro estava com suas atenções direcionadas para os jogos do campeonato brasileiro, época em que o Flamengo e Vasco lutavam pelos títulos das séries A e B, enquanto Botafogo e Fluminense tentavam se manter na primeira divisão, um taxista compartilhou comigo o seu desinteresse pelo futebol. Em suas palavras, ele mostrava um profundo desapontamento com a sociedade brasileira, questionando onde estava a torcida nas horas em que a falta de cuidados com vias públicas poderia causar sérios prejuízos e acidentes no trânsito. Enquanto passávamos próximo ao estádio Maracanã, no trajeto entre a Rodoviária Novo Rio e o Grajaú, ele indagou onde estariam as torcidas da educação e da saúde neste país.

Mesmo considerando o futebol como uma excelente opção para as pessoas se divertirem, não tiro a razão do sábio taxista do Rio de Janeiro já que a bolinha acaba se tornando uma forte atração para a alienação da nossa sociedade. Isto porque as pessoas desviam a atenção para coisas como o futebol, a novela ou os jogos de azar, deixando de lado o bem estar coletivo, o trabalho, os estudos, as preocupações com a família e os cuidados com a espiritualidade.

Uma nação não pode viver apenas de futebol! Um país como o Brasil, cheio de problemas sociais, com crianças e adolescentes sendo usados como “soldados” pelo tráfico de drogas, com pacientes idosos a espera de atendimento nos hospitais público, esgoto correndo a céu aberto em várias cidades e despejado in natura nos nossos rios, redes deficientes de transportes coletivo, milhões de famílias vivendo em precárias condições de moradias, muita gente desempregada e Maracanãs de florestas sendo devastadas diariamente na Amazônia, sinceramente não dá para nos iludirmos com as comemorações dos esportes como se tudo se resumisse ao gol de placa do time campeão.

Mais uma vez pergunta-se: onde está a torcida nestas horas? Entretanto, vivemos uma época em que a violência nos estádios de futebol tornou-se um caso de polícia. Agentes públicos que deveriam estar nas ruas protegendo o patrimônio, a liberdade e a integridade física dos cidadãos são obrigados a se deslocar para fazer a segurança dos jogos do campeonato brasileiro. Devido aos motivos mais fúteis, aqueles que já são vítimas da violência política e econômica preferem se agredir mutuamente. Um momento que deveria ser de pura descontração torna-se inegavelmente trágico, acabando em mortes, prisões e espancamentos.

Dentro de alguns dias, o Brasil vai parar para assistir os jogos da copa da África e, em menos de três meses depois, teremos eleições para os cargos de presidente, governador, senador, deputados federal e estadual. Ganhando ou perdendo o torneio, tudo indica que as pessoas mais uma vez comparecerão coercitivamente às urnas para escolherem de maneira cega o grupo político que irá administrar este país pelos próximos quatro anos. Poucos questionam quais os interesses por trás de cada candidatura, deixando de estabelecer uma relação transparente de compromisso entre o representante político e o eleitor, de modo que o voto da maioria torna-se inconsistente, um movimento sem forças para obrigar governantes e parlamentares quanto ao cumprimento de suas promessas feitas durante a campanha.

Depois das eleições, nos anos ímpares, os financiadores das campanhas políticas comparecem aos gabinetes dos políticos exigindo um “retorno” bem maior do que o “investimento” que empreenderam nas eleições e apenas alguns seguimentos organizados da sociedade brasileira cobram os seus direitos. Mas será que, em 2011, novamente iremos nos conformar com ingratos reajustes salariais e de benefícios previdenciários incapazes de resolver os problemas da distribuição de renda no país? Pessoas que deveriam estar empregadas ou abrindo seus pequenos negócios continuarão sobrevivendo com as bolsas-esmola do governo? Nossos idosos ainda vão ter que implorar pelo atendimento dos médicos nas unidades básicas de saúde como se o Poder Público estivesse prestando um favor ao cidadão que paga seus impostos? Onde estará a torcida brasileira depois da copa?


Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O que penso sobre as festas juninas

Sei que com este texto vou mexer num tema polêmico, mas não estou nem aí. Exponho o que penso e não me incomodo se o meu ponto de vista será aceito ou não pela mediocridade das pessoas do mundo evangélico com o qual eu convivo.

Desde a época em que me converti, ouvia alguns pastores dizendo que o crente não pode participar de festa junina, o que afetava o convívio de muitas crianças em suas escolas. Tais pregadores faziam questão de relacionar uma manifestação cultural popular com o pecado da idolatria, como se as pessoas envolvidas nas festividades estivessem prestando culto de adoração a Antônio, Pedro ou João Batista. Outros faziam questão de enfocar as raízes pagãs desses eventos para justificarem suas absurdas proibições.

De fato, as festas juninas surgiram como uma substituição às festividades pagãs dos povos germânicos que foram “cristianizados”. Para amenizar o choque da dominação cultural greco-romana, era preciso reorganizar o calendário de modo que, no dia em que os povos “bárbaros” praticavam alguma devoção aos seus deuses, os novos convertidos passariam a realizar comemorações em honra à memória de algum mártir cristão. Assim, as fogueiras do solstício do verão do hemisfério norte passaram a ser acendidas nos meses de junho em lembrança do nascimento de João Batista, o qual, assim como o dia de Natal (seis meses depois), foi uma mera convenção porque os Evangelhos nada dizem sobre a data exata em que Jesus ou seu primo vieram ao mundo.

A princípio parece ter sido uma jogada inteligentíssima da Igreja medieval que, naquela época, utilizava-se dos questionáveis métodos de “conversão forçada”, o que a meu ver contraria frontalmente os princípios cristãos. Porém, todo processo de dominação cultural não se torna uma via de mão única. Pois, ao mesmo tempo que se buscava impor uma nova cultura aos conquistadores de Roma, com o apoio dos novos reis que agora partilhavam a Europa Ocidental, eis que, na contramão de tudo isso, surgiu um sincretismo religioso, numa adaptação das crenças europeias antigas ao catolicismo.

Curiosamente, no Brasil, algo semelhante ao sincretismo católico-germânico veio a ocorrer nas antigas senzalas quando os negros escravizados ficaram proibidos de cultuar seus deuses. Então, para manterem as tradições africanas, os escravos precisaram adaptar-se aos rituais da fé católica, os quais eram praticados apenas exteriormente para enganar os padres. Assim, os orixás passaram a ser identificados com algum santo católico.

Voltando às festas juninas, não podemos nos esquecer que, apesar da origem pagã, novos sentidos foram agregados ao evento no decorrer da história. A fogueira de São João tornou-se uma tradição cristã não só no dia 24 de junho, como no Natal e na Páscoa. E, depois disto, passou a ser meramente um costume que aquece as noites frias do nosso hemisfério sul durante este mês de junho. E, juntamente com a fogueira, vieram os fogos de artifício, os balões (infelizmente danosos para o meio ambiente), a quadrilha, comidas e músicas típicas.

Com 322 anos de colonização portuguesa e mais algumas décadas em que o catolicismo permaneceu como religião oficial, isto é, na nossa curta monarquia de apenas dois reinados, as festas juninas passaram a integrar a cultura brasileira ganhando fortes raízes. Tornaram-se uma espécie de festa caipira, principalmente aqui nos estados do Sudeste. Já no Nordeste, tais festas passaram a fazer parte do calendário de muitas cidades, uma manifestação bem presente na vida comunitária que passou a integrar a identidade coletiva, atraindo, inclusive, muitos turistas.

No século XX, as festas juninas foram se secularizando ainda mais. Sem nenhum tipo de devoção idólatra aos santos católicos, muitas escolas passaram a organizar estes eventos, o que considero super saudável. E não só as escolas, como também alguns condomínios, associações e sindicatos também comemoram as festas do mês de junho sem nenhuma conotação religiosa.

Simulando casamentos na roça, as pessoas se divertem nas festas juninas dançando a quadrilha. As crianças, por sua vez, brincam de “pescaria” nas barraquinhas e participam de inúmeras outras atrações. Pouca gente hoje em dia associa o pau ensebado com o mastro de São João e muito menos com o costume pagão da “árvore de maio”. Os frequentadores lembram mais do chapéu de palha, da calça remendada e das camisas quadriculadas que tentam lembrar os trajes caipiras de uma época que não volta mais.

Durante a minha infância, por exemplo, jamais identifiquei as festas juninas com a idolatria. Lembro que algumas músicas falavam de São João, mas eu não conseguia ver nada mais além da alegre reunião comunitária que ocorria tanto na escola quanto na praça do bairro. Aliás, até hoje, quando penso no mês de junho, posso lembrar da época em que os adultos desenhavam um bigode no meu rosto antes de sair de casa e eu ia dançar quadrilha usando uma gravata presa com a caixa de fósforo.

Certa vez, numa de suas cartas, o apóstolo Paulo escreveu algo que de certo modo se aplicaria às festas juninas:

“Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas” (Tito 1:15)

Lamento muito o fato da maioria das igrejas evangélicas no Brasil até hoje não terem aprendido a separar as festas caipiras da idolatria que alguns católicos ainda praticam (nem todos os católicos são idólatras). E, neste aspecto, a chegada do protestantismo no Brasil, dentro da visão missionária dominadora dos norte-americanos, acabou se tornando mais um choque cultural ainda que com uma intensidade menor do que a cristianização forçada dos povos germânicos na Idade Média.

Sempre que procuro entender os motivos pelos quais o Evangelho não cresce entre os orientais fico a pensar se de fato os missionários estavam interessados em levar as boas novas de Cristo ou a imposição de uma outra cultura. Ao invés de incentivarem que uma cultura submeta-se voluntariamente ao domínio de Jesus Cristo, muitas missões do passado distanciaram mais ainda o Evangelho do cotidiano das pessoas, como se a conversão fosse incompatível com os hábitos de um povo.

Felizmente esta mentalidade está mudando e hoje em dia algumas missões já treinam seus evangelistas a se adaptarem à cultura na qual eles pretendem ingressar para anunciarem a Cristo. E, embora o Brasil tenha uma expressiva população de evangélicos e de cristãos em geral, temos uma cultura de cinco séculos e uma década que não pode ser esquecida, cabendo às gerações manter e aperfeiçoar aquilo que receberam de seus antepassados.

Na minha opinião, as igrejas evangélicas deveriam promover suas festas juninas, o que seria um excelente atrativo para se relacionarem com as comunidades onde estão estabelecidas. Até o dia dedicado a João Batista, cujo nascimento é incerto, pode muito bem ser aproveitado para a evangelização, lembrando-nos da vida daquele corajoso profeta que pregava a chegada do Messias e não temeu dizer a verdade quando Herodes vivia em flagrante adultério com a mulher de seu irmão.

Para 2010, desejo que tenhamos festas juninas alegres, com bastante quadrilha, brincadeiras inocentes e músicas animadas, mas, obviamente, sem os terrível balões, os quais, embora sejam bonitos, ameaçam o bem estar das pessoas e da natureza.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O contrato e a parceria entre a CAARJ e a UNIMED precisam ser revistos pela OAB!

No final de março do presente ano, minha esposa, Sra. Núbia Mara Cilense, firmou contrato de plano de assistência à saúde, coletivo por adesão, com a UNIMED – RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA, através da ACCESS CLUBE DE BENEFÍCIOS e a CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CAARJ), cuja vigência iniciou-se em 01º/05/2010.

Em 12/05/2010, quando ela foi fazer uma ultrassonografia do abdômen, descobriu-se a presença de saco gestacional com um embrião sem batimentos cardíacos em seu útero, sugerindo um preocupante caso de uma gestação interrompida de aproximadamente oito semanas.

Durante o referido exame, o profissional de saúde que realizou o ultrassom orientou a minha esposa que procurasse seu ginecologista com urgência afim de que fossem tomadas as providências necessárias para tratar do problema.

Em 20/05/2010, por determinação do ginecologista, Dr. Noberto Louback Rocha, Núbia submeteu-se a uma ultrassonografia pélvica transvaginal, em que configurou um quadro com impressão de aborto retido, contendo o laudo imagens do útero e a seguinte análise:

“Útero gravídico, de contornos regulares, forma e dimensões normais.
Saco gestacional na cavidade uterina, de parece irregulares e contornos imprecisos.
Embrião sem batimento cardíacos, com comprimento cabeça-nádega de 21,9 mm.
Colo uterino fechado.
Ovários tópicos, de forma e dimensões normais”

Em 21/05/2010, após o ginecologista tomar conhecimento do segundo exame, encaminhou minha esposa para internação hospitalar afim de proceder o esvaziamento uterino através da curetagem, com a indicação clínica de abortamento retido baseando-se nos dois exames de ultrassonografia.

Entretanto, fomos surpreendidos na tarde daquela sexta-feira de intensa aflição psicológica quando a UNIMED negou a autorização sob a equivocada justificativa de que minha esposa estaria em carência contratual até o dia 30/07/2010, sustentando que a sua quebra só poderia ocorrer por motivos de “acidente pessoal ou morte iminente”. Tal decisão contrariou frontalmente o disposto no art. 12, inciso V, alínea c da Lei Federal n.º 9.656/98, a qual fixa o prazo máximo de 24 horas para a cobertura em casos de urgência ou emergência.

Precisando de uma solução urgente para que fosse imediatamente retirado de seu organismo o embrião morto, eis que, em 22/05/2010, Núbia internou-se no Hospital Maternidade de Nova Friburgo (HMNF), unidade municipal de saúde pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS), onde permaneceu até o dia 27/05/2010.

De acordo com o prontuário médico fornecido pelo hospital público, somente em 26/05/2010 foi realizado o procedimento de curetagem na minha esposa, tendo ela padecido até então de cólicas e sangramentos vaginais no leito da enfermaria, sofrimento este que poderia ter durado apenas um dia, caso a UNIMED tivesse autorizado a sua internação em sua unidade hospitalar aqui no Município de Nova Friburgo.

Em 23/05/2010, cheguei a entrar em contato com a Ouvidoria da OAB/RJ, através do site da autarquia na internet, enviando também uma mensagem ao Presidente Wadih Damous por um outro formulário semelhante que é disponibilizado virtualmente na página. Porém, a resposta recebida no meu e-mail foi insatisfatória, tendo a CAARJ apenas se limitado a encaminhar a minha mensagem à Gerência da Access Clube:

“(...)Recebemos seu e-mail com muito apreço, em atenção a sua solicitação, já encaminhamos para a Gerência da Access Clube.
À CAARJ agradece seu contato, e coloco-me à disposição no que for necessário.
Atenciosamente,
George Costa
Atendimento ao Cliente CAARJ(...)”

Ora, a conduta adotada pela UNIMED é gravíssima pois o diagnóstico de aborto retido configura um estado de inegável risco para a paciente, o que determina a cobertura de atendimento na forma do art. 35-C, inciso II da Lei n.º 9.656/98:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
(…)
II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
(destacou-se)

Recusando-se a patrocinar um atendimento de urgência, a UNIMED atentou contra a dignidade humana, o que configura um flagrante desrespeito à saúde e à vida das pessoas, pois ampliou a situação de grande aflição psicológica e de angústia em que se encontrava uma paciente, obrigando-a a se socorrer através do caótico sistema público de saúde que, notoriamente, funciona de modo bem precário no nosso país.

Entendendo a curetagem uterina como procedimento de urgência, assim se posicionou a Décima Sétima Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, reconhecendo ser necessária a realização do referido tratamento em casos de aborto retido e a configuração dos danos morais no julgamento da apelação cível de n.º 2005.001.04557:

“INDENIZATÓRIA – SEGURADORA DE PLANO DE SAÚDE – DANO MORAL CONFIGURADO – Configura situação de emergência a necessidade de realização de curetagem após aborto retido. A recusa da ré em continuar no patrocínio do atendimento de urgência afigura-se atentatória da dignidade humana. A comprovação do dano moral decorre da própria natureza humana (...) Circunstâncias corretamente analisadas pela sentença impugnada. Improvimento do recurso” (TJERJ. 17ª Câmara Cível. Apelação n.º 2005.001.04557. Rel. Des. Edson Vasconcelos. Julgado em 11/05/2005. - destacou-se

Igualmente assim posicionou-se a Segunda Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar o apelo de n.º 2008.001.07903, conforme se lê na ementa a seguir transcrita:

“APELAÇÃO. Obrigação de fazer cumulada com dano moral. Plano de Saúde. Quadro clínico de aborto retido, com recomendação de internação. Procedimento de urgência, cuja carência (24 horas) já se encontrava cumprida. Negativa injustificada. Dano moral configurado, diante do agravamento da aflição psicológica e da angústia em que se encontrava a apelante. Verba arbitrada em R$ 15.000,00, por se mostrar razoável às circunstâncias do caso. Provimento do recurso.” (TJERJ. 2ª Câmara Cível. Apelação n.º 2008.001.07903. Rel. Des. Jessé Torres. Julgado em 05/03/2008) - negritou-se

Tal posicionamento dos órgãos fracionários do Tribunal Estadual vem de encontro ao entendimento de que a tentativa do plano de saúde em descaracterizar a curetagem em caso de aborto como procedimento de urgência, ou emergência, configura infração à Lei Federal n.º 9656/98, de modo que a OAB/RJ não pode deixar de repudiar com veemência a conduta praticada pela UNIMED de maneira que precisa ser revisto o contrato celebrado entre a CAARJ e a tal empresa.

A situação à qual minha esposa e eu nos submetemos a ponto de precisarmos nos socorrer do caótico sistema único de saúde não pode ser minimizada e nem desconsiderada pela OAB para fins de avaliar a relação entre a CAARJ e a UNIMED. Do contrário, nós advogados estaremos nos esquecendo de manter uma conduta fraterna e solidária, o que é fundamental entre os integrantes de uma mesma categoria do profissionalismo liberal.

Por outro lado, fico perplexo com a situação de vulnerabilidade social em que nós advogados nos encontramos hoje em dia a ponto de nossos cônjuges e familiares, bem como outros colegas, terem o atendimento negado pelo plano de saúde numa situação evidentemente de urgência. É inadmissível que a esposa de um inscrito nos quadros desta autarquia, que paga em dia não só a mensalidade do plano de saúde como a anuidade da OAB, ter que procurar o SUS numa situação de urgência.

No caso específico de minha esposa, nem era conveniente ingressar com uma ação judicial de obrigação de fazer, pois, mesmo que uma decisão antecipatória da tutela jurisdicional fosse concedida aqui na Comarca de Nova Friburgo, a citação e a intimação da parte ré teria que ser efetivada na cidade do Rio de Janeiro, o que, certamente, demoraria alguns dias até que a UNIMED procedesse a internação de Núbia no seu hospital.

Ressalto que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao julgar recentemente a apelação cível no processo n.º 2007.51.01.003490-4, no qual a Agência Nacional de Saúde (ANS) é parte, eis que a 6ª Turma Especializada do TRF2 desproveu o recurso interposto pela Santa Casa de Misericórdia, a qual tentou afastar a sua obrigação de ressarcimento ao SUS, entendendo o órgão jurisdicional ser procedimento de urgência a curetagem pós-aborto, não se sujeitando à carência de 180 (cento e oitenta) dias:

“EMENTA: RESSARCIMENTO AO SUS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 32 DA LEI Nº 9.656/98. SÚMULA Nº 51 DESTE TRIBUNAL. QUESTÕES DE ORDEM CONTRATUAL. LEGALIDADE DA COBRANÇA. 1. O ressarcimento ao SUS é devido dentro dos limites de cobertura contratual, e sua imposição é prevista em lei amoldada à Carta Maior. Ademais, hoje o tema é objeto da Súmula nº 51 deste Tribunal, e as Turmas estão vinculadas a tal entendimento, por força da súmula vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. (...) 3. De outro lado, o procedimento consubstanciado no AIH nº 2720299103 (curetagem pós-aborto) não está sujeito à carência de 180 dias, por ser caso de urgência ou emergência. (...) Sentença mantida.” (TRF2. 6ª Turma. Rel. Juíza Federal Convocada Carmen Silvia Lima de Arruda. Julgado em 15/03/2010)

Conforme se lê no inteiro teor do voto proferido no julgamento do recurso da Santa Casa na Justiça Federal, obrigar que a mulher já traumatizada com a perda do filho ter que esperar o prazo de carência contratual para o procedimento de curetagem viola o princípio da dignidade humana agasalhado pela Carta da República:

“Por óbvio, não se pode exigir que a mulher, já traumatizada com a perda de um filho, fique a mercê de prazos de carência contratual e espere mais de vinte e quatro horas para a retirada dos restos do produto da concepção. Tal conduta não seria condizente com o princípio da dignidade humana, valor fundamental eleito pela Carta Maior.”

Neste sentido, entendo que cabe à OAB/RJ importar-se com a relevante questão suscitada neste texto para que nenhum dos segurados do plano da UNIMED/CAARJ, ao necessitarem de qualquer tipo de internação de urgência, fiquem submetidos a uma injusta situação de aflição psicológica e de angústia por causa da lesiva conduta adotada pelas operadoras dos planos de saúde em tais ocasiões.

Felizmente, Núbia agora está se recuperando e, apesar de tudo o que sofremos no mês passado, extraímos uma experiência de vida com toda esta situação, o que, certamente, contribui para o meu crescimento espiritual como cristão. Nas vezes em que visitava minha esposa na enfermaria do Hospital Maternidade, durante o apertado horário de meia hora, entre 14:00 e 14:30, sem que lhe assegurassem o direito a um acompanhante, aprendi um pouco mais sobre o amor ao próximo e solidariedade com as demais mulheres que se encontravam lá internadas, sendo a maioria delas de condição bem humilde. Pude mais uma vez confirmar o quanto o pobre neste país padece por causa da indiferença dos nossos políticos e fiquei perplexo quando soube através das próprias pacientes que uma gestante em trabalho de parto não conseguiu vaga ali, pelo que precisou ser levada de ambulância para ter o filho no distante município de São João de Meriti.

Entretanto, apesar do ganho de experiência espiritual, não deixo de lutar para que a OAB/RJ, através do seu presidente, Sr. Wadih Damous, não considere minha reivindicação como um mais caso corriqueiro das relações de consumo, devendo a OAB compreender que os advogados inscritos nos seus quadros, bem como os seus cônjuges e familiares, encontram-se numa preocupante condição de vulnerabilidade, sendo indispensável a adoção de medidas urgentes capazes de rever o contrato e até mesmo a parceria celebrada com a UNIMED, afim de evitar que novos casos semelhantes tornem a ocorrer.